Há momentos determinantes e incontornáveis na vida, como o nascimento, o casamento e a morte, que, pela sua importância, exigem um registo oficial.
O dia 5 de outubro de 1910 marca um momento decisivo na história de Portugal: a Implantação da República, que simboliza não apenas a mudança de regime político, mas também o início de uma nova era na relação entre o Estado e os cidadãos.
Durante muito tempo, a Igreja Católica foi a produtora e guardiã dos documentos que oficializavam o batismo, que assinalava o nascimento para a fé cristã, o casamento, que oficializava a união conjugal e o início da constituição de uma família, e, por fim, o óbito que marcava a despedida da vida terrena.
A prática de registar estes eventos, recomendada desde o século XVI, torna-se obrigatória em 1563, a partir do Concílio de Trento, que determina que todas as paróquias passem a possuir livros próprios para o registo dos batismos e dos casamentos. A partir de 1614, torna-se também obrigatório o registo dos óbitos.
Estes antigos livros paroquiais, preservados nos arquivos nacionais, são importantes fontes de informação. Servem de base para estudos em áreas como a história das famílias, a genealogia, a demografia e a história social. Mas para além do seu valor histórico e científico têm uma relevância prática, de prova oficial que atesta o nascimento, o casamento e a morte de antepassados e familiares, e lhes confere um importante valor probatório – nomeadamente para quem pretende obter a cidadania portuguesa.
A partir destes documentos é possível verificar a mudança de paradigma na relação entre a Igreja e o Estado, provocada pela Implantação da República. O Estado, separado da Igreja a partir daí, passa a assumir a responsabilidade pelos registos de nascimento, casamento e óbito.
O Registo Civil é instituído em Portugal com força de lei, pelo Decreto de 18 de fevereiro de 1911, sendo então criadas as respetivas conservatórias. No artigo 7.º deste diploma (o Código do Registo Civil), é estipulado que os nascimentos, casamentos e óbitos ocorridos anteriormente à sua promulgação, isto é, antes de abril de 1911, são comprovados pelos mesmos documentos que até então eram admitidos para prova de tais factos, considerando?se, por isso, os livros do registo paroquial escriturados até essa data como propriedade do Estado, que os entregou à guarda das conservatórias. Como tal, os antigos registos paroquiais continuam a ser documentos válidos para a emissão de certidões pelos arquivos nacionais.
O Arquivo Regional de Ponta Delgada possui, no seu acervo, os registos das 57 paróquias da ilha de São Miguel e os das 5 paróquias de Santa Maria. Os registos paroquiais mais recentes vão até aos anos de 1905 ou 1911, dependendo do tipo de documento e da data em que foram entregues pelas conservatórias. O registo mais antigo é de 1541 e refere-se a um batismo realizado na paróquia Matriz de Nossa Senhora da Estrela, no concelho da Ribeira Grande (na ilha de São Miguel), e o mais recente refere-se a um óbito da Conservatória do Registo Civil do Nordeste, de 1979.
Importa ainda recordar que, já no século XIX, tinha sido regulamentado o estabelecimento de um Registo Civil (Decreto de 16 de maio de 1832, art.º 68.º e seguintes, com posteriores alterações). Este, instituído pelo regime liberal e colocado sob a dependência das administrações de concelho e das regedorias de paróquia, igualmente instituídas na mesma época, destinava-se a também registar os nascimentos, casamentos e óbitos de pessoas não católicas— revelando já o propósito de reduzir a influência da Igreja Católica no controlo destes registos.
Todavia, este Registo Civil não vingou plenamente, até porque não era obrigatório, embora subsistam muitos dos livros então produzidos para esse efeito e que, ainda assim, constituem considerável acervo no que ao Arquivo Regional de Ponta Delgada diz respeito.