Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

açorianismo

Na sequência do movimento desencadeado nos Açores em torno da «fraternidade insular» ou «confraternização açoriana», no início do século xx, as elites do arquipélago procuraram criar o «espírito açoriano», a «alma açoriana», com o objectivo de congregar os cidadãos para a defesa de interesses comuns, nomeadamente a ampliação dos poderes da autonomia administrativa. Neste contexto, estruturou-se o conceito de açorianismo como um ideário de cariz político-ideológico que pugnava pela afirmação da identidade açoriana e pelo reforço da consciência das populações com vista a defender os interesses do arquipélago face ao poder central. Os chamados interesses regionais têm que ser compreendidos nas diferentes conjunturas pois foram utilizados para a luta política entre forças adversas. Por isso, no campo político, o açorianismo nos últimos anos da I República foi um instrumento usado pelos republicanos mais conservadores e pelos monárquicos para combaterem a força do Partido Democrático e até o próprio regime republicano. No campo cultural, o açorianismo foi influenciado pela corrente saudosista liderada por Teixeira de Pascoaes que, desde 1912, procurava ressuscitar a Pátria portuguesa e, também, por algumas ideias do Integralismo Lusitano. Nesta perspectiva, desenvolveu-se a corrente defensora do regresso à tradição, combateu-se a descaracterização da sociedade açoriana e procurou-se «açorianizar» os Açores. A dinâmica deste movimento muito amplo, com contributos diversificados, logicamente influenciou Nemésio que foi feliz na descoberta do vocábulo *açorianidade. Luís da Silva Ribeiro foi um dos autores que mais contribuiu para a definição das linhas gerais do açorianismo nos anos 20 e as suas reflexões foram fundamentais para desenvolver o seu estudo sobre a açorianidade na década seguinte. A noção de açorianidade, apresentada por Luís Ribeiro, era um aprofundamento do conceito de açorianismo, na medida em que apontava as possíveis causas da diferença entre açorianos e continentais e enunciava os factores de identidade que permitiram aos sectores mais empenhados na luta política reforçar e justificar as suas reivindicações face a Lisboa. Todavia, após a implantação do Estado Novo o confronto político entre a região e o poder central foi desaparecendo gradualmente. Neste novo contexto político, esboroou-se a principal componente do açorianismo que lhe tinha dado ânimo no período republicano. Sem acção política reivindicativa, o próprio vocábulo foi caindo em desuso, mas surgiram várias propostas para integrar a essência do açorianismo no novo conceito de açorianidade. Manuel Ferreira (Correio dos Açores, 9.8.1942), por exemplo, defendeu que a açorianidade devia ser uma «palavra-programa, orientando e dirigindo a vida e as actividades do arquipélago». E esse programa incluía o tipo de regime administrativo das ilhas. Ou seja, a açorianidade passou a integrar as duas componentes, a política e a cultural, do açorianismo dos anos 20. Durante o Estado Novo, a primeira componente pairou adormecida, mas voltou a ressuscitar, em pleno, com o 25 de Abril. As reivindicações que antes eram feitas com a bandeira do açorianismo passaram a sê-lo em nome da açorianidade. Esta tem sido interpretada como uma maneira própria de ser, estar e sentir dos açorianos que, por estas e outras razões, desejam um regime político-administrativo diferente do resto do país. Nesta nova conjuntura política, apesar da pluralidade de interpretações do conceito, a açorianidade não é mais do que a face cultural de uma moeda cujo reverso tem sido a reivindicação política. Carlos Enes (2007)

Bibl. Enes, C. (1996), A construção da unidade e identidade regional In Ribeiro, L. S., Obras, vol. IV: Escritos político-administrativos. Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira / Secretaria Regional de Educação e Cultura.