Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Ribeiro, Ernesto Rudolfo Hintze

[N. Ponta Delgada, 7.11.1849 ? m. Lisboa, 1.8.1907] Foi uma das mais eminentes personalidades da segunda metade do século XIX e a sua biografia é suficientemente conhecida ainda que não tenha, por enquanto, encontrado um biógrafo à sua dimensão. As biografias existentes são pequenos ensaios factuais e ou sentimentais, que não enquadram o homem nas circunstâncias.

Pertencia a uma modesta família de comerciantes de Ponta Delgada. Seu pai, era um continental fixado na cidade e sua mãe, micaelense, de uma família de negociantes estrangeiros e abastados. Estudou no liceu de Ponta Delgada, mas completou os estudos secundários em Coimbra onde se matriculou depois na Universidade e foi aluno brilhante. Licenciou-se em Direito e doutorou-se em 1872. Regressou a Ponta Delgada onde abriu banca de advogado, mas pouco tempo aí permaneceu, tendo casado (1873) com D. Joana Rebelo de Chaves. Fixou então residência na capital (1877).

Ingressou no Partido Regenerador chefiado por Fontes Pereira de Melo e que estava no auge da sua pujança. Começou por concorrer a um lugar na Câmara dos Deputados por dois círculos eleitorais, o de Figueiró dos Vinhos, no continente e pelo da Ribeira Grande, na ilha de S. Miguel, para a legislatura de 1878.

A eleição ia sendo um desastre completo, pois foi derrotado no primeiro e no segundo só conseguindo ser eleito num escrutínio de desempate com o seu rival progressista, Frederico da Silveira *Estrela. A eleição foi anormalmente disputada e suspeita de fraudes, mas na verdade mudou para o futuro o sentido do voto na Ribeira Grande. Entrado no parlamento, Hintze Ribeiro distinguiu-se e iniciou uma brilhante carreira na política nacional. Foi sucessivamente eleito para as legislaturas de 1879, 1881, 1882, sempre pelo círculo da Ribeira Grande e em 1884, pelo Porto, com grande mágoa e escândalo em S. Miguel. Por carta régia de 1 de Janeiro de 1886 ascendeu a Par do Reino e passou a desenvolver actividade parlamentar na câmara alta, até à morte.

Foi um tribuno muito activo, com grande influência, mas na verdade sem chama de orador. Os seus discursos, principalmente os da Câmara dos Pares tornaram-no paradigma da oratória parlamentar do fim do século e de entre eles ficaram célebres aquele que justificou a acção no último governo, em 1906 e um outro de crítica ao primeiro-ministro João Franco, uma espécie de ajuste de contas com o seu antigo correligionário.

O parlamento prestou-lhe homenagem em 1951 com a colocação de um busto na galeria dos parlamentares mais ilustres.

Hintze Ribeiro foi desde cedo ministro, em 1881, ministro das Obras Públicas e interino dos Negócios Estrangeiros, por interferência do próprio rei D. Luís, quando ninguém queria aceitar esta pasta onde os problemas africanos com a Inglaterra se avolumavam. Entre 1881 e 1886, em dois governos de Fontes Pereira de Melo, foi titular das Obras Públicas no primeiro e da Fazenda no segundo. Quatro anos depois, em 1890, foi ministro dos Negócios Estrangeiros no gabinete de António Serpa Pimentel, tendo então negociado o célebre tratado com a Inglaterra, que evitava a guerra, mas levou à queda do governo. Com a morte de Fontes Pereira de Melo (1889) o Partido Regenerador entrou em grande convulsão e crise de chefia. Hintze Ribeiro apareceu como o líder, primeiro na sombra durante a chefia de Serpa Pimentel e depois como chefe escolhido a partir de Março de 1900. Mostrou-se um líder aguerrido mas não conseguiu evitar as dissidências partidárias e a saída de Jacinto *Cândido da Silva e de João *Franco, que formaram outros partidos, quebraram o rotativismo e o último acabou na prática com a vida política de Hintze, em 1906.

Nos anos que chefiou o Partido Regenerador formou quatro governos que dirigiu como presidente do Conselho de Ministros (22 de Fevereiro de 1893 a 7 de Fevereiro de 1897; 25 de Junho de 1900 a 28 de Fevereiro de 1903; 28 de Fevereiro de 1903 a 20 de Outubro de 1904 e 20 de Março a 19 de Maio de 1906) acumulando a pasta da Fazenda no primeiros; dos Negócios Estrangeiros, em 1893 e do Reino em 1900-1904 e no último dos seus governos.

Teve um triste fim de carreira, quando D. Carlos lhe negou apoio político em 1906 e chamou para governar o país o seu rival João Franco.

A obra de Hintze é de difícil avaliação e muito controversa. Deixou de si a imagem de um homem íntegro, mas sem chama, frio, reservado e de uma teimosia tremenda. Foi substituído na chefia partidária pelo seu grande amigo desde os tempos de Coimbra, Júlio de Vilhena, que deixou testemunhos fundamentais sobre a sua personalidade nas memórias que escreveu.

A ligação de Hintze Ribeiro aos Açores, principalmente a S. Miguel, é complexa. Deu-se, para além da sua condição de deputado regional, num período de grande agitação, contestação e reivindicações devidas ao abandono das ilhas pela «Pátria Madrasta». Hintze Ribeiro tentou com habilidade contornar as dificuldades e evitar os confrontos. Promoveu sem dúvida, durante os seus governos, a satisfação de algumas das reivindicações de investimentos estruturantes, como o cabo submarino, o telégrafo, o serviço meteorológico, a ampliação da doca de Ponta Delgada ou a conservação do Tribunal da Relação, mas foi em duas questões mais prementes que tomou medidas de apaziguamento. A primeira, a sua intervenção na questão da produção de álcool sob regime de protecção e que os vinhateiros nacionais contestavam por poderem adquiri-lo com maiores vantagens no estrangeiro. Conseguiu, sem dúvida, segurar a produção insular, sempre muito pressionado politicamente pelas chefias partidárias locais e conseguiu convencer os produtores, por fim, a substituir a produção de álcool a partir de batata doce por açúcar de beterraba, com incentivos governamentais e proteccionismo.

Em termos políticos demonstrou grande habilidade, explorando as costumadas divisões internas das ilhas e agudizando as partidárias em S. Miguel, para negociar um regime de excepção ao Código Administrativo para os distritos açorianos que o pedissem, que ficou conhecido pela *Autonomia das Juntas Gerais Distritais. Era a resposta às reivindicações do primeiro movimento autonomista e o que se consubstanciou no decreto de 2 de Março de 1895 negociado pelo governo de Hintze, com João Franco na pasta do Reino e os chefes autonomistas de S. Miguel. O decreto conhecido por *decreto autonómico, era uma autonomia diminuta, mas a possível, na opinião dos líderes e teve longa vida, sendo modificada noutro governo de Hintze e estendida ao Funchal (1901).

Chefiou o Partido Regenerador micaelense directamente entre 1900 e 1907.

Durante um dos seus governos, os reis (D. Carlos e D. Amélia) visitaram os Açores (1902) em grande triunfo e em sintonia com a política externa do governo na negociação com Inglaterra, sobre as questões africanas.

Era sócio da Academia das Ciências de Lisboa e recebeu como condecorações a grã-cruz da Ordem de Torre e Espada, a mais alta das condecorações portuguesas, e a grã-cruz da Ordem dos Serafins da Suécia e a Legião de Honra de França. Em 1903, na visita de Afonso XIII a Portugal, foi agraciado com o Tosão de Ouro, que lhe dava honras de príncipe.

A bibliografia de Hintze Ribeiro divide-se por alguns trabalhos da especialidade de Direito, mas sobretudo pela publicação em folhetos de discursos parlamentares e pode ser consultada na entrada a ele referente no Dicionário Biográfico Parlamentar. O seu arquivo pessoal, de grande importância para a história política portuguesa do final da monarquia, foi depositado pela sua família no Arquivo da Biblioteca Pública de Ponta Delgada. J. G. Reis Leite

Fonte. No primeiro centenário do nascimento de Hintze Ribeiro (relação sumária do seu arquivo) (1994). Ponta Delgada, Tip. do Correio dos Açores.

 

Bibl. Carreiro, J. B. (1949), Hintze Ribeiro. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. [Separata dos números 3 e 4 de Insulana]. Corrêa, M. M. (1964), Hintzes, algumas notas genealógicas sobre um ramo desta família passada a Portugal no século XVIII. Lisboa, edição do autor. Leite, J. G. R. (1995), Política e Administração nos Açores de 1890 a 1910. O primeiro movimento autonomista. Ponta Delgada, Jornal de Cultura. Mónica, M. F. (coord.) (2006), Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910). Lisboa, Assembleia da República, III: 448-452. Rodrigues, V. L. G. (1985), A geografia eleitoral dos Açores de 1852 a 1884. Ponta Delgada, Universidade dos Açores: 95 e segs..