Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

(...)

O Romanceiro

Temos no romanceiro tradicional dos Açores a sobrevivência de elementos duma época perdida sobre La muerte del rey don Fernando. Dois fragmentos de romances sobre este tema foram recolhidos na Ilha de Santa Maria. Estavam ligados em conclusão à Dona Silvana/Delgadina numa versão e à Silvana/Hermitaño noutra.

O tema histórico La muerte del príncipe don Alfonso é muito popular em todas as ilhas dos Açores (cf. TB 54-55). Em geral concluí com "Não me enterrem em sagrado".

O "Conde d'Alemanha" (Conde Alemán), é o mais frequente dos temas carolíngios que encontrei em todas as ilhas, excepto no Corvo e Faial (cf. TB 10; VRP 103-129, 996-999). Na Ilha de São Miguel há um fragmento solto do tema carolíngio El Conde Claros vestido de fralde e outro fragmento no meio dum conjunto: Infantina/Caballero Burlado/Conde Claros fraile/Conde Olinos. A "Mariana" (Apuesta ganada), precede este tema na Graciosa (cf. a mesma contaminação em VRP 75-91, 987); e nas ilhas das Flores, São Jorge e Terceira é chamado a "Imbolina" ou "Dona Angélica" e tem como introdução o Mal encanto. Esporadicamente podem-se achar ainda vestígios dum tema da época merovíngia no romance carolíngio "Floresvento" nas ilhas das Flores, São Jorge, e São Miguel (cf. TB 17-19; VRP 34-37, 985).

A Blancaflor y Filomena (MP 100) de assunto clássico é conhecida como a "Triste viúva", "Florbranca", ou "Brancaflor" (cf. TB 50-51) nas ilhas das Flores, Pico, São Jorge, Terceira, Santa Maria e São Miguel.

Dos assuntos sobre "cativos", temos um texto das Hermanas reina y cautiva (MP 48) da Ilha de Santa Maria (cf. VRP 630-639). Parece que esta versão veio por meio de transmissão oral sem intervenção recente de meios literários, embora este tema apareça agora nos livros do ensino primário. Don Bueso y su hermana (MP 49) (cf. A 15) em geral conclui a Infantina/Caballero. El cautivo del renegado (MP 51) é conhecido nas Flores, Pico e São Jorge (cf. TB 52-53; VRP 626-628). Um tema inglês The Prisoner's Song foi traduzido em português num disco cantado por Manuel Carvalho (Victor Records n.° 78736-A; Pat. n.° 896,059; Aug. 11, 1908) e chama-se "O canto do prisioneiro". O povo do Faial, onde há muita influência inglesa, lembrava-se desta canção. Manuel Carvalho canta este canto com a mesma melodia em que se canta a balada em inglês. Possuo outra variante dum emigrante que vive em San Diego, que é natural de Santa Cruz, Ribeiras da Ilha do Pico. Encontrei o próprio disco na casa dos irmãos deste emigrante, em Santa Cruz, Pico. Apesar de muitas pessoas se lembrarem de ter ouvido esta canção, quase ninguém conhecia a letra. Um tema dos cativos que não é conhecido no Romanceiro português de Leite de Vasconcelos é La canción del huérfano que encontrei nas ilhas da Graciosa, São Jorge, Terceira, São Miguel e Santa Maria (veja-se também TB 27-28). Na Ilha da Graciosa, La canción del huérfano existe conjuntamente com o tema tradicional do Prisioneiro (veja-se o tema tradicional do Prisioneiro em VRP 226-234).

A "Bela Infanta" La vuelta del marido [é-a], em geral conclui com La vuelta del marido [í] (Arbolero; MP 58). Este romance está muito influenciado pela versão publicada num livro de leitura da terceira classe do ensino primário e foi recolhido em todas as ilhas menos no Corvo (cf. TB 41; VRP 315, 317-319, 322 para esta contaminação). No entanto, algumas variantes resistiram à influência do "escrito" que os netos consideram mais certo que a memória da avozinha que já lhes parece meio esquecida. Também temos a "Bela Infanta" em contaminação com La mujer guerrera em São Jorge e São Miguel. Outro tema da volta do marido, "A noiva arraiana" (La boda estorbada: MP 60), é muito frequente em todas as ilhas, excepto na de Santa Maria e do Corvo (cf. TB 7; VRP 995).

O assunto do "amor fiel" é muito popular. Recolhi El Conde Olinos (MP 55) em todas as ilhas menos na Graciosa. Em São Miguel aparece em contaminação com outros temas como no exemplo da Infantina/Caballero Burlado/Conde Claros vestido de fraile/ /Conde Olinos, já citado. Também temos um texto de São Jorge onde o Conde Olinos conclui a Silvana/Conde Alarcos (cf. o Conde Olinos em TB 32-33; VRP 235-248; A 18). La aparición (MP 56) termina o Bernal Francés nas Flores, São Jorge, e São Miguel (cf. TB 8-9; VRP 354-371, 1007-1009) e conclui o Quintado em todas as ilhas, excepto no Corvo, conforme a recolha feita. O "Dom Fernando" (Quintado/Aparición) parece muito normalizado, talvez por meio de alguma forma de re-popularização.

Recolhi em todas as ilhas, menos no Corvo, o Conde Alarcos (MP 64) de assunto "o amor desgraçado". Em geral, é introduzido pela "Dona Silvana". Este exemplo do amor desgraçado é concluído com o amor fiel, num texto de São Jorge, Dona Silvana/Conde Alareos/Conde Olinos, já mencionado acima.

Apareceram três exemplos da "esposa desgraçada". Achei só um texto de El parto en lejas tierras (MP 68), conhecida como "Levanta-te tão Brande" em São Miguel (cf. VRP 552-553; A 66). A "Dona Helena", (La mala suegra: MP 70) é muito popular em todas as ilhas excepto no Corvo (cf. TB 15-16; VRP 554-578; A 67-70). La mujer del pastor (MP 73) apareceu só nas ilhas das Flores, São Jorge, Graciosa e São Miguel.

Também temos três representantes do tema da "adúltera". Encontrei só um texto da Adúltera (em assonante ó; MP 78) em São Miguel (cf. VRP 399-414; A 64-65). O "Frei João", (a Adúltera em á-a; MP 80) é o romance mais popular sobre este assunto, em todas as ilhas com excepção do Corvo (cf. TB 78-79; VRP 732-734, 417-427, 1011; A 117-120). Combinou-se com a Aparición em São Miguel e, na Terceira, numa variante, precede o Conde Alarcos/Aparición. O Bernal Francés (MP 83) aparece nas ilhas das Flores, Faial, Pico, São Jorge, Terceira e São Miguel (cf. TB 8-9; VRP 354-371, 1007-1009; A 59). Este tema combinou-se frequentemente com o tema da Aparición, já mencionado. No Faial e Pico, é a Delgadina que introduz este tema. É curioso o caso seguinte: em Ponta Delgada da Ilha das Flores, gravando ao ar livre, quando acompanhava os foliões que cantavam, num sábado, atrás dos carros enfeitados e puxados pelos bois que levavam a carne para a distribuição de casa em casa, como parte da Festa do Espírito Santo, eles começaram a cantar o "Nicolae Françoilo" (o Bernal Francés), com uma toada característica das cantigas da Festa do Espírito Santo. Com as melodias extensas e os ritmos irregulares parecia que as sílabas se desprendiam das palavras. Até respiravam no meio da palavra, por causa do fim da frase musical ou ligavam a primeira sílaba duma palavra com o fim da palavra anterior por razão musical; ou então pelo contrário, a sílaba final duma palavra era ligada à primeira sílaba da palavra seguinte. Até os próprios cantores não percebiam o que cantavam. Depois, quando lhes pedi que recitassem estes versos, nenhum deles os sabia a não ser um antigo folião que já não cantava.

Qual foi a razão da assimilação deste romance pelas cantigas dos foliões? Em geral, o romanceiro é cantado nas toadas antigas, especialmente no "cantochão". Seria por razão de semelhança da música, segundo o critério do povo, que se teria chegado a cantar este romance da Adúltera numa ocasião em que é paradoxal vê-lo surgir como na Festa do Espírito Santo? Parece que a assimilação foi feita com base num critério musical e não no assunto. O folião antigo, o único que conhecia o assunto, disse que era cantado pelos antigos na Festa do Espírito Santo, mas que não era cantado quando a coroa estava presente. Só se cantava quando a coroa ia para uma casa e os foliões ficavam na rua à espera. Os foliões, em Ponta Delgada das Flores, cantavam, horas seguidas, andando de casa em casa, até percorrer toda a freguesia num dia. Embora haja uma grande quantidade de canções dedicadas ao Espírito Santo, também há o recurso ao romanceiro para preencher estas horas seguidas a cantar.

Quanto ao assunto das "vinganças femininas" e "mulheres matadoras", o Rico Franco (MP 85) foi re-popularizado por meio de um disco "O Fado da Dona Inez" interpretado por Manuel Carvalho (Colombia Records, n.° E 4368; 84692 patente 1901-1909) e é cantado, segundo a recolha feita, em todas as ilhas, menos no Corvo e em Santa Maria, com uma música que imita a melodia utilizada por Manuel Carvalho (cf. versões tradicionais, anterior à distribuição do disco, em TB 48-49; VRP 478). Em toda a parte há uma normalização rigorosa nas palavras, conformando-se com a versão do disco. A variação é mínima. Achei este disco também em Santa Cruz, Ribeiras, Pico e na Casa do Trabalho, Nordeste, São Miguel. "O Fado de Dona Inez" teve uma grande influência na re-popularização e na uniformização dum tema já familiar no repertório do romanceiro popular. Em contraste, "O canto do prisioneiro", de tema estranho para o povo, cantado pelo mesmo cantor e que se estendeu por toda a parte, não foi assimilado pelo povo como parte do seu repertório no romanceiro. Também o nome de Dona Inez está bastante ligado pelo povo com a figura histórica e trágica de Dona Inez de Castro que é figura que sobrevive muito especialmente devido ao teatro popular. Outro tema de vinganças femininas e mulheres matadoras que é muito frequente em todas as ilhas, menos no Corvo, é El veneno de Moriana (MP 86), às vezes chamada "Oh Juliana" ou "Oh Laureana" (cf. VRP 533-548; A 46). Nas ilhas de São Jorge, Terceira e São Miguel, combina-se como conclusão a Apuesta ganada. A versão que se chama "Oh Juliana" é muito cantada pelas pessoas de menos idade; até, recentemente, na Ilha, da Graciosa, foi re-popularizada por meio de uma dança para o tempo do Carnaval. No sítio do Bom Jesus, Santa Cruz, Graciosa, a dança foi criada pelo mestre de dança com base na canção; foi esta a versão que me foi cantada por uma rapariga do grupo, que, por sua vez, a aprendeu de outra pessoa mais velha. Encontrei outras pessoas que aprenderam este tema através da dança que foi representada em vários sítios da ilha no ano de 1968.

"O cego" (El raptor pordiosero: MP 92) é um dos temas que alcança maior expansão em todas as ilhas (cf. TB 76; VRP 517--532; A 25-29). Às vezes, conserva-se por meio do baile de roda e está precedida pela canção do "ladrão" em São Jorge, Terceira e São Miguel. Num caso isolado, "O cego" introduz o tema do Rico Franco em Santa Maria.

Dentro do tema do "incesto", a Dona Silvana (MP 98) aparece em todas as ilhas, menos no Corvo. Em geral introduz os temas da Delgadina e o Conde Alarcos, já mencionado acima (p. 236). Também introduz a "Dona Maria" (El hermitaño) em São Jorge; e na ilha de St.ª Maria, introduz o Hermitaño/La muerte dei rey don Fernando já referido (p. 234): Dona Silvana/Delgadina/La muerte del rey don Fernando na ilha de Santa Maria). O tema da Delgadina (MP 99) existe só ou em combinação com a Dona Silvana, em todas as ilhas dos Distritos de Angra e de Ponta Delgada. Também introduz a Mala suegra na Graciosa. Há um caso em que a Delgadina é precedida pela "Santa Bárbara", em São Miguel. Não é conhecida no Distrito da Horta senão em contaminação: Delgadina/Bernal Francés nas ilhas do Faial e Pico.

O Gerineldo (MP 101), assunto: "mulheres atrevidas", está divulgado em todas as ilhas exceptuando a Graciosa (cf. TB 30-31; VRP 257-274, 1004; A 56). Um tema desconhecido no Romanceiro de J. Leite de Vasconcellos, El mal encanto (MP 108bis), assunto: "mulheres seduzidas", introduz o Conde Claros vestida de fraile nas ilhas das Flores, São Jorge, Graciosa, Terceira e São Miguel (veja-se a nota 7, p. 234 acima).

"A condessa" (Escogiendo novia: MP 130), que pertence aos assuntos de várias aventuras amorosas", existe em forma de um jogo de crianças em todas as ilhas (cf. VRP 682-683).

Dos assuntos de "burlas e astúcias", pode encontrar-se El caballera burlado (MP 114), em quase todas as ilhas, com excepção das ilhas do Corvo e Santa Maria. Em geral, é introduzido pela Infantina e concluído pelo Don Bueso. A Apuesta ganada aparece nas Flores, São Jorge e São Miguel (cf. VRP 988-993) e combina-se com Conde Claros vestido de fraile, já referido (p. 234). Também introduz o tema d' El veneno de Moriana em São Jorge, Terceira e São Miguel, como já disse (p. 238). A "Bela Pastora" é muito frequente em todas as ilhas (cf. TB 77). O Castigo del sacristán (cf. TB 42: "Romance de Flor do Dia") apareceu só nas ilhas de São Jorge, Santa Maria, e São Miguel.

Há uma grande quantidade de temas religiosos. Conhecem a "Santa Iria" nas ilhas das Flores, Pico, São Jorge, São Miguel, e Santa Maria (cf. TB 71; VRP 438-463). O Jesus peregrino é frequente em todas as ilhas, mas só o gravei nas ilhas do Corvo, Flores, São Jorge e São Miguel. Os romances sobre este tema estão a normalizar-se, por ele estar publicado num "Livro de Leitura" da Terceira Classe do ensino primário. Também achei este tema cantado como uma das canções da "Festa do Espírito Santo" e no "Lembrar das almas" em São Miguel. Outro romance frequente que recolhi em todas as ilhas, excepto no Faial, é a "Santa Bárbara". É costume rezar a Santa Bárbara quando há trovões. Já foi indicado (p. 239) que este tema introduz a Delgadina num texto em São Miguel. A "Santa Catarina" apareceu-me nas Flores, Faial, São Jorge, Graciosa, Terceira e Santa Maria (cf. TB 73). Encontrei a "Santa Teresa" só no Pico (cf. TB 74). Recolhi o romance dos "Três reis d'oriente" em todas as ilhas excepto no Pico e Santa Maria (cf. TB 63-64). Este romance conserva-se, em muitos casos, por causa do costume do "cantar os reis" na "Noite dos reis", de 5 para 6 de Janeiro. Temos um romance sobre "Quem morre sem sacramentos" na Graciosa, São Jorge, Terceira e São Miguel. O "Raminho d'ouro de Nossa Senhora" está divulgado em todas as ilhas, excepto no Corvo. Outros temas religiosos que apareceram nos Açores e que talvez pertençam ao romanceiro tradicional, tratam de Santa Isabel, Santa Ana, Santa Maria lavando panos no rio, Santa Clara, São José, São Pedro e Santo António.

De assuntos vários, temos em todas as ilhas menos no Corvo, conforme a recolha feita, a Mujer guerrera (MP 121) que é conhecida como "Dom Varão" (cf. TB 11-12; VRP 183-202, 1002-1003; A 49). O tema de La infantina (MP 114) apareceu em todas as ilhas, menos no Corvo e em Santa Maria. Em geral, introduz El caballero burlado (veja-se pp. 234 e 239). A "Nau Catrineta" está vulgarizada em todas as ilhas, mas como é o mais divulgado pelos livros de leitura da escola primária, só tentei gravar as versões menos influenciadas por estes livros, nas ilhas do Faial, Pico, Graciosa, São Jorge e São Miguel (cf. TB 37-40; VRP 598-603; 1015- -1016). Recolhi a Fiebre amarilla em todas as ilhas, com a excepção de São Jorge. É possível que tivesse alcançado alguma expansão por meio de folhetos, no fim do século passado ou no princípio deste século. De vez em quando, os antigos falavam dum "livro" com este tema, mas nunca o vi (cf. também A 48). Em São Jorge e Santa Maria, temos um tema aparentemente desconhecido, entre os temas pan-hispánicos. É o que trata de "Dona Maria" ou o que eu tenho designado como El hermitaño que, às vezes, é introduzido pela Silvana (cf. TB 43). Em São Miguel, encontrei só uma versão deste tema, cantada em Vila Franca por Telma de Fraga Cardoso Medeiros, afilhada do Padre J. Luís de Fraga. É curioso que o Pe. Fraga não publicou este romance no seu livro "Cantares Açorianos". Telma é natural da Ilha das Flores e aprendeu este tema com a mãe do Padre Luís de Fraga, também da Ilha das Flores. É sabido que o Pe. Fraga ensinou vários temas e canções das Flores aos jovens de São Miguel como por exemplo às raparigas na Casa do Trabalho de Nordeste. Depois de elas se casarem, estas cancões já começam a ser transmitidas a outros locais. Contudo, nunca achei este tema em São Miguel senão quando foi cantado por Telma. Apareceu nas ilhas das Flores, Pico e São Jorge o tema de Las bodas de sangre (cf. TB 26, "Romances da Condessa"). Achei a "Batalha de Lepanto" ou o "Dom João da Armada" (cf. TB 44-46) nas Flores, Pico e São Jorge. Só uma copla de "Tão alta vai a lua" (Conde Alernán y la reina) existe em todas as ilhas excepto na Graciosa e Santa Maria. Em São Miguel, encontrei uma variante que tem mais versos tradicionais do que só a copla. No Faial e no Pico; existe um fragmento da "Rosa na roseira", também só com copla. Outro fragmento flutuante "Não me enterrem em sagrado" (Testamento de enamorado) que, no geral, conclui La muerte del príncipe don Alfonso, existe sem a contaminação de outros temas, na ilha de São Jorge.

Nos Açores, quanto a assuntos sobre animais, temos "Os frangaínhos (ou passarinhos) novos querem casar" ou "O casamento de filha do galo" que se compara com El piojo y la pulga na Galiza (cf. A 137-146). Em São Jorge, temos dois temas sobre o gato. Um destes, o "Gato Bela-saúde" também é conhecido em São Miguel. Nenhum destes textos sobre o gato corresponde ao Don Gato já recolhido por Leite de Vasconcellos e por Carré Alvarellos (cf. V 641, 1017; A 121-122).

Outros temas que provavelmente pertencem ao romanceiro, tratam da "Dona Flória" ou "Dona Flora" (cf. TB 35) no Pico, São Jorge, Terceira e Santa Maria; as "Duas comadres" ou "As comadres" em Graciosa e Santa Maria; "Florinda" em Santa Maria; "Dom Pedro" nas Flores e no Pico; e "Dona Lizarda" (cf. TB 36) nas Flores, Corvo, Pico, São Miguel e Santa Maria. Isso representa a identificação dos temas sem ter transcrito as mil variantes e estudá-las minuciosamente.

Os temas que foram recolhidos nos Açores, e que não aparecem nos Cantos populares do Archipélago açoriano de Teóphilo Braga, são os seguintes: La muerte del rey don Fernando (r), "O canto do prisioneiro" do romance inglês The Prisoner's Song (r), El prisionero (r), o Quintado, El parto en lejas tierras (r), La mujer del pastor, La adúltera (ó) (r), El veneno de Moriana, Escogiendo novia, Apuesta ganada, Fiebre amarilla, os temas de animais (sobre o gato são raros), a maior parte dos temas religiosos (exceptuando "Santo António", "Santa Catarina", "Santa Iria", "Santa Teresa") e os outros temas que provavelmente pertencem ao romanceiro tradicional como "As comadres" (r), "Florinda" (r) e "Dom Pedro" (r).

Conforme esta recolha, os romances dos Açores que não aparecem no Romanceiro português de José Leite de Vasconcellos são os seguintes: La muerte del rey don Fernando (r), La muerte del príncipe don Alfonso, Blancaflor y Filomena, "O canto do prisioneiro" de origem inglesa citado acima, La canción del huérfano, El mal encanto, "A bela pastora", El castigo del sacristán (r), a maior parte dos temas religiosos (excepto "Santa Iria", "O raminho d' oiro da Nossa Senhora" e Jesus Peregrino), a Fiebre amarilla, Hermitaño (r), Bodas de sangre (r), os temas de animais e os outros temas prováveis de "Dona Flória" ou "Dona Flora", "Florinda" (r), "Dom Pedro" (r) e "Dona Lizarda". As versões das "Comadres" (r), nesta recolha, não correspondem necessariamente às do Romanceiro português de Leite de Vasconcellos.

Com excepção do romance de origem épica de La muerte del rey don Fernando, "O canto do prisioneiro", a Fiebre amarilla, vários assuntos religiosos, temas de animais, e outros romances prováveis como "Dona Flora", "Florinda" e "Dom Pedro", já tinham aparecido os outros temas da nossa recolha, nas colecções de Leite de Vasconcellos e de Teóphilo Braga. O maior valor desta pesquisa consistiu em obter mais textos do romanceiro, sejam já conhecidos ou não, que conservaram elementos arcaicos. Nos Açores encontram-se muitos arcaísmos, pelo facto do arquipélago ficar na periferia da Europa e por continuar uma vida antiga em que o romanceiro floresceu. Precisamos duma boa quantidade de textos do romanceiro português para melhor facilitar os estudos destes temas comparativamente com os correspondentes, pan-hispânicos ou pan-europeus, e também para melhor estudar a divulgação destes temas nas próprias ilhas. Assim se poderá perceber melhor se há muita variação em cada tema ou, pelo contrário, se houve uma normalização: se é realmente raro ou frequente na tradição açoriana e se é conhecido só das pessoas antigas ou também continua com vitalidade entre as pessoas de menos idade.

Agora, em geral, há pouca vitalidade do romanceiro na vida do povo. Em muitos casos, o povo continua as actividades em que o romanceiro existia, mas já acabou o romanceiro. Há ruptura na união da família com a grande emigração. Em muitos casos, a avó ficou sozinha, já com toda a sua família (ou pelo menos a maior parte) no estrangeiro. Há abandono. O romanceiro desaparece neste ambiente. Em muitos casos o abandono em certos lugares tem sido tal que a vida comunitária se desfaz e desaparece. Em outros lugares entrou dinheiro estrangeiro e cada família se sustenta a si mesma. Assim, vai desaparecendo a convivência com os outros na comunidade. Há menos interdependência com os vizinhos. Diminuem destarte as reuniões e consequentemente há menos comunicação. Existem outros recursos para se distraírem quando se reúnem. Os que podem, já têm rádios com que se entretêm em casa. Para a vida comunitária, existe o recurso aos filmes ou danças com discos de música moderna. Há grande tendência para imitar o estrangeiro. Assim, o romanceiro como passatempo e entretenimento realmente não tem função, senão em poucos lugares e em casos raros. O romanceiro para acompanhar os trabalhos mais aborrecidos como desfolhar milho ou favas, cardar e fiar, tecer, procurar lenha, pescar, tratar das vacas na serra, amassar pão, lavar roupa ou loiça, cozinhar, etc., ainda tem alguma função na vida do povo, mas, em geral, este, hoje, canta mais as canções propagadas nas emissoras ou discos.

Levei comigo, de sítio e de freguesia em freguesia, uma ou duas máquinas Uher 4400 Report Stereo de quatro velocidades diferentes e com uma bateria seca. Para certos lugares isolados levei quatro baterias secas. Cada bateria dava para oito horas seguidas de gravação. Assim, durante quatro dias completos de recolha podia ficar nos lugares mais isolados onde faltava a electricidade. Na Caldeira de Santo Cristo, Ilha de São Jorge, o lugar mais isolado de todas as ilhas, foi utilizada toda a reserva de baterias. Não há estradas nem para jeep, nem acesso por barco.

Há uns quantos barcos de pesca, mas só para o mar calmo. O correio chega lá três vezes por semana se não fizer mau tempo. Alguns rapazes acarretam a farinha e outros víveres para a "venda" ao público. Fora disso, a comunidade raramente tem contacto com o resto da ilha por causa da rocha alta, a distância e a falta de transporte. No entanto as casas maiores foram construídas com dinheiro estrangeiro por meio dos emigrantes que trabalharam fora e voltaram para construir e viver na sua terra natal. É frequente em todas as ilhas construir casas com dinheiro ganho em terras estrangeiras.

Chegava a cada freguesia, em geral, com aviso prévio de apenas um ou dois dias ao pároco ou professora que me ajudavam a arranjar alguém para me acompanhar a procurar as pessoas mais idosas e as mais indicadas de menos idade. Em alguns casos o próprio padre ou a professora me acompanharam. Em geral, levava as máquinas comigo à entrada na freguesia. Durante os dias de semana, gravava as histórias na primeira ocasião, nas próprias casas destas pessoas que continuavam com os seus trabalhos ou por algum tempo descansavam. Em certos casos fazia primeiro uma sondagem na parte da manhã, e, na parte da tarde, voltava para gravar as versões oferecidas pelas pessoas mais indicadas. Nos fins-da-semana e dias de festa, houve casos em que o povo pelo pré-aviso da parte do pároco ou pela sondagem feita num dia anterior, se reunia no salão paroquial. Nesta situação, fazia um inquérito geral para todos perceberem o que mais interessava. Às vezes as pessoas mais indicadas estavam presentes já no salão. Caso contrário, recomendavam outras na freguesia e logo eu as procurava nas suas casas. O contista sente-se em muitos casos à vontade com o povo presente. Ao contrário, as pessoas que sabem o romanceiro, em geral, sentem vergonha dos outros presentes, por não serem os cantores da freguesia e pelo receio de, em razão do esquecimento, virem a interromper alguma destas narrativas compridas, em verso. O romanceiro parece ser comunicado ou transmitido em nível mais íntimo ou em ambientes mais limitados. Deve ser uma das razões que explicam o facto de mesmo os que sabem grande quantidade de romances não serem reconhecidos pelos outros, e por isso, ser difícil de encontrá-los. Os próprios filhos e os netos me disseram muitas vezes que não sabiam que a mãe ou a avozinha conhecia destas histórias em verso e que nunca as tinham ouvido, apesar de conviverem durante trinta ou quarenta anos. Era frequente, no princípio, dizerem-me os filhos e os netos que a mãe ou a avó já estavam muito esquecidas e que não deviam saber nada disso. Às vezes custava convencê-los do contrário e que interessava falar com elas apesar de já estarem esquecidas. Algumas destas "esquecidas" foram as que tiveram maior repertório de romances. É raro achar uma pessoa conhecida na comunidade por saber muitas histórias, que realmente saiba os romances tradicionais e não apenas contos, literatura de cordel ou os acontecimentos publicados em folhetos; a não ser em certas freguesias em que o romanceiro ainda não sofrera um desprezo total, mas fazia parte de certa convivência pela forma de vida ainda antiga.

Este desprezo por parte do povo chega a ser total. Até as próprias pessoas que conheciam maior quantidade de romances me disseram ao princípio que não sabiam nada destas coisas. Houve sempre o problema da vergonha em contar as histórias que já havia muito que não cantavam. O analfabeto que depende completamente da memória, sente-se muito inseguro quando reconhece que está a faltar-lhe a memória. Julga que já não é capaz de reproduzir fielmente. É necessário citar versos e sugerir temas, com certa persistência, até que comece a lembrar e finalmente a contar algum romance. O analfabeto preferia relegar-me a uma pessoa que soubesse ler e que tivesse "maiores conhecimentos". Em muitos casos, o povo, ao saber que me interessava por histórias, me dirigiu às pessoas educadas na freguesia, de três a quatro anos de escola, para contar-me a história de Portugal que se lê nos livros. Ficavam confundidos quando eu explicava que quanto mais analfabeto, tanto mais me interessava. No geral, constatei que os que aprenderam a ler e escrever não tinham decorado muitos romances, mas sim as histórias publicadas nos folhetins populares. São os analfabetos que têm desenvolvido este tipo de memória decorando pelo ouvido e não pela escrita.

Depois duma pessoa contar um romance, era frequente dizer que já não se lembrava de mais nada. Mas com certa persistência, se pode descobrir outro romance e partir assim para a descoberta de muitos outros. O informante julga que actualmente não se lembra de mais nada. Era raro achar quem espontaneamente sugerisse romances sem por algum texto exercitar-se a memória.

Tive pouca dificuldade em vencer a desconfiança de parte do povo por eu ser estrangeira e andar com gravador que a maior parte das pessoas nunca tinha visto. O gravador nos lugares mais isolados causou muita admiração. Encontrei mais desconfiança ao princípio, em certos lugares mais isolados nas ilhas das Flores e Santa Maria. O máximo de tempo que levei para ganhar a confiança nestes lugares foi cerca de duas horas. Depois, o povo quase sempre manifestava muito boa vontade em contribuir para esta colecção. O único problema, além da desconfiança, era o desprezo que o povo tinha pela sua própria tradição oral no romanceiro. Julgava que as cantigas e bailes tinham maior importância por causa do reconhecimento turístico, através de grupos folclóricos ou discos já feitos por outros investigadores sobre cantigas regionais. A música nas cantigas e bailes tem maior graça ou "piada" segundo o critério do povo. Mesmo as pessoas que cantam os romances dizem que são feias e a música não tem graça é monótono e por isso não encanta. No romanceiro, a música é secundária ao narrativo. Mas agora com o turismo, rádios, discos, e "grupos folclóricos", estes estão a influir no critério do povo que até julga o romanceiro pela toada em que está cantada e não pelo narrativo a que o som conduz. O povo está deixando de cantar o romance. Disseram-me muitas vezes que estes romances eram cantados, mas agora havia pouca vontade de os cantar, pelo que apenas recitavam os versos. Em determinados lugares onde há mais abertura e convivência mesmo no isolamento, após meia hora de contacto com o povo na localidade, vizinhos curiosos de todas as partes apareciam. Isto ajudou o meu inquérito na medida em que todos compreenderam o que me interessava e eles próprios procuravam ajudar-me revelando as pessoas mais indicadas na freguesia.

O romanceiro é denominado pelo povo por vários nomes conforme a localidade: "trovas", "décimas", "casos", "tragédias" e "aravias". Mas esta classificação pelo povo também inclui a "literatura de cordel" e versos de acontecimentos locais. Como manifestação de desprezo total, muitos folhetos destes últimos géneros e colecções particulares que incluíam os romances foram queimados numa "limpeza" de casa, em vários lugares, poucos meses ou semanas antes de eu lá chegar. Este desprezo da parte do povo deve ter começado há alguns anos, apesar dos vários intentos neste século no Distrito da Horta em recolher as tradições orais levados a efeito pelos excelentes trabalhos de Júlio Andrade, Pe. Júlio da Rosa, Pedro da Silveira, Pe. J. Luís de Fraga e o louvável esforço do sr. Jacob Tomás que através da sua vida contribui para a recolha estupenda do Dr. Armando Côrtes-Rodrigues. Mas os romances raramente apareceram nas colecções destes escritores tão observadores das tradições orais. Um livro valioso e inédito neste distrito dedicado particularmente à recolha dos romances, Rimances por Lino Santos (sem data e sem lugar) de Santa Cruz, Flores, nunca chegou a ser publicado. Este caderno foi descoberto no verão de 1969 entre outras obras de Lino Santos pelo espírito sagaz de Leonel Caldeira Nóia, seminarista em Angra, natural de Ponta Delgada das Flores que teve a gentileza de entregar-me o caderno para sua publicação eventual. No Distrito de Angra, Elsa Brunilde Lemos de Mendonça incluiu optimamente uns romances que encontrou na Ilha de São Jorge, na sua dissertação de licenciatura "Ilha de S. Jorge - Subsídio para o Estudo da Etnografia, Linguagem e Folclore Regionais", publicada no Boletim Histórico da Ilha Terceira, vols. 19/20, (1961-1962). Mons. Inocêncio Enes nos Altares, Terceira, transcreveu ciosamente uns romances no seu artigo: "Tradições populares da Freguesia dos Altares da Ilha Terceira" (sep. do Boletim Histórico da Ilha Terceira (Angra, 1945). Quando fui para o local designado pelo nome de Altares, Mons. Enes generosamente fez com que eu contactasse com a pessoa que oferecera a maior parte do conteúdo do seu artigo, há uns vinte e cinco anos. Tive uma entrevista com ela, procurando ver se ela se lembrava de outros temas de que se tivesse esquecido na altura em que Mons. Enes fizera a sua recolha. Lembrou-se de alguns mais. Perguntei porque não tinha oferecido estes temas há vinte e cinco anos. Respondeu que não se lembrava bem deles mas tinha a certeza de que os poderia lembrar melhor naquele tempo do que então. Nisso temos mais um exemplo de como o romanceiro sofreu desprezo, em razão do esquecimento parcial em tempos anteriores pouco remotos e foi preterido pelo povo a não ser nos temas em que o povo se sentiu mais conhecedor (v. g. os temas mais conhecidos e populares por re-popularização por meio de jogos, bailes ou danças e livros de leitura). No Distrito de Ponta Delgada, o Dr. Armando Côrtes-Rodrigues com grande gentileza deu-me a oportunidade de ver a sua magnífica compilação de cantigas líricas, rimas, adágios, ditados, e versos de várias qualidades com versões antigas e muito completas que já foram esquecidas pelo povo. Mais uma vez, os romances tradicionais raramente aparecem. É raro o povo invocar espontaneamente os romances. Segundo um discurso por Dr. F. Carreiro da Costa que foi publicado sobre "Armando Côrtes-Rodrigues - Etnógrafo e Folclorista" (vid. Insulana, 1960, vol. 16.°, p. 338 e seg.) alude ao seu "cancioneiro popular":

"O Cancioneiro Popular Açoriano em questão está previsto para aparecer em dois volumes, sendo um constituído apenas por quadras e outro chamado Romanceiro, por Rimas Várias e Devocionário. O 1.º volume, em 1 de Outubro de 1959 continha já 12:216 quadras, agrupadas em 24 temas diferentes: Deus, Amor, Sentimentos vários, Saudade, Família, Vida Humana, Corpo Humano, Vestuário, Antroponímicas, Mar e Terra, Toponímicas corográficas, Meteorológicas, Fauna, Flora, Firmamento, Cartas, Tempo, Humorísticas e Satíricas, Sentenciosas, Balhos, Ciclo do Natal, Espírito Santo, Várias.

O segundo volume compreenderá, como dissemos, três partes: O Romanceiro, Rimas Várias e Devocionário. O Romanceiro conterá 22 romances novelescos, 5 marítimos, 3 mouriscos e 12 vários, num total de 42 com temas diferentes, mas acompanhados no seu conjunto de 146 variantes. O Devocionário comportará 241 composições agrupadas em 18 temas. Por sua vez, o Adagiário Popular Açoriano apresentava já em Outubro último (de 1959) 3.824 adágios".

Em face deste desprezo nos últimos anos, temos no princípio deste século indícios de esforço para manter o romanceiro vivo pelos meios de re-popularização. Um dos meios é por discos como "O Fado de Dona Inez" e "O canto do prisioneiro" que introduz um tema estranho à tradição portuguesa. "A Bela Infanta", "Nau Catrineta" e Jesús Peregrino foram re-popularizados nos livros de leitura do ensino primário. Também o povo do Faial e talvez no Pico apanhou cópias duma colecção de romances numa edição popular que, com efeito, é uma re-publicação dos textos, até na mesma sequência, nos Cantos populares do Archipélago Açoriano de Teóphilo Braga. A edição popular é intitulada:

Cantos populares açorianos Cancioneiro e romanceiro
Edição popular, Horta, 1902
Typografia Editora Minerva Insulana

Dá crédito ao Dr. João Teixeira Soares de Sousa que fez a recolha em São Jorge para a obra que foi estudada, comentada e publicada em nome de Teóphilo Braga na introdução seguinte:

"Exgotadas as poucas edições que têm tido os cantos populares d'este archipelago, entendeu o editor prestar um apreciável serviço à alma popular publicando em edição barata, ao alcance de todos, os Cantos Populares Açorianos, recolhidos e concertados pelo distinto homem de letras, o ilustre jorgense Dr. João Teixeira Soares de Sousa, de saudosa memoria.

Como são raríssimas as obras d'este género, e têm reconhecida utilidade pratica recreando o espírito e avigorando no sentimento popular a tradição dos seus cantos, é de crer que esta publicação tenha do público um benévolo acolhimento".

Como não há menção nenhuma de Teophilo Braga, parece que há intento de realçar o valor do trabalho de Dr. João Teixeira Soares de Sousa.

Este livro, no Faial, teve uma grande influência na re-popularização do romanceiro. O povo nesta altura ainda apreciava apaixonadamente estes textos do romanceiro nos serões. Era frequente no campo, no Faial, a gente elucidar-me dum parente antigo que lia os romances dum livro, e os que podiam, decoravam estes romances de ouvido. Assim foi impelido o editor a publicar a edição barata para recrear o espírito e avigorar "no sentimento popular da tradição dos seus cantos...". O povo falava deste livro, mas nunca o tinha em casa. Já foi completamente consumido pelo povo e por fim como estavam todos os exemplares já bastante estragados, e como em altura mais recente já não tinham importância, foram dados para divertimento aos netos que infelizmente os fizeram desaparecer por completo. Recuperei umas folhinhas encontradas em gavetas em casa de alguns populares o que prova que existiam nas mãos do povo. O único exemplar completo que achei, foi conservado na Horta e estava encadernado e agora está arquivado na Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, graças à atenção imediata do excelentíssimo Director, Dr. Manuel Coelho Baptista de Lima. Apesar da intenção explícita do editor "prestar um apreciável serviço à alma popular publicando em edição barata, ao alcance de todos, os Cantos Populares Açorianos..." parece que este livro não chegou a ser divulgado fora das ilhas do Pico e Faial. Talvez a paixão por este livro nestas duas ilhas, e como era barato e, portanto, acessível ao povo, fosse bastante para esgotar todos os exemplares do mesmo. Nem parece que tenha chegado às mãos do povo jorgense.

Na Graciosa, o Cancioneiro de músicas populares contendo letra e música..., vol. II, de C. das Neves e G. de Campos (Porto, 1895) influenciou a tradição em certos temas que foram tocados ao piano e cantados pelo povo na Praia de São Mateus. É possível que este livro também tivesse influência na tradição nas ilhas do Faial e Pico. Seria de grande interesse fazer uma comparação dos textos que apareceram nos Cantos populares do Archipélago açoriano de Teóphilo Braga há um século (1869) em São Jorge com as versões de agora sobre os mesmos temas nesta ilha, para ver a sua evolução, transmitidos pela tradição oral dentro do espaço dum século.

Seria interessante também fazer um esquema da distribuição dos mesmos temas de ilha para ilha, tomar nota onde foram conservadas as versões mais arcaicas, e comparar este esquema com a tradição e divulgação dos temas no Continente. Apesar da influência de vários meios de re-popularização e apesar do grande desprezo que o romanceiro tem sofrido pelo menos nos últimos vinte anos; foram conservadas nas ilhas dos Açores versões muito arcaicas e de tremenda importância dos temas pan-hispánicos e pan-europeus.

Joanne B. Purcell

Versão integral

PURCELL, Joanne B. "A riqueza do romanceiro e outras tradições orais nas ilhas dos Açores". Atlântida, vol. XIV, (1970), p. 223-252.