Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

revolta dos deportados

Após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, as ilhas atlânticas foram um local privilegiado pelo governo para lá colocar os opositores ao novo regime. Deste modo, ao longo dos anos, foram disseminados pelos arquipélagos centenas de militares e civis, das mais variadas tendências político-partidárias. O sector militar tinha maior preponderância numérica, mas não era capaz de encontrar plataformas de entendimento.

Foi preciso estalar na ilha da Madeira uma crise económica para que os *deportados se juntassem em torno do mesmo objectivo. Essa crise, que vinha dando os primeiros sinais desde os finais dos anos 20, agravou-se com a grande depressão mundial de 1929. A diminuição das exportações, a suspensão de pagamentos por dois dos principais bancos do Funchal e o encerramento de algumas casas comerciais e de pequenas indústrias provocou um grande descontentamento na população. A situação piorou com a publicação de legislação que beneficiava o sector monopolista das farinhas, originando uma greve geral e o alastrar do movimento para as zonas rurais. Foi no meio desta nova conjuntura de descontentamento generalizado que os deportados se concertaram para a preparação do golpe militar. Deste modo, a 4 de Abril de 1931, sem resistência, um grupo de militares tomou conta da ilha e instalou uma Junta Revolucionária, presidida pelo general Sousa Dias.

Foram estes acontecimentos que despoletaram também nos militares deportados nos Açores a vontade de se unirem. A intenção era a de alargar ao máximo o movimento de contestação, para evitar um rápido abafamento, procurando que esse movimento ganhasse adesão no continente. Em S. Miguel e na Terceira, um punhado de militares tomou conta das instalações militares, a 8 de Abril, com a conivência de militares locais. Foram criadas duas juntas revolucionárias, afastadas as autoridades anteriormente nomeadas pela Ditadura Militar, presos ou colocados sob vigilância alguns elementos considerados mais responsáveis.

As duas juntas, separadamente, tomaram algumas medidas de alcance territorial reduzido. A de Angra, confirmou que se mantinha a integridade da propriedade individual e todos os demais direitos dos cidadãos; considerou em pleno vigor em toda a sua primitiva pureza a Lei de Separação da Igreja e do Estado; garantiu a liberdade absoluta do culto dentro dos templos, desde que não se transformasse em oposição ao movimento republicano, e suspendeu a censura à imprensa. A de Ponta Delgada tornou franco o seu porto; amnistiou os acusados por crimes de ofensas corporais e outros de menor qualidade; prorrogou o prazo para o pagamento de contribuições e impostos e tomou medidas contra os boateiros que procuravam desacreditar o movimento. O jornal Correio dos Açores foi ocupado para servir de porta-voz à Junta Revolucionária.

Nas outras ilhas, nada de significativo aconteceu. Algumas aderiram por influência de militares que se deslocaram da Terceira a bordo do rebocador Milhafre, mas o Faial manteve a sua fidelidade ao governo.

Dominada militarmente a situação, o esforço concentrou-se na preparação da defesa, prevendo um ataque das forças da Ditadura. Assim aconteceu, com a chegada de uma força naval ao porto da Horta a 13 de Abril. A partir daí, o coronel Fernando *Borges, natural da Terceira, dirigiu as operações, enviando hidro-aviões a sobrevoarem as ilhas, deixando cair panfletos que aconselhavam as populações a afastarem-se dos revoltosos. Se o apoio da população até então havia sido relativamente escasso, o ambiente de nervosismo foi tomando conta dos habitantes. Após várias negociações, as duas principais ilhas revoltadas acabaram por se entregar: Terceira a 18 de Abril e S. Miguel, no dia 20. Mas de Ponta Delgada, um pequeno grupo ainda conseguiu fugir para a Madeira a bordo do Pêro de Alenquer. Controlada a situação nos Açores, a esquadra naval seguiu em direcção à Madeira. Depois de violentos confrontos, a rendição dos revoltosos ocorreu no dia 2 de Maio.

Como consequências da revolta, registe-se a consolidação do regime, com a neutralização de um vasto sector oposicionista no seio das forças armadas; por outro lado, o regime de deportação foi sendo substituído pelo de prisão, utilizando-se estabelecimentos já existentes ou criando outros, como o *Depósito de Presos, em Angra do Heroísmo, ou o Tarrafal, em Cabo Verde.

A nível regional, verificaram-se algumas alterações na organização militar, como forma de castigar a Terceira e S. Miguel, mas a medida mais violenta foi o saneamento de militares, após um inquérito realizado pelo coronel Pimenta de Castro. Muitos sargentos e tenentes nunca mais foram reintegrados, o que causou graves problemas sociais. No sector civil, alguns funcionários públicos e professores sofreram também suspensões temporárias, tendo algumas delas durado cerca de vinte anos. Carlos Enes

Bibl. Alves, F. (1935), A Mornaça ? A revolta dos Açores e da Madeira em 1931. Lisboa, Parceria António Maria Pereira. Castelhano, M. (1975), Quatro anos de deportação. Lisboa, Seara Nova. Enes, C. (1978), A revolta do 4 de Abril de 1931. A população das ilhas enfrenta a ditadura salazarista, Farol das Ilhas, Lisboa, 5 a 18 de Abril. Reis, C. (1990), A revolta da Madeira e dos Açores ? 1931. Lisboa, Livros Horizonte.