Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura


"A insubordinação de Saramago" | Documento do mês | novembro 2022

  • Divulgação Institucional/Institutional Release
  • Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada
  • 2022-11-01 até 2022-11-30

      À excepção do autógrafo de José Saramago, no seu único livro de poesia, Os Poemas Possíveis (1967), os documentos que aqui vos trazemos- fotografias, manuscrito autógrafo, dactiloscrito, artigos de jornal e uma entrevista -, parte integrante do arquivo nataliano depositado nesta biblioteca, dão conta da participação de Saramago na FNDC-Frente Nacional para a Defesa da Cultura-, criada em 1992, por iniciativa de Natália Correia, Miguel Torga, Urbano Tavares Rodrigues, Luiz Francisco Rebello, Fernando Dacosta, entre outros. Inclusivamente, a elucidativa mensagem - «Que seja para bem…» [1] , sugere o ambiente que então se vivia e que motivou a criação daquele movimento cultural, conforme veremos. As fotografias datam de 10 de Dezembro de 1992, dia Internacional dos Direitos Humanos, e foram tiradas na Sala dos Passos Perdidos do Palácio de S. Bento - Assembleia da República. Quanto ao autógrafo de 1967, ele testemunha uma relação de cumplicidade entre Saramago e a escritora açoriana, durante a ditadura, tempo em que ambos escreveram para a Seara Nova - o abrigo democrático dos intelectuais daquele tempo - e onde Natália Correia chegou a ter um artigo censurado pelo regime. Todavia, estes documentos testemunham um selo de solidariedade mútua, quando, conforme declaração inédita de Fernando Dacosta, «ao sentir-se abandonada por Soares-depois de lançar, a seu pedido, a Frente Nacional para a Defesa da Cultura, como contestação à política de Cavaco Silva, Natália foi prontamente ajudada por Saramago (e pela máquina do PCP [2] a cumprir o propósito da referida Frente, que culminou com um grande espectáculo na Aula Magna, em Lisboa”. É o próprio Fernando Dacosta que , em 1992, anuncia o evento, depois de especificar as razões que presidiram á criação da FNDC, enfatizando que «o movimento visa denunciar o tratamento dado pelo poder às coisas da cultura» [3].

Ora, a Frente Nacional para a Defesa da Cultura, «tutelada simbolicamente por Miguel Torga» [4] foi apresentada a 14 de Abril de 1992, no auditório da Sociedade Portuguesa de Autores, que , à data, tinha como Presidente um dos maiores dramaturgos do nosso país, Luiz Francisco Rebello, grande amigo de Natália Correia . A taxa do IVA aplicada aos livros , a revolta contra o então Sub-Secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, que excluiu o Livro de José Saramago, Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), da candidatura ao Prémio Literário Europeu [5]- alegando que o romance provocava os católicos portugueses - , o estado decadente e opressivo [6] da Cultura em Portugal, foram as razões que então presidiram à criação  daquele movimento constituído por «Muitas dezenas de intelectuais, homens das artes, das ciências, historiadores, professores» [7], jornalistas, críticos literários, bibliotecários, juristas, editores e livreiros, associações diversas. O facto de o «Comunicado da Frente Nacional para a Defesa da Cultura», que aqui vos trazemos, ter sido escrito em papel com o logotipo da Sociedade Portuguesa de Autores, comprova a união dos autores contra o acto censório de Sousa Lara. Nunca terá havido em Portugal um movimento cultural tão amplo, tão determinante e tão incisivo. E sobre o mesmo, disse Saramago numa entrevista então concedida ao Público:

«Não esperava que, depois do 25 de Abril, se repetissem comportamentos desses, nessa altura institucionalizados. Embora a exclusão do meu romance Evangelho Segundo Jesus Cristo tenha também um carácter institucional, porque não foi uma medida extemporânea. É uma decisão tomada por uma instância do Governo e foi no exercício de uma autoridade governamental que a decisão foi tomada. Quanto ao meu estado de espírito: estou triste e indignado. Sinto-me também estupefacto: nos primeiros dias após a decisão governamental perguntava-me se isto estava de facto a acontecer.» [8]

    Neste mês de Novembro, a Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada associa-se às celebrações que evocam o nascimento do Prémio Nobel da Literatura, José Saramago, precisamente há cem anos (1922- 2010). Para além dos documentos que vos trazemos, também organizámos uma mostra documental, constituída por alguma bibliografia activa e por alguma bibliografia passiva: nela encontramos, para além de quase todos os livros escritos pelo distinto autor português, entrevistas em jornais, revistas, ensaios e crítica literária. Sem dúvida, um convite muito apetecível para visitar-nos. Mas não só. No dia 16 de Novembro, pelas 18h00, daremos início à nossa Academia de Letras, precisamente com «A insubordinação de Saramago». Trata-se de um diálogo sobre os aspectos centrais da vida e obra do nosso Prémio Nobel, para o que contamos com a vossa indispensável participação.

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[1] Esta frase, que Saramago escreve a Natália Correia, em autógrafo de 3 de Junho de 1992, parece indicar os votos do escritor, ao aderir à FNDC, e tendo em conta o que lhe sucedera.

[2] Curiosamente, em 1975, Natália Correia opusera-se frontalmente aos excessos do PCP.

[3] DACOSTA, Fernando (1992). «SEC: A indignação dos intelectuais». Público, 14 de Abril: 2-3, p.2.

[4]. Jornal de Notícias (1992). «Frente Para a Defesa da Cultura contra política de Santana Lopes», 15 de Abril de 1992: 3. A carta, que Natália Correia dirige a Miguel Torga, elogia a firmeza de Saramago e pede a Torga que aceite ser o mentor do grande projecto cultural que a FNDC almeja. Em contrapartida, a poeta, admiradora confessa do autor de Bichos, lê, na abertura da apresentação da Frente, «um poema de Miguel Torga especialmente escrito para o efeito». Vide DACOSTA, Fernando (1992), Op. Cit.

[5] Leia-se SEPÚVEDA, Torcato (1992). «Saramago retira-se da corrida». Público (Cultura), 26 de Maio de 1992: 26. Nesse mesmo ano, A APE, distinguiria o autor com o Grande Prémio Romance e Novela. Três anos antes    de ser galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, Saramago será ainda galardoado com o Prémio Camões.

[6] A propósito da polémica instalada com a não atribuição do Prémio Literário Europeu a José Saramago, Clara Ferreira Alves antecipava então o exílio que o escritor viria a escolher ainda nesse ano, deixando o país e passando a viver em Lanzarote com a mulher, Pilar del Rio: «Uns refugiaram-se no exílio, interior ou não. Jorge de Sena refugiou-se bem longe..., Eduardo Lourenço recolheu a Vence…»

(ALVES, Clara Ferreira (1992). «Saramago e a decisão de Sousa Lara- “Ainda acabo por me ir embora”». Expresso,2 de Maio: A13.)

[7]. Diário de Notícias (1992). «Frente Cultural reforça-se contra «atentados», 15 de Abril de 1992: 5.

[8] SARAMAGO, José (1992). «É a terceira vez que sou censurado por Sousa Lara “Entrevista concedida a Torcato Sepúlveda. Público (Cultura) 10 de Maio de 1992: 39,40,41, p.40.

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