Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

americano, sonho

A expressão «sonho americano» (American dream) foi pela primeira vez usada, em 1933, por George O?Neill (1898-1940) como título de uma peça teatral, e dela se fez logo uso corrente por ter captado uma faceta fundamental do imaginário americano, o da utopia individual e social. Com efeito, a cultura americana tem-se desenrolado entre dois pólos aparentemente opostos, e todavia indissolúveis: o pragmatismo e o idealismo. A utopia remonta mesmo aos tempos que precederam a chegada dos primeiros colonos; desde o momento em que aportou à América, o homem foi um sonhador actuante. A literatura colonial testemunha a presença constante do elemento utópico nas crónicas, diários, sermões, simples relatos, e até na lírica, dando simultaneamente conta da associação estreita entre a fantasia e a realidade. O homem era empurrado pelo sonho para a concretização. Cabia-lhe a tarefa, senão o dever religioso (manifest destiny), de transformar a fantasia em realidade. Alexis de Tocqueville reconhece essa dimensão no seu encontro com a cultura americana. Escritores e pensadores americanos como Hawthorne, Emerson, Thoreau e Whitman acreditavam nas possibilidades interiores do indivíduo, na grandiosidade inerente ao trabalho simples, no transcender das dificuldades. No século xx, com a crescente autocrítica levada a cabo nos mais diversos sectores da vida americana, o sonho/utopia aparece frequentemente associado a pesadelo, ora realizando-se materialmente apenas, ora convertendo-se em desilusão ou dissolução.

Nos Açores, a expressão «sonho americano» propriamente não é usada. A ideia, que aparece registada na literatura, surge apenas como o desejo de emigrar para a América do Norte a fim de se melhorar o nível de vida, sem a carga utópica contida na expressão americana. Ver americanização. O poema de Pedro da Silveira «Ilha» pode ser usado como epígrafe dessa faceta do imaginário popular açoriano: «Só isto: / O céu fechado, uma ganhoa / pairando. Mar. E um barco na distância: / olhos de fome a adivinhar-lhe, à proa, / Califórnias perdidas de abundância.» Referência explícita ao sonho no contexto da emigração para a América é feita por Manuel Ferreira no conto «O barco e o sonho», que dá o título a uma colectânea publicada em 1979. Trata-se da narrativa literária de um caso verídico acontecido em 1951: a fuga para a América de dois aventureiros micaelenses num barco por eles construído. Com o mesmo título, esse acontecimento é também tema de uma série televisiva produzida por José de Medeiros para a RTP - «Açores» (1989). O confronto entre o sonho e a realidade do quotidiano da emigração é o tema central do livro de contos (Sapa)teia americana, de Onésimo Teotónio Almeida. Para o açoriano humilde, a Atlântida, ou a ilha da Felicidade que demandavam os navegadores do século xv, e que Margarida de Mau Tempo no Canal de Vitorino Nemésio simbolicamente procura também, ficava para oeste do mar Atlântico. Maria Teresa Carrilho (Dez.1996)

Bibl. Carrilho, M. T. M. (1998), O sonho americano e (Sapa)teia americana. Lisboa, Universitária Editora. Madden, D. (ed.) (1970), American dream, American nightmares. Carbondale, Illinois, Southern Illinois University Press. Smith, L. (1983), The American dream. Glenview, Illinois, Scott Foreman & Cª.