Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Praia da Vitória (concelho)

Heráldica Apesar de ter sido elevada a vila no último quartel do século XV, o primeiro brasão de armas conhecido data de 1837, na sequência do confronto naval na sua baía que deu a vitória aos liberais. O brasão era composto por um escudo partido em facha: na primeira, em campo vermelho, uma torre de ouro; na segunda, em campo de prata, um navio negro assentado sobre um mar de prata e azul, e sobretudo um escudete de prata com a legenda em letras azuis ? onze de Agosto de mil oitocentos e vinte e nove ? sendo coroado o escudo de uma coroa naval, e por timbre uma torre negra com bandeira bi-partida de azul e prata.

Posteriormente, com a reformulação dos brasões municipais no período do Estado Novo, as novas armas da vila (em 1939) demonstravam a vontade de apagar os resquícios da memória liberal. O brasão manteve as suas características essenciais com a passagem de vila a cidade, em 1981. Deste modo, as armas de ouro ostentam um leão de rampante de vermelho acompanhado por duas palmas de verde. Em chefe, um açor de sua cor voando, tendo nas garras uma quina de Portugal. Coroa mural de prata de cinco torres e listel branco com os dizeres: «Mui Notável Cidade da Praia da Vitória», de negro. A bandeira, de vermelho, possui cordões e borlas de ouro e de vermelho, com haste e lança douradas. Carlos Enes

 

Geografia O concelho da Praia da Vitória situa-se na região nordeste da ilha Terceira, constituindo um dos dois municípios terceirenses. Faz fronteira com o concelho de Angra do Heroísmo a oeste e a sul e com o Oceano Atlântico a norte e a este. O limite concelhio é definido, grosso modo, pela diagonal que liga a foz da Ribeira do Pamplona, na costa norte, ao Porto de São Fernando, na costa leste. A sua área (162,3 Km2) corresponde a 40,6 % da superfície da ilha Terceira. Em termos administrativos, é constituído por 11 freguesias: Biscoitos, Quatro Ribeiras, Agualva, Vila Nova, S. Brás, Lajes, Fontainhas, Fonte do Bastardo, Porto Martins, Santa Cruz e Cabo da Praia, sendo a sede do concelho, Praia da Vitória, formada pelas duas últimas freguesias.

Do ponto de vista geológico, o território situa-se em terrenos pertencentes à Zona Basáltica Fissural, nos extremos oeste e este, sendo a restante área ocupada por materiais emitidos pelo Vulcão do Pico Alto, entre os Biscoitos e S. Brás, e provenientes da actividade do Vulcão dos Cinco Picos, de S. Brás ao Cabo da Praia. Refira-se que a freguesia dos Biscoitos está parcialmente recoberta por materiais da erupção histórica ocorrida em 1761. Os solos e o clima propiciam condições favoráveis à cultura da vinha, sendo esta uma marca distintiva da matriz paisagística desta parte da ilha Terceira.

O território concelhio é afectado por importantes estruturas de origem tectónica, destacando-se o graben das Lajes, de direcção noroeste-sudeste, uma extensa superfície aplanada que acolhe o Aeroporto Internacional das Lajes e onde se desenvolve a cidade da Praia da Vitória. A Caldeira de Guilherme Moniz, o Vulcão dos Cinco Picos e a Serra do Cume são os outros acidentes que marcam a orografia do concelho. Dos Biscoitos até à Agualva o relevo apresenta-se muito acidentado, registando altitudes médias bastante elevadas, nomeadamente a cota máxima do concelho (809 m) junto ao Pico Alto. O território remanescente corresponde a uma unidade mais homogénea que se estende por uma encosta de baixa altitude e de declive suave, com orientação sudoeste-nordeste, interrompida apenas pelas escarpas de falha do graben das Lajes e cujo ponto mais alto ocorre na Serra do Cume.

A rede hidrográfica apresenta-se bem estruturada sobretudo nas áreas onde os declives são mais acentuados: na Agualva e nas encostas sobranceiras à Serra do Cume. A maioria das linhas de água tem regime torrencial, excepto a ribeira da Agualva, de caudal permanente e onde existiram azenhas no troço terminal, actualmente desactivadas. No graben das Lajes e nos Biscoitos a drenagem superficial mostra-se bastante incipiente, devido ao fraco declive e à elevada permeabilidade do solo, respectivamente. Existem também diversas lagoas de pequena dimensão, sem grande importância hidrológica, como sejam a Lagoa do Negro e a Lagoa do Gingal, esta última bastante alterada pela intervenção humana. Na plataforma da Praia da Vitória o aquífero de base emerge à superfície do solo, formando pauis de grande interesse natural e conservacionista. Por sua vez, os diversos poços de maré existentes, fontes de abastecimento de água até a um passado recente, estão hoje abandonados, permanecendo como um vestígio que retracta a singularidade desta forma de aproveitamento dos recursos hidrológicos locais.

A linha de costa do concelho da Praia da Vitória, com cerca de 56 Km, mostra-se geralmente baixa e bastante recortada, formando diversas baías muito abertas interrompidas por pontas por vezes proeminentes. À excepção da baía da Praia da Vitória, onde ocorre o único areal da ilha, e um dos maiores do arquipélago dos Açores, a restante orla costeira é dominada por substratos rochosos. Das zonas balneares destacam-se ainda alguns portinhos e piscinas naturais, como o Porto Martins e Biscoitos, espaços de lazer muito procurados pela população na época estival.

Em termos paisagísticos, o Miradouro da Serra do Cume e a vista do Pico Alto oferecem as melhores panorâmicas do concelho. No primeiro observa-se a baía da Praia da Vitória e uma vasta extensão do interior da ilha até à Serra da Ribeirinha. Do Pico Alto obtém-se uma excelente vista da costa norte da Terceira. É também de registar as diversas cavidades vulcânicas existentes no concelho, como sejam as grutas dos Balcões, da Madre de Deus, do Natal, dos Principiantes e das Pombas.

Relativamente à conservação da natureza, cerca de um terço da área do Sítio de Interesse Comunitário (SIC) do Pico Alto e Serra de Santa Bárbara localiza-se no concelho em apreço, onde está «representada uma das maiores concentrações de elementos valiosos do património natural regional, devido ao número de espécies de flora endémica dos Açores, algumas em vias de extinção». Na Costa das Quatro Ribeiras, igualmente classificada ao abrigo da Rede Natura 2000 como Sítio de Interesse Comunitário (SIC), destacam-se as «características geológicas e geomorfológicas e a presença de vegetação natural de grande valor». Outros locais com estatutos de protecção neste concelho são a Reserva Florestal Natural Parcial do Biscoito da Ferreira, a Reserva Florestal Natural Parcial da Serra de Santa Bárbara e Mistérios Negros, assim como os Monumentos Naturais Regionais do Algar do Carvão e das Furnas do Enxofre. Estes dois últimos são exemplos únicos e representativos da geologia vulcânica das ilhas dos Açores.

Quanto à ocupação humana, desde o início do último século a população residente apresentou um crescimento contínuo até a década de 60, quando se atingiu um quantitativo máximo de 28.236 habitantes. Após esta data, a evolução demográfica começou a ser negativa, e desde 1981 que se mantém praticamente estável. Note-se que foi neste ano que a Praia da Vitória foi elevada à categoria de cidade. No XIV Recenseamento Geral da População de 2001 (INE, 2002), o município da Praia da Vitória registava 20.252 habitantes, o correspondente a uma densidade populacional de 124 hab/Km2. Com excepção de Santa Cruz e Lajes, que detêm maior peso populacional, as restantes freguesias deste concelho apresentam um efectivo semelhante de habitantes.

No mesmo ano registavam-se 6.314 famílias, que ocupavam 6.260 alojamentos familiares. No entanto, verifica-se uma discrepância entre o número de alojamentos familiares existentes (8.636), e os ocupados, que correspondem a 73 %. Este dado indica que uma fatia significativa do parque habitacional municipal é ocupada sazonalmente. A estrutura etária demonstra sinais de envelhecimento ao nível das faixas etárias mais baixas, nomeadamente entre os 0-9 anos, mas curiosamente uma percentagem significativa de jovens entre os 15 e os 24 anos. A preponderância dos indivíduos em idade activa e a proporção mais relevante de idosos do sexo feminino face ao sexo masculino são dados notórios.

A taxa de analfabetismo, que ascende a 9,6 %, é relativamente superior à média registada para a ilha (8,6 %), mas semelhante à regional (9,4 %). Contudo, em algumas freguesias do concelho a realidade é menos satisfatória, chegando a atingir 18 % da população com 10 e mais anos. Por outro lado, a taxa de actividade, que se situa nos 36,5 %, é significativamente inferior à média da Terceira (41,7%) e da região (42 %). A taxa de desemprego (5,3 %) apresenta um valor superior ao assinalado para a ilha (4,1%), embora inferior à média regional (6,4 %). No entanto, saliente-se que em cerca de metade das freguesias deste concelho não ultrapassa os 3,5 %.

No que diz respeito às actividades económicas, a população dedica-se essencialmente ao sector primário. Não obstante a pequena dimensão das explorações, cerca de 48 % do território concelhio destina-se à exploração agrícola. Destacam-se as culturas forrageiras, as hortas familiares, as culturas de citrinos, a vinha, os prados, as pastagens permanentes e os prados temporários. A pecuária, a indústria transformadora de lacticínios, a floresta de produção e ainda os serviços, sobretudo concentrados na cidade da Praia da Vitória, são outras actividades económicas de relevo.

O turismo parece assumir-se como um sector de crescente aposta por parte dos agentes económicos locais. Existem diversas actividades e atracções turísticas, nomeadamente percursos pedestres, visitas guiadas às grutas, pesca recreativa, mergulho, zonas balneares e golfe. Em 2005, o município possuía sete estabelecimentos hoteleiros, dos quais dois eram hotéis, um hotel-apartamento e quatro pensões. A capacidade de alojamento ascendia a 242 camas, o que representava 41,0 % e 8,4 % do valor assinalado para a Terceira e região, respectivamente.

Ao nível das principais infra-estruturas e equipamentos, a cidade da Praia da Vitória está servida por inúmeras acessibilidades e possui na sua área de jurisdição um excelente porto oceânico de grande importância económica para a ilha e para o arquipélago dos Açores. As instalações aeronáuticas e militares da Base das Lajes merecem especial destaque por desempenharem um papel importante não só em termos socioeconómicos mas também no âmbito estratégico a nível mundial. Em 2005, o concelho dispunha ainda de um recinto de cinema, cinco recintos culturais, uma galeria de arte, um centro de saúde com 11 extensões e quatro farmácias (SREA, 2006). João Mora Porteiro

 

Demografia Tratando-se de um concelho que pertence a uma ilha, a Terceira, onde existe apenas mais uma unidade administrativa da mesma natureza, o concelho de Angra do Heroísmo, parece-nos que seria vantajoso, na apresentação populacional da Praia da Vitória, fazer referência à sua evolução no contexto geral da ilha, o que acaba por evidenciar, ainda que de forma indirecta, a tendência do outro concelho e, consequentemente, as semelhanças e diferenças demográficas entre ambos. As desigualdades por vezes observadas a nível interno, em unidades de menor dimensão, como os concelhos ou as freguesias, têm, em nosso entender, uma importância distinta da registada entre as ilhas, já que não são configuradas pela descontinuidade territorial, mas que, ainda assim, merecem, como neste caso, uma referência um pouco mais circunstanciada.

O conhecimento da população depende, fundamentalmente, da informação censitária que, em Portugal, tem início no ano de 1864. É, pois, a partir desta data que podemos, com maior grau de fiabilidade, conhecer a dinâmica demográfica do país e das respectivas unidades administrativas e territoriais. Apesar de se terem verificado alterações metodológicas e a introdução de diferentes variáveis populacionais em diversos recenseamentos, que abarcam um período longo, de meados do século XIX ao final do século XX, os dados são, na maior parte dos casos, comparáveis. Tal não acontece se recuarmos para anos anteriores ao primeiro censo, quando as informações que conhecemos foram realizadas por entidades diversas e com objectivos específicos, que não os estritamente demográficos. Neste sentido, referimos apenas que no terceiro quartel do século XVIII, mais precisamente em 1766, quando começa a existir uma maior preocupação com o cômputo populacional, a Vila da Praia tem cerca de 10.000 habitantes. O quantitativo conhecido quase um século depois, mais precisamente em 1849, é bastante mais elevado, da ordem dos 15.000, valor que não se afasta do identificado uns anos mais tarde, em 1864, que é de 14.549 pessoas.

A evolução populacional do concelho da Praia da Vitoria no período censitário de 1864 a 2001 apresenta-se relativamente semelhante à observada na globalidade da ilha Terceira, o que demonstra a existência de alguma homogeneidade interna, pelo menos em grande parte do período. Apesar de ter um volume demográfico inferior ao do concelho de Angra do Heroísmo, mantêm-se sem grandes oscilações as diferenças relativas entre ambas as unidades concelhias. Se, no conjunto, a ilha varia entre, sensivelmente, os 45.000 e os 70.000 habitantes, o concelho da Praia regista quantitativos que oscilam entre os cerca de 15.000 e 28.000, o que corresponde a um peso demográfico entre os 30% e os 40%. Em termos globais, pode dizer-se que após o aumento observado no período de maior acréscimo, respeitante aos anos de 1950 a 1970, que na Praia da Vitória se faz sentir de um modo particular nos de 1960 e 1970, o peso relativo deste concelho regista valores percentuais idênticos aos anos anteriores, ainda que superiores aos verificados nos finais do século XIX e primeiras cinco décadas do século XX.

O Gráfico II, relativo às Densidades Populacionais, explicita o maior crescimento da Praia da Vitória no conjunto da ilha Terceira. Se a periodicidade é semelhante à da globalidade do arquipélago, que configura a tendência geral da evolução histórica regional, a ilha Terceira, e em especial o Concelho da Praia, exemplificam bem, em meados do século XX, as diferenças que justificam a pluralidade açoriana, na qual em momentos distintos se evidencia a singularidade local. No caso presente, a construção e funcionamento do Aeroporto das Lajes possibilitou um acréscimo demográfico mais significativo, principalmente de elementos do sexo masculino. Verifica-se, assim, em 1960, uma Relação de Masculinidade da ordem dos 105 homens para cada 100 mulheres, distinta, tanto da de anos anteriores, como da dos posteriores, inferiores a 100, isto é, mais conforme ao modelo padrão.

O aumento populacional entre 1920 e 1950 não se faz propriamente numa lógica de urbanização, aqui entendida em termos administrativos, ou seja, das freguesias da vila face às das zonas rurais, pois estas registam acréscimos mais significativos, fazendo com que a percentagem de habitantes da área urbana diminua ligeiramente. Sendo da ordem de 23% em 1864, passa naqueles anos para quantitativos de cerca de 20%. Já a partir dos anos cinquenta a situação é inversa, com valores que ultrapassam os 25% em 1960 e os 30% desde 1981, quando a vila da Praia da Vitória passa a cidade.

Se nas primeiras décadas estas diferenças são demograficamente justificadas pelo estancar da emigração, que se pode pensar que era maioritariamente originária do mundo mais ruralizado, como acontece noutras localidades dos Açores, já nos anos subsequentes acresce-se a estas a entrada de pessoas, tanto estrangeiras como nacionais, que reforçam o número de habitantes das freguesias urbanas. O predomínio destas mantém-se ainda dos anos oitenta até 2001, quando a população global do concelho diminui. Justificam-na, além do funcionamento do aeroporto internacional, a lógica de desenvolvimento urbano, esta especialmente visível nas últimas décadas do século XX, quando a mobilidade interna, designadamente no interior da ilha, se vai sobrepondo aos movimentos internacionais.

Se o desequilíbrio estrutural do género não foi nunca muito significativo neste concelho, e respeita em especial aos finais do século XIX e primeiros decénios da centúria passada, o mesmo não se passa com o etário, que regista uma tendência de duplo envelhecimento. Com efeito, numa óptica de longa duração, diminui o peso dos mais novos e aumenta o dos mais velhos, consequência, respectivamente, do declínio da natalidade e da mortalidade. Mas estas não são as únicas variáveis que influenciam as tendências do volume e da estrutura demográfica. As alterações da mobilidade, tanto na sua vertente de entrada como de saída reflectem-se também na configuração dos grupos funcionais, como se pode verificar nos anos de 1864, 1920, 1960 e 2001, os que, em nosso entender, melhor exemplificam as alterações da estrutura etária da globalidade do período. Na primeira data, estamos perante uma população duplamente jovem, na qual a importância relativa dos que têm menos de 15 anos é da ordem dos 28% e dos que têm 65 e mais anos de 5%. Cerca de sessenta anos mais tarde, em 1920, constata-se um aumento deste dois grupos etários, fundamentalmente devido à diminuição operada na população em idade activa que passa de 66,5% para 56,7%. Em 1960 dá-se a tendência inversa, aumentando a população com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos e, consequentemente, diminuindo a dos outros dois grupos. Se nesta data os idosos têm um valor percentual idêntico ao que registavam em 1864, já os jovens apresentam um quantitativo mais elevado. Em 2001 a situação é bem distinta das anteriores: os jovens não chegam a 20% da população total; os idosos quase atingem os 13% e os demograficamente activos são da ordem dos 67%, resultado, como referimos, da diminuição da natalidade, da mortalidade e da emigração, a que se acresce ainda a existência da imigração e de movimentos internos de entrada. Gilberta Pavão Nunes Rocha

 

Urbanismo O concelho da Praia da Vitória constitui o segundo em importância da ilha Terceira, a qual tem em Angra do Heroísmo o seu espaço territorial principal. Ocupa pouco mais de um terço da área norte e oriental da ilha, e tem como único centro urbano a histórica cidade da Praia da Vitória, na costa este ? isto para além da povoação da Base das Lajes, núcleo recente implantado em função no aeroporto, desde as décadas de 1940 e de 1950.

Inicialmente vila da fase de fundação e do primeiro povoamento da ilha Terceira, a Praia parece datar de cerca de 1480, constituída como vila, sendo séculos mais tarde engrandecida pela designação de Praia da Vitória, e vindo mais recentemente a elevar-se a cidade.

O seu nome original constitui um topónimo muito característico do processo urbanizador português, o qual valoriza frequentemente as designações, com base em formas naturais, dos locais a urbanizar ? caso de «Angra» (Açores), ou de «Bahia» (Brasil). Há, a esse propósito, outras «praias» que são cidades, como a actual capital de Cabo Verde, na ilha de Santiago, com esse nome desde a origem da sua fundação portuguesa.

Porém, no devir da história insular, a Praia terceirense, foi das urbes açóricas com história mais atribulada, nomeadamente devido às inúmeras catástrofes humanas e naturais, que a atravessaram e destruíram. Apenas para recordar os sismos mais destruidores, refiram-se os de 1614 e o de 1841, bem como o mais recente, de 1980.

A cidade da Praia é um claro exemplo da tipologia de urbe com uma malha irradiante, que corresponde a um aumento de complexidade da rede urbana, caracterizando-se por uma série de arruamentos que convergem num largo polarizador, embora admita a preponderância de uma dessas ruas como principal. O conjunto forma uma espécie de «leque» em planta, como a cartografia histórica representa.

Admitindo que na Praia os sucessivos sismos foram sobretudo demolidores do edificado mas pouco prejudicaram o desenho de arruamentos, largos e praças, será possível induzir que o traçado urbano da carta de 1805 se encontra próximo do da vila do século XVII, e provavelmente até do da fase quinhentista anterior.

A partir das considerações anteriores, pode tentar-se a análise da forma urbana da Praia, e, atendendo aos seus elementos históricos, urbanos e arquitectónicos, será possível dividi-la em 3 sectores:

                1 - um eixo central, fusiforme, e possivelmente espaço fundador da urbe, é constituído essencialmente por duas linhas de arruamentos e largos, segundo uma forma linear: de norte para sul, a sequência «A», das ruas de Borges Pamplona, de São Paulo e de Francisco Ornelas, desde o largo 1.º de Dezembro, atravessando a praça central da câmara (Praça capitão Francisco Ornelas da Câmara) e desembocando no largo João de Deus; e a sequência «B», formada pela travessa de S. Salvador, adro da Matriz, escadaria, rua da Matriz e rua de Serpa Pinto, desembocando junto ao antigo Convento de São Francisco (o qual, como habitualmente nas implantações mendicantes, se situa «fora de portas», no terreiro ou rossio à saída das povoações). Esta estrutura, assente em duas ruas sensivelmente paralelas, convergentes nas suas extremidades, configura a urbe tradicional mais elementar.

                2 - uma estrutura irradiante, a nascente do «fuso» descrito, é formada sucessivamente, também no sentido norte-sul, pelas ruas do Conde Vila Flor, do Dr. Rodrigues da Silva, do Monturo, de 5 de Outubro / Comendador João Carvalho, do 1.º Conde Sieuve de Meneses, e do Corregedor João Correia Mesquita. Divergindo todas a partir do largo 1.º de Dezembro e rua Borges Pamplona, são por sua vez atravessadas, no sentido nascente-poente, pelas ruas da Misericórdia, de Constantino Cardoso e da Alfândega. Este sector da Praia configura possivelmente a sua primeira área de expansão, claramente formada por uma malha mais densa (e ruas mais estreitas), possivelmente devido ao limite imposto pela presença do vasto paúl da vila, imediatamente adjacente a Este.

Esta estrutura também integra, junto à faixa litoral, as ruas e largos ligados a outras funções primordiais da povoação: a Alfândega, cuja rua rematava numa fortificação defensiva (actual largo Silvestre Ribeiro); e a Misericórdia (das primeiras do país, fundada em 1498), com a igreja do Senhor Santo Cristo e seu Hospital. Deste modo, é possível que, a par do «fuso» atrás descrito, esta área, polarizada entre Alfândega / Câmara e Misericórdia / Matriz, fosse igualmente inicial do plano urbano da Praia.

3 - uma retícula, mais espaçada e larga, dos arruamentos que se situam a poente da Matriz e da Câmara, configura já uma fase de crescimento posterior, como se pode confirmar pela observação da planta de 1805. De facto, a zona ocupada é constituída por quarteirões maiores, menos construídos e menos densos, sugerindo áreas de transição para o espaço rural, áreas estas pontuadas pelos conventos e mosteiros identificados na dita planta: Conventos de São Francisco e da Graça, e mosteiros de Jesus e da Luz.

Mantendo a orientação sensivelmente norte-sul, as principais vias desta malha em retícula são: rua do Evangelho, ladeira de S. Francisco e rua Dr. Alexandre Ramas; rua do Cruzeiro, rua do Conselheiro Nicolau Anastácio, largo de Jesus e rua da Graça; e, no limite poente do povoado, a rua do Hospício (ou Gervásio Lima), o largo do Conde da Praia da Vitória e a rua Mateus Álvares. Perpendicularmente, as ruas estruturantes são: a antiga «Rua Nova», de Jesus (ou da República), e a rua de São Salvador.

A via fulcral deste «novo» sistema, possivelmente criado e desenvolvido nos séculos XVII-XVIII, deverá ter sido a rua Nova ou de Jesus, não só por articular territorialmente a vila com o caminho para Angra (o mapa de 1805 aponta claramente o «caminho de cima para a cidade»), como porque está apontada, de forma directa e rectilínea, à praça municipal (no sentido poente-nascente) ? como ainda porque contém dois mosteiros importante (de Jesus e da Luz). Ainda hoje, percorrendo o seu trajecto, pedonal, se podem apreciar as construções habitacionais, com as varandas de reixa e uma ornamentação classicizante, que lhe confere a expressão arquitectónica geral seis-setecentista.

Em síntese, parece haver na Praia a marca persistente de um traçado urbano organizado segundo duas direcções principais, que se cruzam no «núcleo» câmara-matriz: a direcção norte-sul, onde encontramos delineado o «fuso» dos dois arruamentos que ligam Câmara e Matriz, e culminam no sítio franciscano, definindo uma área de expressão funcional «administrativa/comercial»; e a direcção poente-nascente, que, pela rua Nova, liga arrabaldes e mosteiros à praça municipal (num sector dominantemente «residencial»), prosseguindo depois pela rua da Alfândega até um sector funcionalmente mais «portuário» e «marítimo», junto à Misericórdia.

O povoado moderno da chamada Base das Lajes, de origem anglo-americana, constitui um exemplo de pequena cidade-jardim, criado ao gosto anglo-saxónico ? e certamente com significativa interferência lusitana ? ao longo das décadas de 1940, 1950 e 1960. O campo de aviação criado na época obrigou à implantação de uma estrutura urbana de apoio anexa (com habitação, equipamentos e infra-estruturas), sobre a Serra de Santiago, que se desenvolveu gradualmente, segundo a orientação NO-SE, espartilhada entre a pista a norte e a baía do Zimbral a sul.

O seu traçado, de desenho «orgânico», não só se justifica pelas características tipologias formais das «cidades-jardim» da teoria urbanística internacional dos meados do século XX (compare-se com o desenho análogo da contemporânea «Cidade do Aeroporto» na ilha de Santa Maria), como também pela acidentada morfologia do terreno disponível, que propiciava a distribuição irregular dos edifícios e espaços construídos.

Os outros núcleos concelhios, antigos, todos de pequena dimensão e carácter rural, distribuem-se pelas sucessivas freguesias, seguindo o habitual «cordão linear» paralelo à costa, na sua proximidade, e apresentando cada um, em geral, um pequeno largo central dotado de «Império»: Biscoitos, Quatro Ribeiras, Agualva, Vila Nova, São Brás, Lajes, Fontinhas ? e, a sul da cidade, mais elementares, os povoados de Fonte do Bastardo e de Cabo da Praia, com o singelo espaço litoral de Porto Martins. José Manuel Fernandes

 

Arquitectura Para bem caracterizar a arquitectura deste concelho, deve referir-se serem as suas freguesias das que mais mantêm a persistente religiosidade açoriana, expressa nas festividades vernáculas dos Impérios do Espírito Santo ? com destaque para os festejos primaveris no largo central da freguesia das Lajes. Aqui, o tríptico habitual da Igrejinha, do Império e da Despensa ? os três edifícios primordiais da religiosidade popular e festiva açórica ? dialogam entre si de modo muito equilibrado.

Por outro lado, sente-se a força da ruralidade das Lajes, que atravessa ainda os largos espaços, planos e extensos, que divisamos nesta área ? embora hoje esta força seja mais próxima da de outras áreas das ilhas, quer pela ocupação comum das pastagens, quer pelos muito abandonados campos de anterior vocação agrícola.

De facto, situa-se aqui a famosa sub-região do Ramo Grande cujas explorações agrícolas, promovidas por uma verdadeira «classe média lavradora», permitiu a construção de belíssimas casas rurais, sobretudo no século XIX (feitas de uma arquitectura de «basalto e cal», a «preto e branco» ? muito sóbria mas bem desenhada, com dois pisos e balcão com escada, de muros debruados a pedra negra trabalhada). Há exemplos nas Lajes, na rua Padre Gregório Rocha, na rua Padre Lourenço Ávila, etc..

Muitos outros edifícios das várias freguesias, em contextos rurais, atestam a qualidade da arquitectura doméstica terceirense, seja em volumes térreos ou com dois pisos, onde prima a qualidade do trabalho em pedra, o desenho elegante dos vãos (frequentemente com verga curva), o contraste das paredes brancas e molduras negras, o sentido das proporções e as belíssimas chaminés tradicionais, de perfil triangular, designadas «de mãos postas». Apenas para citar alguns exemplos, podem referir-se:

                - a casa na Canada do Barreiro, com uma edificação linear, longa, de dois pisos (séculos XVIII-XIX);

- a casa térrea na rua Nova das Fontinhas, de tipo linear, e com graciosa chaminé «de mãos postas»;

                - a casa rural de planta em «L», na estada das Fontinhas, térrea e de graciosos desenhos decorativos sobre os vãos;

- a casa na rua Padre Lino Fagundes, nas Lajes, com dois pisos e cobertura de 4 águas, com enorme chaminé;

- a casa de João Martins, na mesma rua das Lajes, de planta em «L», com dois pisos e vãos verticamente ligados por peças de pedra;

- a «Casa do Espanhol», de dois pisos, na Caldeira da Lajes, com elementos provenientes do século XV;

- a casa do Caminho de São Brás, às Pias, com dois pisos, em «L», com duas séries de vãos de verga curva;

- a casa térrea, na Ribeira da Areia, Vila Nova, constituindo uma casa de tipo linear, em «L», com balcão de pedra, corrido, na frente da habitação.

Outros edifícios das freguesias, religiosos e habitacionais, constituindo conjuntos coerentes com os espaços públicos que servem, podem ser destacados:

- a igreja e o «império» do largo Comendador Pamplona, em Porto Martins;

- o largo e a igreja de Santa Catarina, no Cabo da Praia, no caminho para Porto Martins;

- o «império» de Vila Nova, centrado no terreiro da povoação, e envolvido pelas várias casas de dois pisos;

- a Igreja de Santa Beatriz e o «império» fronteiro, nas Quatro Ribeiras;

- as casas («chalets» e casas de platibanda), com o «império», no Caminho do Concelho, nos Biscoitos.

Os edifícios principais da cidade da Praia da Vitória correspondem aos equipamentos marcantes da sua evolução histórica, que as convulsões naturais não conseguiram mesmo assim apagar. Podem referir-se:

                - os vestígios do Convento de São Francisco, nomeadamente arcaria original do claustro;

                - a Ermida de Nossa Senhora dos Remédios, de desenho simples e datada de 1616;

                - os vestígios do Convento de Nossa Senhora da Luz, consistindo num corpo de planta rectangular com arcadas, correspondendo a um lado do antigo claustro;

                - os vestígios do antigo Convento de Jesus, consistindo em algumas arcadas de basalto dentro de um espaço comercial do largo de Jesus;

                - o Posto da Guarda Fiscal, em edifício de dois pisos datando de 1844;

                - o vasto conjunto do Hospital e Igreja da Misericórdia da cidade, com datações de 1806 e de 1921, sendo o claustro central um vestígio de construção antiga, enquanto a igreja foi reerguida já no século XX;

- a «Casa das Tias», habitação de dois pisos, arruinada, fronteira à igreja da Misericórdia, e datando do século XIX (tradicionalmente ligado à família de Vitorino Nemésio), apresentando a fachada uma série de vergas curvas no piso superior;

                - o edifício da Câmara Municipal, representativo da tipologia de «casa de câmara e cadeia» nas ilhas, com escadório duplo simétrico na fachada, rematando superiormente num alpendre coberto, e com torre lateral; apresenta obras do século XV ao XVIII, e datação da torre sineira de 1596;

                - a igreja matriz da cidade, preciosa construção com elementos do princípio do povoamento da ilha (nomeadamente portais, de desenho gótico e manuelino, em pedra clara do continente), sucessivamente reconstruída; exibe inscrições com datas de 1456, de 1517, de 1810, e de 1841-43;

                - as ermidas de São Lázaro e de São Salvador, dos séculos XVII-XVIII;

                - o antigo Forte de Santa Catarina, com origem quinhentista, na área da nova doca e porto da cidade.

Deve destacar-se (para além de inúmeros edifícios urbanos isolados), no centro principal da cidade, o conjunto de edifícios de habitação ao longo da rua de Jesus (n.os 45, 71-75, 77/79, 87/91, 93/101 e 123/129, com especial homogeneidade) ? na maioria com dois pisos e longas varandas de sacada corridas, no piso superior, em madeira ou em ferro. São construções decorrentes do crescimento urbano dos séculos XVIII e XIX.

Ainda na cidade, e datando do século XX, podem mencionar-se alguns exemplos, embora escassos:

                - a Escola Primária da rua Serpa Pinto, de 1931, num desenho ainda herdeiro de Oitocentos, com vãos estreitos e altos, moldurados a pedra;

                - a ampliação da Escola Secundária, na área de expansão urbana, pelo arquitecto José Lamas, de cerca de 2000;

                - o novo hotel, junto à marginal litoral, já do início do século XXI.

Infelizmente, a arquitectura de equipamentos mais recente não tem sabido qualificar a cidade, como é o caso do novo edifício do Centro Cultural e Auditório Municipal, de volumes e formas pesadas e sem proporção.

No bairro da Base das Lajes podemos destacar alguns edifícios das décadas de 1940-1960: o edifício do Terminal Militar, a antiga gare, dentro da chamada «arquitectura do Estado Novo», com vãos solenes e neo-tradicionais em basalto negro (projectada pelo capitão-engenheiro Gabriel Constante Júnior, em 1947, com painel cerâmico por Querubim Lapa, de 1962); a Ermida de Nossa Senhora do Ar, igualmente de gosto tradicional, dotada com arcaria e beiral (inaugurada em 1951), situada num largo amplo e ajardinado; nas áreas dos bairros residenciais podem apreciar-se as casas dos comandantes militares (no gosto de «Casa Portuguesa» regional, com decorativos arcos, beirais e alpendres), bem como as sequências mais simples de casas «para os sargentos»; e até as casas térreas, onde ainda assim uma ou outra volutazinha recorda este gosto tradicionalista que imperou no Portugal dos anos 1940-1950.

Percorra-se ainda a curiosa rua 25 de Abril, que liga a Base à cidade da Praia, e vejam-se os blocos residenciais muitíssimo «anos 50», inventivos e um pouco decadentes, que a povoam ao longo de quilómetros. José Manuel Fernandes

Fontes. Recenseamentos da População ? 1864 a 2001.

 

Bibl. AA VV (2000), Arquitectura Popular dos Açores. Lisboa, Ordem dos Arquitectos. Arquitectura do Ramo Grande (2005). Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, Terceira, 2005 (opúsculo-catálogo de exposição, coord. Jorge Bruno e João Vieira Caldas). Costa Júnior, F. J.; Monjardino, J. I. A.; Drumond, F. F. (1983), Memória Histórica do Horrível Terramoto de 15.IV.1841 que assolou a Vila da Praia da Vitória. Praia da Vitória, Câmara Municipal da Praia da Vitória. Fernandes, J. M. (1996), Cidades e Casas da Macaronésia. Porto, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Ferreira, M. (1997), A simbologia do Açor na heráldica dos Municípios Açorianos. 2.ª ed., Ponta Delgada, edição do autor: 165-71. Instituto Nacional de Estatística (2002), XIV Recenseamento Geral da População. Lisboa, Instituto Nacional de Estatística. Madeira, A. B. (1999) População e emigração nos Açores (1766-1820). Cascais, Patrimonia Histórica. Meneses, A. F. (2001), As Lajes da Ilha Terceira Aspectos da Sua História. Angra do Heroísmo, Blu Edições. Mota, V. (1998), Misericórdia da Praia da Vitória Memória Histórica 1498-1998. Praia da Vitória, Santa Casa da Misericórdia da Praia da Vitória. Planta da Bahia da Villa da Praia, para Intiligencia do Molhe e Projecto do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de S. Lourenço Governador e Capitão General da Ilhas dos Açores, Angra 1805 (s.d.), in Biblioteca Nacional (cota D99R), ed. facsimilada pelo Instituto Açoriano de Cultura e Santa Casa da Misericórdia da Praia da Vitória. Praia da Vitória Terceira ? Inventário do Património Imóvel dos Açores (2004). Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura. Rocha, G. P. N. (1991), Dinâmica Populacional dos Açores no século XX ? unidade. Permanência. Diversidade. Ponta Delgada, Universidade dos Açores. Rocha, G. P. N. & Madeira, A. B. (2003), Informação demográfica nos Açores oitocentistas in Actas do Colóquio, Ernesto do Canto: retratos do homem e do tempo. Ponta Delgada, Universidade dos Açores/Centro de Estudos Gaspar Frutuoso, Câmara Municipal de Ponta Delgada: 403-424. Rocha, G. P. N. & Rodrigues, V. L. G. (1983), A população dos Açores no ano de 1849. Arquipélago, número especial, Ponta Delgada: 333-386. Serviço Regional de Estatística dos Açores (2006), Anuário Estatístico da Região Autónoma dos Açores de 2005. Serviço Regional de Estatística dos Açores. Angra do Heroísmo.