Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

ingleses nos Açores (até ao século XVIII)

O conhecimento inglês dos arquipélagos ibéricos do Atlântico e, em particular, dos Açores parece ser já uma certeza em meados do século XV, mas foi somente durante a segunda metade de Quatrocentos que as viagens de mercadores de Londres e de Bristol às ilhas açorianas se tornaram mais rotineiras. Deste modo, é possível documentar a presença inglesa nos Açores em finais do século XV: em Março de 1480, mercadores de Londres que comerciavam na Terceira eram vítimas do corso andaluz, obra de gentes de Huelva e de Palos (Aznar Vallejo e Borrero Fernandez, 1987: 649). No final do século, existia uma pequena comunidade açoriana em Bristol e, por volta de 1500, expedições conjuntas de açorianos e naturais daquele porto inglês partiam para explorar o Atlântico desconhecido. Sirva como exemplo desta parceria a carta de Henrique VII de Inglaterra, datada de 19 de Março de 1501, concedida a três mercadores de Bristol e seus associados, três escudeiros naturais dos Açores, que os autorizava a descobrir, explorar e povoar ilhas, terras e regiões ainda desconhecidas (Arquivo dos Açores, 1981, IV: 450-463). Desconhecemos se tal empreendimento se concretizou, mas o que interessa aqui destacar é a participação inglesa no comércio açoriano desde o arranque definitivo do povoamento das ilhas, no último quartel de Quatrocentos, e na exploração do Atlântico ocidental em estreita associação com as gentes dos Açores. Ao longo do século XVI, as relações comerciais tecidas entre a Inglaterra e os Açores foram sobretudo uma actividade conduzida por armadores e mercadores do Oeste da Inglaterra e de Londres, que buscavam em S. Miguel e na Terceira o precioso pastel, trocado por lanifícios e outras manufacturas do Norte da Europa. Segundo Pompeo Arditi (1948: 176), em 1567, a ilha de S. Miguel produzia pastel «para tingir pano em tamanha porção que os Ingleses a ela vêm todos os anos comprá-lo e carregam dez a doze navios grandes». É de salientar que algumas famílias de mercadores ingleses se especializaram no circuito açoriano, como foi o caso dos Chesters de Bristol e dos Castlins de Londres, indício claro de que as relações comerciais com as ilhas eram lucrativas. A União Ibérica perturbou o regular comércio entre os Açores e a Inglaterra, mas a presença inglesa não deixou de se sentir no arquipélago, embora de outro modo. Com efeito, estando Portugal integrado na Monarquia Católica e detendo os Açores uma centralidade geoestratégica evidente ? tão evidente que, em 1581, um relatório confidencial informava a rainha Isabel I que o rei de Portugal era incapaz de governar o seu reino sem a Terceira (Scammell, 1987: 329) ?, os ingleses procuraram anexar o arquipélago. Além dos ataques a S. Miguel, em 1585, e às Flores, em 1587, com saque de diversas povoações, no ano de 1589, Francis Drake recebeu como missão assenhorear-se de Lisboa e dos Açores e o conde de Cumberland comandou uma expedição de quatro navios ao arquipélago, atacando S. Miguel e o Faial e fazendo aguada nas Flores; em 1597, uma vez mais, o conde de Cumberland foi escolhido, sendo então incumbido de ocupar a Terceira; e, em 1602, Robert Mansell recuperou o plano de ocupação dos Açores como base naval inglesa (Scammell, 1987: 340-341). Na impossibilidade de concretizarem estes projectos, os ingleses não deixaram de atacar e de saquear quer os navios e as frotas ibéricas que sulcavam águas açorianas, quer as próprias ilhas. Mas, apesar das hostilidades, o comércio manteve-se activo, embora mais condicionado e, neste contexto, a presença de mercadores e feitores ingleses nos Açores está bem documentada. Em 1590, um tal Bartholomew Cole esteve em S. Miguel e, durante a última década do século XVI, John Rankin operou no triângulo Canárias-Madeira-Açores, sendo assinalada a sua acção em S. Miguel desde 1586, fazendo-se passar por católico. De tal modo a presença inglesa se fazia sentir que Filipe II, em 1596, ordenou a expulsão dos ingleses da Terceira, medida que se revelou ineficaz. A partir de 1600, os ingleses optaram por abandonar progressivamente as acções navais, favorecendo o comércio. Na sequência dessa decisão, a acção dos súbditos ingleses nos Açores ficou mais facilitada e, nas primeiras décadas do século XVII, as fontes locais permitem identificar o nome de diversos mercadores ingleses (Richard Nicolas, Elias Potter, Duarte Howe, Duarte Neumão, entre outros) nas praças de Ponta Delgada e de Angra, alguns dos quais casados com mulheres das ilhas (Gil, 1979: 212, 220-225), confirmando-se assim o interesse das casas e dos agentes mercantis de Bristol e de Londres no comércio açoriano, sobretudo o do pastel, e, mais além, nos tratos do império português. Não é assim de estranhar que, no ano de 1620, em S. Miguel, de um total de 35 navios registados, 28 fossem de origem inglesa. Durante a primeira metade de Seiscentos, foram os ingleses que dominaram o comércio do pastel e, depois da crise comercial da tintureira, acompanharam a recentragem no cereal e integraram-se cada vez mais nas sociedades locais, beneficiando da política implementada pela dinastia de Bragança após o golpe de Estado de 1 de Dezembro de 1640. Com efeito, logo em 1641, D. João IV escreveu ao conde de Vila Franca, capitão de S. Miguel, recomendando-lhe que tratasse de fazer observar na ilha os privilégios dos ingleses nela moradores. Os tratados celebrados entre Portugal e a Inglaterra durante o período da Guerra da Restauração (1642, 1654, 1661) recuperaram a aliança luso-inglesa e, ao mesmo tempo, concederam aos mercadores ingleses que negociassem nos territórios portugueses importantes privilégios, dos quais destacamos a liberdade de comércio e a de culto, já incluídas no tratado de 29 de Janeiro de 1642 mas consagradas essencialmente pelo de 10 de Julho de 1654. De um modo geral, as cláusulas destes tratados favoreceram a participação inglesa no comércio de produtos portugueses. Depois da conquista da Jamaica (1655), o Navigation Act de 1663, ao interditar a entrada nas colónias americanas de mercadorias que não fossem inglesas, excepção feita aos vinhos da Madeira e dos Açores ? que, além disso, ficavam isentos do pagamento de certos direitos ?, veio potenciar o comércio entre estes dois arquipélagos e as possessões britânicas na América, atraindo ao mesmo tempo mais mercadores ingleses para as ilhas. O número crescente de súbditos ingleses a residir nos Açores trouxe consigo a necessidade de se nomear um cônsul dessa nação nas principais ilhas. Alguns destes oficiais eram mercadores que tinham já adquirido vínculos familiares com famílias locais, como foi o caso de Geoffrey Cobbs, em Ponta Delgada. Os últimos decénios de Seiscentos no arquipélago, segundo Maria Olímpia da Rocha Gil (1979: 241, 419-429; 1983: 137-204), foram atravessados por uma recessão, que reflectia quer os efeitos da conjuntura internacional, quer os da crise do Atlântico português. O arquipélago dos Açores, bem integrado na rede comercial atlântica, não podia deixar de sentir as «ondas de choque» conjunturais, embora não estejam estudados os seus impactos ao nível de cada ilha. Todavia, apesar dos sinais de depressão, o último quartel do século XVII e o primeiro do XVIII parecem ser marcados pela crescente participação inglesa no comércio islenho, tanto ao nível do arquipélago, como nas suas relações com o exterior, pois os navios ingleses eram também utilizados no comércio português, funcionando como importantes veículos de ligação entre as diferentes ilhas açorianas e entre estas e os portos continentais, a Madeira e a praça de Mazagão, situação que o tratado de Methuen terá potenciado. Actuando individualmente ou organizando-se em empresas de base familiar, os mercadores ingleses, para melhor controlarem os mercados e maximizarem os seus lucros, instalaram-se gradualmente nas principais ilhas (S. Miguel, Terceira, Faial), por vezes com membros da família distribuídos por mais de uma ilha. Praticavam de início uma «endogamia nacional» como mecanismo de coesão, mas procuraram igualmente a sua integração nas elites locais, por via matrimonial e pela participação no governo concelhio. Esta estratégia, além de representar um mecanismo de ascensão social, tinha vantagens no plano mercantil, uma vez que os membros das oligarquias municipais, que concediam as licenças comerciais de exportação, eram também rivais dos mercadores. Dos grupos familiares que se fixaram nos Açores durante a segunda metade de Seiscentos, três se destacaram, vindo a conquistar uma posição social e política de relevo nas ilhas de S. Miguel e Terceira: os Stone, os Chamberlain e os Fisher (Leite, [1975]; Rodrigues, 1994, 1996). Dois exemplos bastam para ilustrar um percurso de integração e promoção social: a 20 de Março de 1713, João Borges de Melo Chamberlain ? ou Chamberlain de Melo, como também surge referido na documentação local ?, filho do capitão Jacinto Borges de Melo e de Margarida Chamberlain e neto de João Chamberlain, que surgiu em Ponta Delgada por volta de 1660, recebeu o foro de cavaleiro fidalgo; anos mais tarde, a 20 de Junho de 1749, os oficiais da câmara da Lagoa nomeavam o sargento-mor Guilherme Fisher Borges Rebelo para capitão-mor da vila, «nam Só por estar a Caber ao dito Posto, e ter todos por perdicados pera bem o exerCer; mas ainda por Ser dos mais abastados tanto de bens nesta villa Como fora della» (Rodrigues, 1996: 52, 54). Ao longo do século XVIII, o desenvolvimento da «economia da laranja» em S. Miguel, cujo principal mercado estava nas Ilhas Britânicas, e a afirmação do porto da Horta como pólo dinâmico do comércio açoriano com as Américas, mormente a América do Norte, contribuíram para reforçar as ligações dos Açores com o mundo britânico, chamando às ilhas novos mercadores e obrigando à nomeação de cônsules e vice-cônsules que defendessem os interesses dos súbditos da monarquia britânica em terras açorianas. Nesta centúria, merece ser lembrado o nome de Thomas Hickling, que começou por ser súbdito britânico antes da Revolução Americana, tornando-se depois cidadão da nova república e cônsul norte-americano. Mas, de igual modo, não devemos esquecer a escala de James Cook na ilha do Faial. A Resolution, o navio do célebre explorador, chegou à vista das ilhas do Faial e do Pico a treze de Julho de 1775 e, no dia seguinte, de manhã, fundeou na baía da Horta. A ilha foi visitada por elementos da tripulação e foi descrita, bem como as restantes do arquipélago, na versão oficial da viagem de 1772-1775, a partir da observação directa e de elementos fornecidos pela comunidade inglesa residente no Faial, em particular pelo cônsul substituto, Thomas Dent (Rodrigues, 2004). Notemos, no entanto, que, apesar da dinâmica comercial que unia o Faial a parcelas do império britânico, este aspecto foi omitido na relação da viagem de James Cook, privando-nos de dados que permitiriam perceber melhor o modo como os ingleses desenvolviam as suas redes pessoais e mercantis a partir da Horta. É uma das áreas de penumbra que exige ainda uma investigação cuidada, pois, para o século seguinte, estamos melhor informados: a saga dos Dabney no Faial teve início com a instalação de John Bass Dabney nessa ilha em começos de Oitocentos. A concluir, como testemunho vivido dos elos comerciais que, desde há muito, ligavam a Inglaterra aos Açores, recordemos as palavras dos irmãos Joseph e Henry Bullar, que, em Dezembro de 1838, ao avistarem S. Miguel, escreveram: «A expressão ? S. Miguel ? encontra-se nas nossas mentes tão fortemente associada com a ideia de laranjas sumarentas e doces, que nos sentimos inclinados a formar da ilha um conceito mais relacionado com o paladar do que com as belezas rústicas, tal como os cães de bom génio e o bacalhau salgado estão associados à Terra Nova, os arenques de fumo a Yarmouth, a carne de carneiro a South Downs, o vinho e a tuberculose à Madeira.» (Bullar, 1986 [1949]: 10). José Damião Rodrigues

Séculos XIX ?XX [a incluir brevemente]

Bibl. [Arditi, P.] (1948), Viagem de Pompeo Arditi de Pesaro à Ilha da Madeira e aos Açores (1567). Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, VI: 173-183. Arquivo dos Açores (1981). Ponta Delgada, Universidade dos Açores, IV. Aznar Vallejo, E.; e Borrero Fernandez, M. (1987), Las relaciones comerciales entre la Andalucia Bética y los Archipielagos portugueses. Actas das II Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval. Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de História da Universidade do Porto, II: 645-661. Bullar, J.; e Bullar, H. (1986 [1949]), Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas. 2ª ed., tradução de João Hickling Anglin, prefácio de Armando Côrtes-Rodrigues, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Duncan, T. B. (1972), Atlantic Islands. Madeira, the Azores and the Cape Verdes in Seventeenth-Century. Commerce and Navigation. Chicago, The University of Chicago Press. Gil, M. O. R. (1970), O porto de Ponta Delgada e o comércio açoriano no século XVII (elementos para o estudo do seu movimento). Do Tempo e da História, III: 51-130. Id. (1979), O Arquipélago dos Açores no Século XVII. Aspectos sócio-económicos (1575-1675). Castelo Branco, edição da autora. Id. (1983), Os Açores e o comércio Atlântico nos finais do Século XVII (1680-1700). Arquipélago (Ciências Humanas), Número Especial: 137-204. Leite, J. G. R. ([1975]), Os Fisher. Esboço histórico de uma família açoriana. Separata de Atlântida, ?Colecção «Insvla», n.º 11?. Rodrigues, J. D. (1994), Poder Municipal e Oligarquias Urbanas: Ponta Delgada no Século XVII. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Id. (1996), De mercadores a terratenentes: percursos ingleses nos Açores (séculos XVII-XVIII). Ler História, n.º 31: Açores: peças para um mosaico: 41-68. Id. (2004), Entre Ficção e Realidade: O Faial e as Ilhas do Grupo Central no Relato da Segunda Viagem de James Cook. O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX [Actas do Colóquio realizado na Horta e em Santa Cruz das Flores de 13 a 17 de Maio de 2002]. Horta, Núcleo Cultural da Horta: 85-101. Scammell, G. V. (1987), The English in the Atlantic Islands c. 1450-1650. Vice-Almirante A. Teixeira da Mota: In Memoriam. Lisboa, Academia de Marinha-Instituto de Investigação Científica Tropical: 329-352. Sousa, N. (1988), Sinais de Presença Britânica na Vida Açoreana (séculos XVI-XIX). Arquipélago, Número Especial: Relações Açores ? Grã-Bretanha: 25-100.