Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Ribeira Grande (concelho)

Heráldica Na simbologia da heráldica do município da Ribeira Grande sempre se manteve, desde os seus primórdios, a estrela, em sinal representativo de Nossa Senhora da Estrela, a padroeira do concelho. Nos anos cinquenta do século XX, apareceram novos símbolos, como é o caso do açor, da ponte e da faixa ondulada, alusivos, respectivamente, ao arquipélago dos Açores, à ponte do Paraíso (século XVIII), ex-libris da cidade, e à ribeira que atravessa o povoado.

É assim que, em 1952, é publicado (Diário do Governo, n.º 77, II Série, de 31 de Março) o seguinte regulamento:

Armas: De vermelho, com uma estrela de ouro, chefe um açor voante de sua cor, com um escudete das quinas de Portugal nas garras; em contrachefe uma ponte de prata realçada de azul, sobre uma faixa ondulada de prata e azul, de três peças.

Bandeira: Esquartelada de azul e de branco, tendo ao centro o escudo das armas, encimado por coroa mural de prata, de quatro torres. Por baixo do escudo, listel de branco com letras de negro, que dizem: «Ribeira Grande». Haste e lança douradas. Cordões e borlas de azul e de prata.

Após a elevação da Ribeira Grande a cidade, no dia 29 de Junho de 1981, a constituição da sua heráldica sofreu alteração. Assim, por Portaria n.º 40/83, de 22 de Junho de 1983, e por decisão do Secretário Regional da Administração Pública, foi aprovada a nova bandeira nos seguintes termos: Gironada de azul e de branco, tendo no centro o escudo de armas encimado por coroa mural de prata, de cinco torres. Por baixo do escudo, listel de prata com letras de negro que dizem «Ribeira Grande». Haste e lança douradas. Cordões e borlas de azul e de prata (Jornal Oficial, I Série, n.º 25, de 12 de Julho de 1983). António Pedro Costa

 

Geografia O concelho da Ribeira Grande situa-se na região central da ilha de S. Miguel, voltado a norte. Faz fronteira a este com o concelho do nordeste, a sul com os concelhos de Vila Franca do Campo e da Lagoa, a sueste com o concelho da Povoação, a sudoeste e oeste com o concelho de Ponta Delgada e a norte com o Oceano Atlântico. Apresenta uma configuração aproximadamente rectangular, com uma área de 179,5 Km2, o que corresponde a 24,2 % da ilha de S. Miguel. Em termos administrativos, o concelho é composto por 14 freguesias: Calheta, Pico da Pedra, Rabo de Peixe, Ribeirinha, Porto Formoso, S. Brás, Maia, Lomba da Maia, Fenais da Ajuda, Lomba de São Pedro, Santa Bárbara, Ribeira Seca, Conceição e Matriz. As últimas quatro constituem a cidade da Ribeira Grande, elevada a esse estatuto a 29 de Junho de 1981.

Do ponto de vista geológico, de oeste para este, o território está implantado em terrenos dos Complexos Vulcânicos dos Picos, do Fogo e das Furnas. Observa-se ainda a existência de derrames de materiais resultantes das erupções históricas de 1563 e 1652. A sismicidade nesta região da ilha é muito intensa bem como a probabilidade de ocorrer actividade vulcânica. O potencial geotérmico revela-se alto, principalmente no maciço do Fogo, existindo actualmente duas unidades de produção de energia eléctrica (Central do Pico Vermelho e Central do Fogo) que cobrem uma significativa percentagem das necessidades de consumo da ilha.

A orografia do concelho da Ribeira Grande é marcada pela superfície estrutural aplanada (graben) que se espraia até ao mar, salpicada por pequenos cones vulcânicos ainda bem preservados. À medida que se caminha para o interior, os declives tornam-se mais acentuados nos flancos da Serra de Água de Pau, culminando no rebordo da Caldeira do Fogo, local onde se atinge a cota máxima (901 m). Estas encostas, íngremes e sujeitas a constantes nevoeiros, acolhem substratos vegetais espontâneos com especiais aptidões na retenção da água (esfagno, leivas ou musgão), que até recentemente foram utilizados na cultura do ananás em estufa, mas cujo processo de exploração foi interdito atendendo aos efeitos nefastos na estabilização dos solos (erosão). As densas matas de criptoméria também ocupam extensas áreas, constituindo um recurso natural com peso considerável na economia do concelho.

Devido às características fisiográficas do território, a rede hidrográfica é bem estruturada, sobretudo na parte central, com destaque para a Ribeira Grande, o principal curso de água de caudal permanente e que dá o nome ao concelho. Nasce nas vertentes do maciço do Fogo e desagua no centro histórico da cidade da Ribeira Grande. Ao longo do percurso da ribeira existiram moinhos de água e azenhas, hoje praticamente desactivados ou degradados, excepto os que foram preservados por razões histórico-culturais. O extremo oeste do concelho é quase desprovido de drenagem superficial, por motivos que se relacionam com as características dos materiais associados ao vulcanismo fissural do Complexo dos Picos (Plataforma de Ponta Delgada), dominados por escórias recentes e muito permeáveis.

Num ambiente peculiar, salientam-se as fumarolas da Caldeira Velha e das Caldeiras da Ribeira Grande, ambas nas encostas do vulcão do Fogo, importantes manifestações de vulcanismo secundário com elevado interesse natural e turístico. Existem ainda várias nascentes de água mineral, como sejam as das Lombadas, das Gramas e da Ladeira da Velha, em tempos aproveitadas para fins comerciais. Ao concelho da Ribeira Grande pertence a Lagoa de São Brás e parte da magnífica Lagoa do Fogo que ocorre no interior da caldeira com idêntica designação, uma das maiores dos Açores e das que se apresentam em bom estado de conservação. A Reserva Natural da Lagoa do Fogo foi das primeiras áreas protegidas dos Açores a merecer tal estatuto de classificação. Mais recentemente, a Caldeira Velha foi classificada como Monumento Natural Regional, atendendo à presença de aspectos notáveis da hidrogeologia insular.

A linha de costa, com cerca de 50 Km apresenta-se bastante recortada nomeadamente na parte central. Para leste dominam as altas arribas costeiras, algumas inacessíveis, enquanto que para oeste surgem mais suaves. Ocorrem, contudo, bons acessos ao mar quer através dos portos de Rabo de Peixe, Ribeira Grande e Porto Formoso quer das excelentes praias de areia, como as de Santa Bárbara e do Monte Verde na periferia da cidade da Ribeira Grande, dos Moinhos em Porto Formoso e da Viola na Lomba da Maia.

O clima na Ribeira Grande, tal como em todo o arquipélago dos Açores, é mesotérmico húmido com características oceânicas. A altitude e a exposição das vertentes imprimem a diferenciação das condições climáticas vigentes, quando se compara as áreas mais baixas junto ao litoral com as encostas mais agrestes do interior do concelho. A temperatura média anual oscila entre 15ºC e 19ºC, a precipitação ronda os 1.000 mm/ano, chegando a ultrapassar os 2.500 mm/ano na Serra de Água de Pau. A humidade relativa do ar é sempre elevada durante todo o ano, entre 80% e 85%, muito embora com valores próximos da saturação nas zonas de maior altitude.

Em termos paisagísticos, o concelho da Ribeira Grande é dotado de elementos naturais que merecem referência. A Lagoa do Fogo é uma das paisagens mais fascinantes dos Açores, com águas límpidas e transparentes, cercadas pelas imponentes encostas verdejantes que definem a caldeira. O Salto do Cabrito, que corresponde a uma queda de água que se precipita por cerca de 50 metros, o Miradouro de Santa Iria, próximo de Porto Formoso, de onde se vislumbra parte da costa norte e o profundo vale das Lombadas são pontos de paragem obrigatória de quem visita a ilha de S. Miguel.

Quanto à demografia, população residente apresentou um crescimento contínuo desde o início do último século até a década de 60, data em que se atingiu o valor máximo de 39.595 habitantes. Após este período, o comportamento demográfico começou a ser negativo, mantendo-se praticamente estável desde 1981, tendo-se registado, mesmo assim, uma ligeira recuperação na década de 90. Segundo o XIV Recenseamento Geral da População de 2001 (INE, 2002), o concelho da Ribeira Grande comportava 28.462 habitantes, o que corresponde a uma densidade populacional de 158,6 hab/Km2 e a cerca de 22% da população de S. Miguel. Constitui o terceiro concelho mais populoso dos Açores, depois de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo.

Com excepção da freguesia de Rabo de Peixe, aquela que detém o maior peso demográfico no concelho, com 7.407 habitantes, e das três que formam a cidade da Ribeira Grande, as restantes freguesias revelam um quantitativo semelhante de efectivos. Em 2001 registavam-se 7.533 famílias, que ocupavam cerca de 7.004 alojamentos familiares como residência habitual. No entanto, verifica-se alguma discrepância entre o número de alojamentos familiares existentes, nomeadamente 8.993, e os efectivamente ocupados, que correspondem apenas a 78%. Este dado indica que uma fatia considerável do parque habitacional municipal é somente ocupada sazonalmente. A estrutura etária da população demonstra sinais de rejuvenescimento, com uma proporção relevante de jovens, aliás a mais significativa comparativamente à apurada nos restantes concelhos da ilha. É ainda notória a preponderância dos indivíduos do sexo feminino com mais de 65 anos face aos do sexo masculino. Contudo, destaque-se que são quase inexistentes os efectivos femininos a partir dos 85 anos, contrariando a tendência habitual de maior esperança de vida por parte das mulheres.

A taxa de analfabetismo, que ascende a 12,8 %, é muito superior às médias de S. Miguel (10,3 %) e da Região Autónoma dos Açores (9,4 %). Em determinadas freguesias a realidade é ainda menos satisfatória, chegando a cerca de 17 % da população com 10 e mais anos de idade. A taxa de actividade, que se situa nos 38,2 %, também fica aquém das médias da ilha (41,7 %) e regional (42 %). Relativamente à taxa de desemprego (8,4 %), o valor supera o registado para S. Miguel (7,7 %) e Açores (6,7 %). No entanto, algumas freguesias do concelho demonstram valores mais preocupantes, como acontece em Rabo de Peixe com 15,8 %. No conjunto dos municípios da ilha de S. Miguel, é o segundo valor mais elevado, só ultrapassado pelo Nordeste.

Ao nível das principais actividades económicas, é notória a forte concentração nos serviços, nomeadamente públicos (municipais e da administração regional). No entanto, a agro-pecuária, a produção industrial, sobretudo os lacticínios, e a pesca detêm igualmente um papel determinante na estrutura económica local. A elevada fertilidade dos solos, principalmente nas terras baixas, confere aptidões naturais para a horticultura e fruticultura.

Em 2005, o concelho da Ribeira Grande possuía apenas 2 estabelecimentos hoteleiros, uma unidade de apartamentos turísticos e uma pensão. A capacidade de alojamento rondava as 60 camas, à semelhança do concelho do Nordeste, os dois municípios da ilha de S. Miguel com menos oferta. A situação tende a alterar-se, com o surgimento de novos empreendimentos vocacionados para turismo rural. A restauração tem revelado dinamismo, a avaliar pela abertura de novos estabelecimentos reconhecidos pela qualidade gastronómica.

No que se refere a infra-estruturas e equipamentos, a Ribeira Grande está servida por importantes redes rodoviárias e pelo porto de pesca de Rabo de Peixe, o mais importante da costa norte de S. Miguel e um dos que mais pescado regista no computo regional. Em 2005, o concelho dispunha de uma publicação periódica, um recinto de teatro e cinema, uma galeria de arte e um centro de saúde com seis extensões (SREA, 2006). João Mora Porteiro

 

Concelho Na ilha de S. Miguel, com uma área de 179,5 km2, é o terceiro mais populoso do arquipélago dos Açores, com 28.476 habitantes (censos de 2001), logo a seguir a Ponta Delgada e a Angra do Heroísmo. Tem a sua sede na cidade com o mesmo nome, constituída pelas freguesias da Matriz, Conceição, Ribeirinha, Ribeira Seca e Santa Bárbara. Para além destas, o município abrange ainda a vila de Rabo de Peixe e as freguesias de Calhetas, Pico da Pedra, Porto Formoso, S. Brás, Maia, Lomba da Maia, Fenais d?Ajuda e Lomba de S. Pedro.

As suas belezas naturais constituem um excelente cartaz turístico. Aqui se situam as Lagoas do Fogo e de S. Brás e as manifestações vulcânicas das Caldeiras da Ribeira Grande e da Caldeira Velha ? um autêntico monumento paisagístico de grande interesse científico e turístico, onde se pode usufruir da famosa cascata de água quente férrea com piscina. Destacam-se ainda os miradouros do Palheiro (cidade), Santa Iria, dos Frades (Fenais da Ajuda), do Tio Domingos (Lomba da Maia) e adro Nossa Senhora do Rosário (Rabo de Peixe).

O areal de Santa Bárbara (Ribeira Seca) ? a maior praia da ilha ? é um dos locais mais procurados no roteiro da prática do surf e o dos Moinhos (Porto Formoso) são muito frequentados para lazer no período estival. As piscinas das Poças transformaram-se num moderno complexo balnear muito apreciado pelos forasteiros. António Pedro Costa

Cultura No concelho nasceu uma plêiade de poetas e homens das letras, que constituem uma galeria de autores consagrados dentro e fora dos Açores. É o caso, entre outros, de Rui Galvão de Carvalho, Cristóvão de Aguiar, Daniel de Sá, Onésimo Teotónio de Almeida, Manuel Barbosa e Eduardo Jorge Brum. Na poesia, a referência concelhia está no poeta Oliveira San-Bento, havendo ainda a referir os poetas populares, José de Amaral da Luz e José Plácido. No campo da investigação histórica salientam-se José Carlos Teixeira e Mário Moura.

A cultura assume no concelho manifestações diversificadas, que são a marca da tradição peculiar que identifica a maneira de ser e de estar dos ribeira-grandenses. As cavalhadas de S. Pedro, que se realizam no dia 29 de Junho, e o dos balhos dos Pescadores, por ocasião das festas do Divino Espírito Santo, constituem manifestações etnográficas de grande interesse, num misto de religiosidade e folclore.

O solar de S. Vicente, construído no século XVII, alberga desde de 1980 a Casa da Cultura da Ribeira Grande. Trata-se de um organismo municipal, que desenvolve uma função importante na investigação histórica e onde se encontra o museu concelhio, com colecções de artefactos e de profissões em vias de extinção. O Teatro Ribeira-gradense (projecto de Rego Lima) foi construído em 1920 por um grupo de cidadãos, liderados por Ezequiel Moreira da Silva. Encerrado na década de 80, foi adquirido pela autarquia e reaberto ao público em 5 de Maio de 2000, completamente renovado e preservando o seu aspecto inicial, quando era presidente António Pedro Costa. São dois pólos irradiadores de cultura, com inúmeras iniciativas, dinamizando actividades como o teatro, a música, exposições, conferências e exibição diária de filmes. António Pedro Costa

Economia Concelho atravessado por muitas ribeiras e associado ao facto de desde o povoamento ser uma zona da ilha produtora de cereais, levou ao aparecimento de inúmeros moinhos de água. No início e das diversas povoações, afluíam ao Porto de Santa Iria (Ribeirinha) barcos com carregamentos de milho e trigo, para moagem nos moinhos de água da Ribeira Grande, saindo depois a farinha para abastecimento das populações da ilha. 

A abundância de água é uma dádiva da natureza e foi umas das principais razões da fixação dos primeiros povoadores no concelho e que contribuiu para o seu dinamismo e prosperidade. Salienta-se ainda a existência das águas minerais das Lombadas, das Gramas e da Ladeira da Velha.

No concelho concentram-se as principais indústrias da Região, como os lacticínios, a construção civil, as pescas e a produção de energia térmica e geotérmica. Aqui se regista o maior consumo energético para fins industriais da ilha. Refira-se ainda como principais actividades empresariais do concelho, a produção do chá, do tabaco e do afamado licor de maracujá. Paralelamente, às suas actividades industriais, o sector terciário da economia assegura o enquadramento de uma vida económica muito activa e próspera, nas zonas urbanas e rurais do concelho. António Pedro Costa

Cidade A Ribeira Grande foi elevada a vila por D. Manuel I a 4 de Agosto de 1507. Foi elevada à categoria de cidade a 29 de Junho de 1981, por Decreto Regional n.º 9/81/A. Tem 11.325 habitantes (censos de 2001), no conjunto das cinco freguesias que compõem o núcleo citadino. O cronista Gaspar Fructuoso, no Livro Quarto das Saudades da Terra (1998: 187), descreve a vila que serviu como «nobre com seus moradores, rica em suas terras, bem assombrada com seus campos e fértil com seus frutos, está situada de aquém e de além de uma grande ribeira, de que ela tomou o nome, quase no meio da ilha, em uma grande baía da banda do norte, ao pé de um serra muito fresca (que, por estar perto da sua planície, está uma coisa realçando a outra, fazendo-a juntamente mais graciosa que outras muitas vilas)? mas, veio depois em tanto crescimento, que é agora a maior vila, mais rica e de mais gente que há em todo este Bispado de Angra».

A sua riqueza patrimonial, ao nível da arquitectura, civil e religiosa, com exemplares que se vislumbram em cada esquina dos seus arruamentos nobres e senhoriais, fazem da Ribeira Grande um conjunto urbano construído de características únicas, e dele são exemplo as igrejas de Nossa Senhora da Estrela, Nossa Senhora da Conceição, da Misericórdia ou do Espírito Santo e ainda os Paços do Concelho e os solares do Botelho e de S. Vicente Ferrer.

Luís Bernardo Leite Ataíde, perante a monumentalidade do património construído, considerou a Ribeira Grande como a «Vila seiscentista de São Miguel», epíteto derivado das características das suas belas moradias, nobres ou simples, com as suas soberbas janelas de avental, encimadas por fusos e suásticas, os óculos, que iluminam escadas interiores e as varandas como aspectos significativos e únicos. Estas características também se podem encontrar espalhadas no meio rural concelhio.

A janela manuelina com o seu friso renascentista do século XVI, um belo exemplar existente no edifício da Biblioteca Municipal, o Arcano Místico, obra de Madre Margarida do Apocalipse, na Igreja Matriz e o fontanário do século XVI, na Ribeira Seca, são alguns dos pontos de visita obrigatória na cidade.

Com o seu passado de glória, o seu património cultural, a sua vitalidade económica, o concelho da Ribeira Grande é, no contexto açoriano, um pólo de desenvolvimento muito importante. António Pedro Costa

História Os primórdios da aglomeração urbana que veio a ser conhecida como Ribeira Grande estão, por ora, mergulhados em densa névoa. Parece certo que, antes de 1507, no espaço que compreende as actuais freguesias urbanas e outras, como a da Ribeirinha, já se encontravam instalados indivíduos de condição social mais elevada, que aí detinham terras e gado. Um destes era Antão Rodrigues da Câmara, bastardo de Rui Gonçalves da Câmara, capitão da ilha de S. Miguel, legitimado por carta de 6 de Janeiro de 1499 e cuja propriedade, situada à Ribeirinha, foi descrita como uma quintã, com suas terras de pão, matos, pastos e águas, com suas casas, granéis, celeiros, engenho de pastel, vinhas e pomares, em instrumento de contrato e morgado datado de 17 de Abril de 1508 (Arquivo dos Açores, 1981, V: 100-102; Frutuoso, 1981, II: 262-264; Rodrigues, 2003, II: 753; Rodrigues, 2004 [2005]). Ainda antes de ser elevada a vila, no início do século XVI, já a povoação apresentava uma dinâmica de crescimento digna de registo, confirmada pelo acordo estabelecido em 1507 com um mestre de obras para a edificação de um templo, que seria depois a igreja matriz. O exemplo do lugar de Ponta Delgada, elevado a vila em 1499, autonomizando-se de Vila Franca do Campo, deve ter pesado na decisão dos nobres que residiam na Ribeira Grande, que se decidiram a avançar no mesmo sentido. Os bastidores do processo não são conhecidos, mas Gaspar Frutuoso (1981, II: 104) informa-nos que D. Manuel I concedeu ao então lugar da Ribeira Grande o privilégio de o elevar à categoria de vila por diploma de 4 de Agosto de 1507. Foi um Lopo de Arês, estante em Lisboa e que regressou a S. Miguel em Março de 1508, quem trouxe o diploma régio. A 3 de Abril desse ano, na presença do capitão da ilha, Rui Gonçalves da Câmara, realizou-se o auto de juramento de Jorge da Mota, juiz ordinário de Vila Franca do Campo, e de João do Penedo e António Carneiro, moradores nobres na Ribeira Grande, para escolherem doze moradores dos quais seriam eleitos seis para votarem nos oficiais locais. Foi deste modo que a primeira vereação foi eleita, servindo até ao São João de 1509. As escassas informações que possuímos para a primeira metade de Quinhentos são fornecidas sobretudo pela crónica frutuosiana. Até 1515, a oeste da ribeira que deu o nome à vila, existiam somente duas casas e, por escritura de 4 de Julho de 1520, foi contratada a feitura de uma ponte de pedra junto da praça da vila, que orçaria em 400.000 reais e que, no final do século XVI, foi descrita como uma ponte com um arco de doze côvados de largo, com a largura interior de vinte e dois palmos e «o arco da melhor cantaria que se achasse no termo da vila, e bem lavrada» (Frutuoso, 1981, II: 104). De 1536 data a fundação do mosteiro de Jesus, que, ao longo da sua existência, acolheu sobretudo religiosas provenientes de famílias da governança e cuja memória permaneceu na toponímia local [Rua das Freiras, Largo das Freiras]. Durante a centúria de Quinhentos, a população do concelho aumentou de forma regular, embora os dados disponíveis, pela sua imprecisão, permitam apenas aceder a cifras estimadas ou a números pouco fiáveis: de duzentos fogos em 1515, a vila ? paróquia de Nossa Senhora da Estrela ? passou para perto de oitocentos em 1576; já o concelho neste mesmo ano tinha um total de 1.018 fogos e 3.534 almas, atingindo o número de fogos o valor de 1.237 em 1593, o que sugere uma população perto dos cinco mil habitantes para a área concelhia. O crescimento demográfico do concelho está igualmente patente na necessidade sentida pela administração eclesiástica de criar novas paróquias e é neste contexto que registamos a individualização da paróquia de São Pedro, Ribeira Seca, em 1577, por decisão do bispo D. Gaspar de Faria (Frutuoso, 1981, II: 105). As primeiras vereações conhecidas permitem documentar algumas etapas do crescimento e da valorização urbanística da vila. Desde logo, em 1555, foi colocado um relógio na torre da igreja e, em 1578, instalado um sino na casa da câmara, datando deste último ano a construção de um novo açougue, sinal evidente quer do desenvolvimento demográfico, quer da vitalidade socioeconómica do pólo urbano e do seu termo. Esta dinâmica pode igualmente ser detectada no espaço concelhio desde inícios do século XVI e, a título de exemplo, consideremos o caso do lugar de Rabo de Peixe, cuja primitiva igreja paroquial foi substituída por uma outra, de três naves, onde se pode encontrar um quadro de São Pedro atribuído a Vasco Fernandes (1480-1543). As rotinas quotidianas dos habitantes de S. Miguel foram violentamente perturbadas pelos efeitos da erupção de 1563-1564, no Pico do Sapateiro (Queimado), Lagoa do Fogo (Arquivo dos Açores, 1980, II: 452-458; Frutuoso, 1987, III: 27-76), um dos acontecimentos marcantes da história da ilha. Esta erupção foi precedida por sismos que começaram a ser sentidos no dia 24 de Junho, fazendo cair muitas casas na Ribeira Grande. A 28 de Junho, teve início a erupção no Pico das Berlengas, junto à Lagoa do Fogo, com chuva de pedra-pomes e cinza em toda a zona oriental da ilha, que ficou envolta em escuridão até ao sábado seguinte. Entre a Ribeira Grande e a Maia, todas as novidades se perderam e as ribeiras da Ribeira Grande, na costa norte, e da Praia, na costa sul, «sumiram-se», conforme narra o cronista (Frutuoso, 1987, III: 54-55). A 1 de Julho, ocorreram mais sismos e, no dia seguinte, deu-se nova erupção, agora no Pico do Sapateiro, primeiro com a projecção de grandes bombas e blocos e depois com actividade efusiva, correndo lava durante três dias, processo que destruiu parcialmente a Ribeira Seca. Dias depois, a 9 de Julho, abriu-se nova boca eruptiva, escoando lava em direcção a Rabo de Peixe. De acordo com o testemunho de Gaspar Frutuoso (Frutuoso, 1987, III: 57), ter-se-á perdido «a terça parte das terras de pão» e, de novidades, cerca de 3.000 moios de trigo. O impacto negativo deste acontecimento produziu efeitos que terão sido mais visíveis e duradouros nos planos económico e urbanístico, mas, décadas depois, na viragem do século, o concelho da Ribeira Grande tinha recuperado do choque. De facto, as terras do concelho eram férteis e suportavam uma agricultura onde o trigo, o pastel e o linho se destacavam como as culturas dominantes. O número de moinhos, que era de vinte em 1555, subiu para 35 em 1578 (Pereira, 2006: 44-45), acompanhando certamente a dinâmica produtiva, mas outros indicadores atestam o desenvolvimento industrial da vila micaelense, pois frei Diogo das Chagas registou a existência de mais de duzentos tecelões de teares e de um elevado número de oficiais mecânicos na Ribeira Grande e comentou o intenso tráfego de almocreves entre a vila e Ponta Delgada, o porto de exportação da ilha, por causa do pastel e do linho. No início do século XVII, em 1604, a torre da câmara recebeu um novo relógio, expressão, talvez, do fluxo de riqueza resultante do trato das culturas industriais, e, entre 1612 e 1626, ergueu-se o convento dos Franciscanos. Datam do século XVII as casas nobres de Nossa Senhora do Vencimento, Nossa Senhora da Salvação e Nossa Senhora das Preces. Em matéria de acontecimentos que tenham marcado o quotidiano das gentes do concelho, registamos a cheia de 9 de Setembro de 1667 e a queda da torre dos sinos da Igreja Matriz, cerca de 1680. Quanto às dinâmicas populacional e urbana, não terão conhecido factores de perturbação. A vila expandia-se para ocidente e, em 1699, foi criada a nova paróquia de Nossa Senhora da Conceição, com um total de 445 fogos, retirados à freguesia de Nossa Senhora da Estrela. A vigararia de Nossa Senhora da Conceição, no entanto, só seria formalmente instituída por alvará de 15 de Janeiro de 1703 e, por diploma de 14 de Dezembro de 1743, a igreja de Nossa Senhora da Conceição viu ser-lhe concedido um novo cura, o segundo; o alvará de 20 de Fevereiro de 1746 criou depois um beneficiado coadjutor na mesma igreja. No termo concelhio, um curato, sufragâneo a São Pedro, Ribeira Seca, foi criado na Lomba de Santa Bárbara pelo alvará de 10 de Abril de 1736. No século XVIII, no quadro da geografia urbana de S. Miguel, caracterizada pela sua modéstia, ao entrarmos na década de 1720, somente dois núcleos urbanos, Ponta Delgada e Ribeira Grande, apresentavam um conjunto populacional que, à escala europeia, permitia a sua inclusão entre as cidades pequenas (de 5.000 a 10.000 habitantes): enquanto que a cidade teria entre nove e dez mil habitantes, a Ribeira Grande quase atingia os seis mil, ficando muito acima de Vila Franca do Campo (Melo, 1994 [1723]: 55-68). Em 1770, as posições relativas da cidade e da vila nortenha mantinham-se iguais às que ocupavam em 1721, tendo então a Ribeira Grande pouco mais de seis mil habitantes (6.141) e o seu concelho um total de 11.541, apenas ultrapassado pelos de Ponta Delgada e de Vila Franca do Campo, cuja extensão era maior (Rodrigues, 2003, I: 213 e 222-223). Mas, nos séculos de Seiscentos e Setecentos, merece também referência o lugar da Maia, à data na jurisdição de Vila Franca do Campo, hoje integrado no espaço concelhio ribeiragrandense. No início do século XVIII, o jesuíta António Cordeiro (1981: 141) descreveu-a como um «Lugar que tem as ruas inteyras de casas de telha, quando em outras Villas, & atè na Cidade ha muytas casas cubertas de palha, sendo que a telha se faz neste lugar da Maya». A 28 de Julho de 1666, a Maia tinha 250 vizinhos, mas, em 1721, esse número passara para 372 fogos, com 1.488 almas de confissão; porém, quarenta anos mais tarde, em 1765, a Maia perdera alguma da sua dinâmica de crescimento, pois o número de fogos decaíra para 363 fogos, o que corresponderia a cerca de 1.200 habitantes (Rodrigues, 2003, I: 231). Na segunda metade do século XVIII, a criação da capitania-geral em 1766 obedeceu, entre outros propósitos, ao objectivo de controlar os poderes periféricos. Nesse contexto, a Ribeira Grande passou a ter um juiz de fora, mas o desiderato do conde de Oeiras falhou e na Ribeira Grande, como nas demais câmaras do arquipélago, as famílias dominantes que detinham o poder político e social mantiveram o controlo das instituições locais. Na sede concelhia, realizaram-se obras na praça da vila, após a demolição de um teatro situado em frente da igreja da Santa Casa da Misericórdia, o que permite saber qual o estado em que se encontrava o pelourinho, símbolo da autonomia jurisdicional da câmara. Na vereação de 9 de Dezembro de 1769, a propósito das obras, o provedor da Santa Casa da Misericórdia informou que queria refazer a muralha da praça, que se achava caída, e que, depois de concluídas, o pelourinho, então completamente arruinado, sem ferros e depositado num canto da praça, seria colocado no centro desta, que, como refere a fonte, era o lugar próprio para a realização de actos civis e judiciais (Rodrigues, 2003, I: 346-347). Esta preocupação com os espaços nobres da vila também recaiu sobre os paços do concelho e é de notar que durante a maior parte da centúria, o senado da Ribeira Grande lutou contra a ausência de condições dignas. Diversas obras foram levadas a cabo nos decénios de 1750 e 1760, visando adequar as instalações à nobreza das funções camarárias, e no final do século XVIII, a casa da câmara foi ampliada e valorizada (Rodrigues, 2003, I: 347-348). No plano económico, se a plataforma de Ponta Delgada continuava sendo a área de produção por excelência da ilha, também a vila da Ribeira Grande se destacava nos níveis alcançados, quer em trigo, quer em milho. O final do Antigo Regime e a entrada no período liberal viram a Ribeira Grande acompanhar os ritmos da história, embora o concelho mereça ser destacado, pois foi o palco de um combate entre as forças liberais e as miguelistas. Com efeito, no seguimento do golpe militar na Terceira, em 1828, os liberais desembarcaram em S. Miguel a 1 de Agosto de 1829 e, no dia seguinte, travou-se a batalha da Ladeira da Velha, Porto Formoso, que abriu o caminho às tropas do conde de Vila-Flôr. Após o triunfo dos liberais, o quadro administrativo da Ribeira Grande reflectiu as vicissitudes das diversas reformas ensaiadas. Se, em 1825, a comarca de Ponta Delgada incluía a ilha de Santa Maria, estando a de S. Miguel dividida em quatro distritos, a carta de lei de 3 de Julho de 1839 dividiu o distrito de Ponta Delgada em três comarcas e nove concelhos. Foi neste contexto que a Ribeira Grande foi elevada ao estatuto de comarca, com jurisdição sobre Capelas, Povoação, Nordeste, Vila Franca do Campo, Água de Pau e Lagoa (Silva, 2003: 41, 72-74, 321-322). Em Oitocentos, na história da ilha e do concelho, merecem referência os «alevantes» de 1869, que, despoletados na Ribeira Quente, a 19 de Abril, tiveram na Ribeira Grande características de «verdadeira insurreição», caindo a vila nas mãos dos revoltosos, oriundos essencialmente do «povo miúdo», entre 20 e 29 de Junho (Miranda, 1996: 63-64 e 83-114). Nos séculos XIX e XX, embora não existam estudos com suporte estatístico que o confirmem, é provável que, no geral, o ritmo de crescimento da Ribeira Grande tenha sido superior ao das demais vilas micaelenses. Em 1864, o concelho, abrangendo a vila e os lugares da Ribeirinha, anexo a Nossa Senhora da Estrela (Matriz), Ribeira Seca, Rabo de Peixe, Pico da Pedra, Porto Formoso, Maia e Fenais da Vera Cruz ou da Ajuda, tinha 24.321 habitantes, ficando apenas atrás da cidade (Miranda, 1996: 89). Concelho rural, devido à fertilidade da plataforma em que se encontra implantado, na segunda metade do século XIX, após o afundamento da «economia da laranja» e a aposta em novas culturas, nomeadamente em plantas industriais, o município da Ribeira Grande assistiu a um surto industrial que marcou a história do concelho. De entre vários exemplos, refiramos que na Gorreana, Porto Formoso, foi introduzida a plantação do chá e que na sede do concelho foi instalada uma fábrica de álcool. No final do século XIX, na sede do concelho, foi construída a «Ponte dos Oito Arcos» e, já durante a vigência da I República, em 1919, foi destruído um fontanário localizado na praça central para, no seu lugar, se erguer o Teatro Ribeiragrandense. A construção do Salão-Teatro arrancou em 1920, datando de 1 de Março desse ano a demolição da Torre das Freiras, do velho mosteiro de Jesus, cujas pedras contribuíram para a edificação do novo salão. Apesar dos periódicos da época testemunharem a realização de espectáculos, a inauguração oficial, já sob a direcção da Sociedade Teatral Ribeiragrandense, teve lugar somente em 1933. No plano administrativo, em 1924, Calhetas foi elevada a freguesia, o que igualmente sucedeu à Ribeirinha, em 1948. Assinalemos ainda que o lugar de Santana, uma extensa planície, foi transformado em campo de aviação militar durante a II Guerra Mundial, passando para a aeronáutica civil em 1946 e aí se instalando o primeiro aeroporto da ilha de S. Miguel. Em meados do século XX, Raquel Soeiro de Brito (2004: 198) afirmou que a vila da Ribeira Grande era «a mais importante de São Miguel, tanto pelo número de habitantes como por ser a única que apresenta um ar urbano». Em crescimento demográfico até 1960, a Ribeira Grande perdeu população no espaço urbano desde essa data, mas não declinou em termos da sua dinâmica socioeconómica. A elevação da Ribeira Grande a cidade, a 29 de Junho de 1981, a instalação de um parque industrial a norte da nova urbe e a recuperação do património edificado, como o Teatro Ribeiragrandense e a «antiga» Fábrica do Álcool, para equipamento cultural ao serviço dos cidadãos, demonstram, nos anos mais recentes, a capacidade de regeneração do núcleo urbano, a vitalidade do concelho e, para além das actividades tradicionais, a aposta em novos sectores, olhando o futuro. José Damião Rodrigues

 

Urbanismo O concelho da Ribeira Grande, implantado ao longo da costa norte de S. Miguel, possuía mais de 30.000 habitantes em 1980, traduzindo-se como um dos mais populosos a seguir ao de Ponta Delgada. As freguesias urbanas do seu principal núcleo urbano, a cidade da Ribeira Grande (Matriz, Conceição), em conjunto com as da periferia e dos arredores (Ribeira Seca e Rabo de Peixe) correspondiam a mais de metade da população concelhia.

A cidade da Ribeira Grande assume aqui uma implantação rara nas ilhas açorianas, pois desenvolve-se ao longo da costa norte da ilha de S. Miguel, contrariamente à maioria dos principais núcleos urbanos do arquipélago (e também dos da Madeira).

Urbe com vocação agrária (os seus múltiplos moinhos de água alimentavam com farinha a cidade de Ponta Delgada, durante séculos), está envolvida por terrenos de cultivo em todo o seu hinterland sul ? e, em termos de articulação costeira, podemos dizer que está «de costas viradas ao mar», ou seja, naturalmente orientada por forma a estar protegida de um quadrante norte agreste e ventoso.

Vila em 1507, com os inícios históricos difíceis, marcados por catástrofes naturais, a povoação só foi elevada a cidade já no século XX (1977); mas vimos assistindo, nas décadas mais recentes, a um desenvolvimento urbano intenso, com o correlato crescimento e expansão em área edificada.

A estrutura urbana da área mais antiga da Ribeira Grande está assim marcada por uma originalidade que também se exprime em termos de paisagem e forma urbana: a declivosa ribeira que deu o nome à povoação ainda marca claramente o centro principal, a praça com o jardim dos fabulosos metrosíderos, frente ao arco e torre municipal, perto da Matriz, ao lado da portentosa fachada barroca da Misericórdia ribeirograndense.

Segundo os relatos de Gaspar Frutuoso, do final do século XVI, e a análise do tecido urbano actualmente existente na área central, podemos tentar a reconstituição da evolução urbana da vila, ao longo dos primeiros séculos da sua implantação. A estrutura de malha irradiante existente a nascente da ribeira teria correspondido ao núcleo inicial da povoação. Os arruamentos definidores dessa malha estão de modo dominante orientados no sentido sul-norte.

Depois das catástrofes de 1563 (com tremores de terra e a erupção do Fogo, cujos materiais soterraram muita da área urbana então existente), foi tempo de reconstrução, e, progressivamente, de orientação do crescimento da vila para ocidente, galgando a ribeira e estabelecendo «pontes» na direcção da estrada para Ponta Delgada, a qual, como se disse, os moinhos da Ribeira Grande ajudavam a alimentar. Gaspar Frutuoso refere nas suas Saudades da Terra do final de Quinhentos, que «... agora tem (Ponta Delgada) a serventia das moendas, trabalhosa e quase insofrível dos compridos caminhos até à Ribeira Grande e Água de Pau, onde estão os moinhos».

Assim, e ao longo dos séculos XVII e XVIII, se foi estruturando a malha reticulada do lado ocidental da ribeira, inicialmente a partir do núcleo da Conceição (sede da freguesia).

Como resultante deste processo de crescimento, hoje a estrutura viária e funcional do centro da Ribeira Grande, desde a instalação franciscana a poente (Hospital) até à saída a nascente, desenvolve-se ao longo de um cordão axial, uma característica «rua direita» (eixo das ruas de S. Francisco, da Conceição e da D. Carlos I), sensivelmente paralela à costa norte, com a qual se cruzam, ou donde irradiam, a maioria das vias secundárias e das travessas ? e que inclui os principais edifícios residenciais e comerciais.

Assim, este arruamento, desde a igreja franciscana a poente, dirige-se para este, até, sobre a ponte, galgar a ribeira e abrir no largo Hintze Ribeiro e Largo 5 de Outubro, onde se implantam respectivamente a Câmara e a igreja da Misericórdia. O eixo prolonga-se de seguida para nascente, em subida gradual, até atingir o largo do Rosário e a saída, desse lado do povoado, para o Nordeste.

A praça central e municipal está articulada com o largo Dr. Gaspar Frutuoso, que inclui o vasto escadório da Igreja da Estrela (a matriz); a partir destes dois espaços abrem-se arruamentos, no sentido sul-norte, paralelos entre si, e que constituem a malha irradiante atrás mencionada, a qual remata nos espaços sacros de S. Luís e de Santo André, bordejando as arribas e o mar. É ao longo destes arruamentos que se encontram muitos dos mais antigos e característicos edifícios seiscentistas e setecentistas, dentro do chamado «estilo micaelense».

Intersectando pontualmente a referida retícula, os moinhos da cidade, com os seus canais e levadas, em gavetos e no interior dos quarteirões, induziam até há poucos anos, no ambiente urbano da Ribeira Grande, uma nota de ruralidade e de bulício, quer pela acção ruidosa e vibrante da moenda, quer pela sonoridade dos caudais de água em movimento, com o aroma da farinha moída alastrando nas ruas vizinhas.

Já no século XIX, uma nova estrutura viária complementou a anteriormente descrita, numa linha a ela paralela a norte, com a construção de uma nova ponte, de vários arcos, sobre a ribeira, e com a edificação do grandioso mercado neo-clássico no seu alinhamento.

Fora da cidade da Ribeira Grande, podem assinalar-se povoados, mais simples ou elementares, ao longo do habitual «cordão de povoamento», próximo da linha litoral e a ela aproximadamente paralela, que articula em sequência linear a maioria dos núcleos e das freguesias. A povoação da Ribeirinha, nas proximidades da saída nascente da cidade, possui um ambiente característico e de sentido colorido e popular.

Rabo de Peixe (a poente da cidade) é o mais notório núcleo edificado, de vocação e forte tradição piscatória, o qual, tal como o mais pequeno núcleo da Maia (a nascente da cidade), apresenta uma malha em retícula elementar, virada ao mar e à costa nortenha (mas, no caso de Rabo de Peixe, com o pequeno porto abrigado por uma enseada orientada a poente).

Porto Formoso constitui uma longa rua-estrada, edificada de cada lado, marcada pela ampla fachada da igreja e envolvida pela majestosa paisagem rural e agrária deste sector norte-oriental da ilha. A partir de Porto Formoso e da Maia, a estrada vai-se afastando do litoral, o qual assume relevos cada vez mais agressivos e penhascosos, começando a surgir o característico povoamento das «Lombas», que prenuncia já o tipo de implantação «de montanha» dos povoados do Nordeste (Lomba da Maia). José Manuel Fernandes

 

Arquitectura A arquitectura urbana da Ribeira Grande apresenta dois grandes temas históricos, pela sua originalidade e valor, quer no quadro insular quer no plano nacional: a dimensão barroca de alguns dos seus monumentos, e o característico «estilo micaelense» de inúmeros e antigos edifícios habitacionais.

O edifício da Câmara Municipal, a Igreja da Estrela e a Igreja da Misericórdia formam como que um «triângulo» de arquitectura, decoração e urbanidade, que no seu conjunto constituem dos melhores exemplos do «barroco açórico», quer como espaço e desenho, quer como criação de um ambiente urbano. O edifício municipal, que obedecia na sua forma inicial e seiscentista ao modelo corrente de «casa de câmara» da ilha, com um volume prismático simples, de dois pisos principais, servido por escadório duplo de composição simétrica em relação à fachada, foi ampliado no século XVIII com um corpo lateral e torre. Entre as duas construções ? a inicial e a ampliação ? ergueu-se então, sobre a rua que as separava, um portentoso arco redondo, de grosso embasamento e barroquizante contraste de pedra negra e cal branca, criador de uma «expectativa cénica» para quem sob ele passa. A lisa fachada da Matriz (reconstruída em 1680-1736) é complementada por um vigoroso adro-escadório, que a articula, em conjunto com o largo fronteiro, de uma forma visual e dinâmica, com a rua de ligação ao largo municipal. Assim, os dois monumentos centrais da cidade surgem inter-relacionados visualmente, por via da sua implantação mas sobretudo pela criação de dois elementos construtivos imaginosos e enfáticos, um grande arco (na câmara) e um vasto escadório (para a igreja).

Um terceiro elemento, embora um pouco alheado de uma ligação visual directa com os dois já referidos ? a igreja da Misericórdia (do Espírito Santo, ou dos Passos), vale pela sua eficácia figurativa, quer na relação com o eixo viário principal ? a sua fachada coloca-se perante a rua principal e a respectiva ponte de acesso à praça central ? quer pelo próprio desenho da fachada. Esta é de tratamento intensamente volumétrico, com curvilíneo claro-escuro e expressão profusamente decorativa, procurando no insólito de uma dualidade de vãos (2, enquanto a norma é a de 3 vãos na fachada), enfatizado com um «nariz basáltico-decorativo» a eixo, criar um verdadeiro «acontecimento barroco» na modesta vila...

Outro conjunto notável é o dos edifícios residenciais agrupados dentro do chamado «estilo micaelense». Constituindo obras isoladas entre si, possuem elementos e características comuns, que permitem relacioná-las: uma expressão entre o vernáculo e o erudito, com elementos claramente classicizantes (proporções de fachada e dos vãos, sobrepujados por lintéis, cornijas e pilastras) ? mas também com elementos originais (decoração com «rombos» e «suásticas», nos lintéis; óculos em pedra; «faxas» horizontais e aventais de pedra).

Em 1982 o levantamento pela Associação dos Arquitectos Portugueses permitiu identificar vários dos melhores exemplos, que infelizmente, um quarto de século depois, não estão ainda protegidos ou salvaguardados (e alguns foram destruídos). Como exemplos, podemos referir: o prédio na rua José Nunes da Ponte (com aventais de pedra e sacadas de madeira); o prédio na rua do Passal n.º 72, precioso exemplo, de sacada de pedra com motivos decorativos, óculo de escada, «faxa» e aventais, tudo em pedra; os prédios da rua Sousa e Silva e da rua de Santa Luzia n.º 15 («Casa do Óculo»), ambos com óculos de pedra trabalhada assente sobre o lintel da porta principal; os dois prédios de gaveto, um na esquina da rua Sousa e Silva com a rua Jácome Correia, e o outro no largo de Nossa Senhora das Dores, ambos com varanda de sacada dobrando a esquina, numa tipologia rara que também se encontra em Havana, Cuba...

Muitas outras edificações marcam a área central da cidade, desde as habitações reformadas no século XIX (prédio na rua da Conceição, com fachada azulejar policroma, datada de 1974) aos novos equipamentos de Oitocentos e da transição dos séculos XIX-XX (Mercado Municipal e edifício do Teatro).

Pormenor notável é a janela manuelina no edifício junto ao largo Hintze Ribeiro (de pedra clara, mainelada); um edifício com claro valor histórico é o da «Casa do Arcano» (na rua de esquina com a travessa da Madre Margarida do Apocalipse, que aqui terá elaborado o «Arcano Místico»); um conjunto característico é o dos imóveis de tipo «chalet» na rua do Botelho (de 1930); mais acima, situa-se a Casa da Cultura, no «Solar de São Vicente», de expressão barroca.

Outras igrejas e capelas a referir na cidade são: a igreja de Nossa Senhora da Conceição (de 1734); a de Nossa Senhora de Guadalupe, no convento franciscano (de 1612-1626), com o hospital da Misericórdia a funcionar nas instalações conventuais desde 1834; a de Nossa Senhora das Dores (de 1696); as ermidas de Santa Luzia (do século XVI) e de Santo André (ainda do século XV, reconstruída no século XVII).

Nas outras freguesias do concelho, podem destacar-se igrejas como a de Nossa Senhora da Graça (em Porto Formoso), de São Salvador do Mundo (na Ribeirinha, do século XIX), ou do Divino Espírito Santo (na Maia, do final do século XVIII).

No século XX, só nas décadas pós-II Guerra Mundial se sente alguma nova edificação de revelo na Ribeira Grande, nomeadamente com a construção de uma obra de arquitectura moderna residencial significativa, em plena rua principal ? a casa Almeida Lima, na rua de São Francisco, de 1960-1961, pelo arquitecto João Rebelo (autor com vasta obra inovadora em Ponta Delgada): é um edifício em betão armado, de linhas horizontais, com amplos avarandados abertos sobre a rua.

Nas últimas décadas, e correspondendo a um novo crescimento da sua área urbana, a cidade da Ribeira Grande vem erigindo novas arquitecturas, nem sempre com a melhor qualidade (Central de Camionagem, anos 1990). Alguma arquitectura mais recente e qualificadora, fruto da jovem geração de arquitectos, pode já assinalar-se (o «Alabote», bar-restaurante na área costeira; um conjunto de habitação social no sector nascente da cidade).

Já no dealbar do século XXI, a construção do complexo municipal das novas piscinas, articuladas com um passeio de cais, aponta uma nova direcção, a da reabilitação da faixa costeira da cidade. Esperemos que a falada futura marginal seja entendida desejavelmente só para circulação pedonal, respeitando uma imagem de cidade única e ecologicamente respeitável como é a da Ribeira Grande. José Manuel Fernandes

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