Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Noronha, António José de Sousa Manuel e Meneses Severim de (7.º conde e 1.º marquês de Vila Flor e 1.º duque da Terceira)

[N. Lisboa, 18.3.1792 ? m. ibidem, 26.4.1860] Da mais alta nobreza de Portugal foi uma das mais destacadas figuras do liberalismo, quer na política, quer sobretudo como militar, a sua biografia é sobejamente conhecida e por isso aqui na Enciclopédia Açoriana interessa registar sobretudo a sua acção decisiva nos Açores e o seu contributo para a vitória liberal, aspectos que, aliás, são os mais significativamente tratados pelos seus biógrafos.

A situação criada na Terceira, então ainda conhecida na emigração pela «ratoeira», era deveras preocupante, pela ianbilidade do general Dioclesiano *Cabreira e pela *Junta Governativa por ele dirigida, apesar de esta ter conseguido derrotar os miguelistas em armas, no Pico do Celeiro. Palmela tentou enviar o general Saldanha, que não conseguiu atingir a ilha devido ao apertado bloqueio inglês. Desistindo de Saldanha, Palmela escolheu Vila Flor para apaziguar os exaltados ânimos na Terceira e nomeou-o capitão-general dos Açores, por carta de 5 de Abril de 1829, que alcançou a ilha, iludindo o bloqueio agora essencialmente português e desembarcou na vila da Praia a 22 de Junho de 1829, data simbólica porque passava um ano da revolta de Caçadores 5 que havia restabelecido a Carta Constitucional e dera início à resistência efectiva aos miguelistas. Vila Flor deslocou-se rapidamente para Angra onde tomou posse a 23.

A situação política real do arquipélago traduzia-se na existência de dois capitães-generais, um nomeado pelo governo miguelista, o almirante Henrique de Sousa *Prego, que sedeado em Ponta Delgada exercia o poder em oito das ilhas e outro capitão-general em Angra, o conde de Vila Flor, nomeado pelo governo liberal no exílio, que exercia o poder de facto unicamente na Terceira. O reconhecimento desta situação acabou legalizada com a criação, por carta régia de D. Miguel, de 16 de Setembro de 1829, da capitania-geral dos Açores em S. Miguel, depois da derrota da Praia.

O novo capitão-general, Vila Flor, que vinha acompanhado da mulher D. Maria Ana Luísa Filomena de Mendonça, filha dos primeiros marqueses de Loulé, demonstrou ser um hábil político. Liberal desde 1824 pelo menos (data do assassinato do sogro pela camarilha miguelista na corte de D. João VI) era um cartista convicto, um apoiante pessoal de D. Pedro IV e um moderado. Todos os testemunhos são no sentido de que ele em pouco tempo conseguiu apaziguar a situação política interna na Terceira, a amainar as dissidências partidárias entre os mais destacados emigrados que já estavam em Angra e estabelecer um governo respeitado e forte que permitiu de imediato começar a guarnecer a ilha com novas forças chegadas de Inglaterra, aproveitando a ineficácia do bloqueio. Promoveu a fortificação das costas, nomeou comandantes competentes para o efectivo reparo das fortificações e organizou oito distritos militares em toda a ilha. Organizou ainda o exército e aumentou-o com novos recrutamentos. Teve a premonição de reforçar sobretudo a defesa da bacia da Praia, aliás o lugar mais desguarnecido da ilha e de desembarque mais fácil.

Conseguiu, também, amenizar o clima de terror que a Junta estabelecera, reprimindo os excessos dos comandos militares sobre os povos, acabando com o castigo das varadas e amnistiando os desertores. Os seus detractores acusaram-no, contudo, de ter provocado com isso o recrudescimento das guerrilhas contra os liberais.

A primeira e mais dura prova a estes preparativos foi o ataque à Terceira pela esquadra enviada pelo governo miguelista, que chegou à ilha a 21 de Julho de 1829. Acabou por tentar desembarcar as tropas de infantaria na vila da Praia, a 11 de Agosto daquele ano, conseguindo Vila Flor que o seu exército não só resistisse como se mostrasse preparado para acudir rapidamente a qualquer ponto. A vitória da baía da Praia mudou o rumo dos acontecimentos e foi uma importante vitória política, mais até do que militar. A Terceira passou da «ratoeira» ao «rochedo da Liberdade».

Continuou Vila Flor com o seu governo, vencendo as dificuldades agora acrescidas com a necessidade de integração no exército dos oficiais e praças aprisionados. Paralelamente iam surgindo cada vez mais dificuldades efectivas nas áreas do governo civil e eclesiástico.

O desenrolar das condições políticas levou D. Pedro IV a decidir-se pela nomeação de uma *regência que se devia estabelecer na Terceira, onde chegou a 3 de Março de 1830, acabando assim o governo da capitania-geral do conde de Vila Flor. Este, devido à desistência do marquês de Valença, foi ele próprio nomeado membro da regência continuando, assim, com responsabilidades políticas de governação, e com o alto comando das tropas liberais.

Decidiu a Regência estender o seu poder às demais ilhas dos Açores, preparando-se uma expedição militar para conquistar primeiro as ditas ilhas de baixo. Foi nomeado seu comandante em chefe o próprio Vila Flor, que saiu do porto de Angra com cerca de 600 homens de desembarque numa improvisada esquadra, a 14 de Abril de 1831.

Começou por desembarcar no Pico, sem resistência, a 21 de Abril, reduzindo a ilha à obediência das autoridades liberais. Parecia decidido a seguir para o Faial, onde havia uma significativa força de defesa da ilha (500 homens de linha e 1.000 de milícias). O tempo não permitiu e desistiu desse passo indo primeiro conquistar S. Jorge, onde desembarcou a 9 de Maio, no lugar da Ribeira do Nabo. Encontrou uma resistência pouco vigorosa conquistando a ilha com facilidade, mas não evitando uma série de assassinatos e desmandos provocados pela tropa liberal, que ainda hoje, apesar da retórica oficial, mancham aquela vitória. No dia seguinte, senhor da situação, enviou ao Faial um parlamentário convidando a ilha a aderir à causa da rainha e a evitar o derramamento de sangue. A 6 de Junho parecia que o negócio da capitulação estava conseguido, mas entretanto chegou ao Faial uma corveta e um brigue de guerra do governo miguelista. Desistiu o conde do ataque e regressou à Terceira a 15 de Junho, levando a que os seus inimigos murmurassem que desistia da conquista. Contudo, tomaram as autoridades militares miguelistas a decisão de abandonar a ilha do Faial e concentraram a resistência em S. Miguel. Os liberais, o governador e parte da guarnição fugiram nos barcos de guerra, podendo assim o conde entrar na vila da Horta sem oposição, a 22 de Junho de 1830. A partir daí a Graciosa primeiro, a 10, e de seguida as Flores e o Corvo proclamaram governos liberais e aderiram à Carta Constitucional e à rainha D. Maria II. Acabava a empresa com êxito e pouco esforço militar efectivo. Engrossava-se o exército com 400 prisioneiros de tropa de linha.

Era necessário, agora, conquistar S. Miguel, onde se concentravam as forças miguelistas, 4 regimentos de linha mais as milícias. Vila Flor saiu com a sua tropa, na frota improvisada, a 1 de Agosto. Desembarcou na Achadinha, venceu a resistência na Ladeira da Velha e no dia 3 entrou vitorioso em Ponta Delgada como triunfador. Estabeleceu-se sem dificuldade e espontaneamente o governo liberal na ilha. Acabava assim a conquista dos Açores e dela saíram os liberais politicamente muito reforçados e com um exército melhor municiado e com maiores capacidades financeiras.

A *Regência, da qual Vila Flor fazia parte, continuou o seu governo com as conhecidas dificuldades e limitações que se podem ler na entrada própria.

D. *Pedro IV decidiu-se a vir para a Europa chefiar ele próprio, como regente, a causa da filha. Chegou a França a 10 de Junho de 1831 e desembarcou em Angra, na condição de regente, a 3 de Março de 1832 Acabava o governo da Regência começava o do regente. Vila Flor passava a general organizador do Exército Libertador e por ordem do regente, foi nomeado comandante do Exército de Terra (carta de 7 de Março de 1832) e assim desembarcou no Mindelo.

Acabava a acção de Vila Flor nos Açores, mas continuava a sua vida militar e política com êxitos e derrotas. Recebeu as mais altas condecorações, cargos e títulos honoríficos. Ao morrer era chefe do governo, teve funeral nacional, como parente da Casa Real e foi enterrado no próprio Panteão de S. Vicente de Fora, privativo dos Reis de Portugal.

Foi agraciado com o título de duque da Terceira, com honras de parente, criado por carta de 8 de Novembro de 1832 (D. Pedro, regente). J. G. Reis Leite

Bibl. Drumond, F. F. (1981), Anais da ilha Terceira. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura, IV: 209, 263, 264, 325, 351-358. Macedo, A. L. S. (1981), História das quatro ilhas que formam o distrito da Horta. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, II: 61-95. Maia, F. A. M. F. (1981), Capitães-Generais. 2.ª ed., Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada: 307-350, 351-382, 383-399. Id. (1994), Novas páginas da história micaelense. 2.ª ed., Ponta Delgada, Jornal de Cultura: 184. Mónica, M. F. (org.) (2006), Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910). Lisboa, Assembleia da República, III: 62-65. Nobreza de Portugal (1961). 2.ª ed., Lisboa, Editorial Enciclopédia, III: 429-432. Torres, J. C. F. C. C. B.; Visconde de Sanches de Baena (1883), Memórias histórico-genealógicas dos duques portugueses do século XIX. Lisboa, Academia Real das Ciências.