Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Bullar, Joseph

[N. Southampton, 1808- m. ibid., 1869] Médico na sua terra natal, visitou os Açores acompanhado pelo irmão Henry *Bullar. A estada durou 8 meses, com início a 6 de Dezembro de 1838. Dela resultou a obra A Winter in the Azores and a Summer at the Baths of the Furnas, publicada em Londres em 1841, um relato de viagem que subscreveu com o irmão e cuja autoria levanta uma questão, até hoje não esclarecida. Ainda que publicada como tendo sido escrita por ambos, o autor parece ser, na totalidade ou quase, Joseph, aquele cuja personalidade científica e literária estava à altura da narrativa: ensaísta de assuntos médicos, com conhecimentos nos domínios da geologia e da botânica, crítico de arte e autor de textos filosóficos. Henry colaborou decerto, pelo menos nas ilustrações, já que era também desenhador e pintor.

As questões suscitadas por alguns estudiosos por a narrativa ser feita ora no singular ora no plural afiguram-se irrelevantes para a determinação da autoria, uma vez que o plural é usado para referir acções em que os dois intervieram e não para exprimir ideias ou reflexões pessoais. Também o inesperado uso da 3ª pessoa do singular no início do capítulo XIV é discutível e deve ser entendido como uma intervenção de Henry. Também a convicção (partilhada por Armando Côrtes-Rodrigues) de que Joseph se fez acompanhar do irmão para procurar no clima dos Açores melhoras para a saúde deste está posta de parte. Joseph era simultaneamente o médico e o doente, como não deixa dúvidas a sua biografia escrita por Henry Dayman. A sua saúde não beneficiou nem com o clima nem com os tratamentos nos Açores. Sem esperanças de cura, a carreira interrompida e a proximidade da morte, aos 61 anos, tornaram-no um introvertido, e foram desta última fase da vida os seus escritos filosóficos.

Os meses de Inverno foram passados em S. Miguel, na Primavera visitaram as ilhas dos grupos central e ocidental. Em fins de Maio de 1839 voltaram a S. Miguel, passando o Verão no vale das Furnas. Deixaram os Açores em 25 de Julho, passaram por Lisboa e regressaram a 12 de Agosto a Inglaterra, onde o relato foi publicado dois anos depois, em forma de diário. A escolha dos Açores terá sido influenciada pelo livro do Dr. James Clark e pelos estudos do Prof. Graham, da Universidade de Londres, que fez as análises das águas das Furnas trazidas para Inglaterra por Lord Napier. O próprio Joseph enviou amostras para análise, cujos resultados estão publicados no apêndice do diário.

Bullar tem uma visão das ilhas como médico e como doente, interessado duplamente nas suas características climáticas, mas também a visão de um homem culto e sensível, com conhecimentos nos domínios da geografia e da botânica e uma tendência para a contemplação e reflexão que o aproxima dos autores românticos, especialmente nas suas descrições das paisagens.

A obra é um pormenorizado e variado relato da vida no arquipélago, com incidência na observação do comportamento e das características físicas e morais da população, dos seus costumes sociais, da pobreza das suas vidas, mal alimentados, sem um mínimo de conforto nas suas casas, sem escolas e sem transportes, sobretudo nas ilhas mais pequenas. Regista a produção e o comércio de laranjas como o principal factor económico que permitia às classes mais abastadas a importação de bens, como mobiliário, e obtenção de melhor educação para os filhos, mandando-os estudar no estrangeiro. Relativamente às classes elevadas, faz justiça à qualidade e bom gosto das casas e dos jardins em redor, à decoração dos interiores, à formosura e distinção das mulheres e ao bom nível artístico dos serões em que participou.

Aparte as diferenças religiosas, em relação às quais é muito discreto, é crítico face ao comportamento moral da classe eclesiástica e às suas ligações ao poder político. A observação directa de tudo quanto è descrito na obra, aspectos científicos, sociais ou paisagísticos, é confirmada pelos comentários pessoais. As apreciações críticas são bem humoradas e denotam uma nítida simpatia pela terra e pela sua gente.

É de registar que este relato sobre os Açores reúne um consenso significativo sobre a sua credibilidade e qualidade entre quantos se publicaram na época. Bernardino José de Sena Freitas, Armando Côrtes-Rodrigues, João Emmanuel Cabral Leite, Kathleen J. Mundell Calado e Urbano Bettencourt elogiam-no francamente. Maria dos Remédios Castelo-Branco (Jul.1999)

Obra (1841), A Winter in the Azores and a Summer at the Baths of the Furnas. Londres, John van Voorst, 2 vols. [trad. sob o título de Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas por J. H. Anglin, com prólogo de Armando Côrtes-Rodrigues, publ. em 1949 pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada e reeditada em 1986].

 

Bibl. Athaíde, L. B. L. (1949), Joseph Bullar artista. Insulana, V, 1-2: 33-56. Bettencourt, U. (1993), S. Jorge no roteiro de alguns viajantes. Insulana, XLIX: 391. Calado, K. J. M. (1988), Prescription, description: a doctor-invalid and his brother explore the Azores. Arquipélago, nº especial: 233-246.