Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

partidos políticos (conceito e evolução histórica)

O conceito moderno de partido político só surgiu no século XIX. Nalguns países apareceu logo por volta de 1830, mas na maior parte da Europa e, em particular, no caso de Portugal, foi no final daquele século que as organizações políticas deixaram de ser meros clubes, associações de indivíduos ou de facções, representativas de correntes de opinião existentes na sociedade, que se reuniam com alguma regularidade para delinear estratégias de influência política e de acesso ao poder. A fluidez ideológica deste tipo de agrupamento, o carácter geralmente transitório, a unidade com base em interesses pontuais e princípios relativamente vagos não lhes permitiam ter a necessária consistência para fazerem parte de um sistema político cada vez mais exigente e organizado, estreitamente associado à multiplicação das funções do Estado e ao desenvolvimento da participação dos diversos grupos sociais nos regimes políticos. Os partidos políticos modernos são, por um lado, uma consequência do crescimento urbano e das sociedades massificadas e, por outro lado, uma necessidade que decorre da própria evolução dos sistemas políticos, os quais têm de encontrar meios para formar as opiniões públicas, exprimir as posições dos vários grupos socioeconómicos e dar-lhes expressão no plano do poder político institucionalizado. Assim sendo, poderíamos definir o partido político moderno como um grupo organizado e hierarquizado, com linhas programáticas delineadas e estratégias, que se vão reconfigurando, para atingir e exercer o poder. A sua esfera de influência e de acção ultrapassa a dos seus dirigentes, tanto em termos temporais como espaciais. Contudo, este facto não impede que o papel dos dirigentes seja fundamental e que a rede de clientelas, estabelecida com base nas relações pessoais dos seus membros, não assuma um peso significativo no respectivo funcionamento. A unidade do partido é mantida através da ideologia comum, ou seja do conjunto de concepções, valores e atitudes, que são susceptíveis de identificar os seus membros, apesar dos símbolos, dos rituais colectivos e da disciplina partidária também desempenharem um papel decisivo neste processo. A organização é essencial num partido moderno e seria mesmo, segundo M. Duverger, a sua marca identificadora. De modo geral, podemos considerar que se estruturam em três níveis: as bases, o sector intermédio e os órgãos centrais, que têm funções deliberativas, executivas e jurisdicionais. Esta estrutura organizativa tem uma base geográfica, que se pode identificar com a própria organização político-administrativa do Estado ? estruturas concelhias, distritais ou provinciais ?, e uma base sócio-profissional que se estende pelas empresas e pelos organismos de cariz profissional. Uma estrutura partidária é um sistema de relações em que cada indivíduo é avaliado pelo seu grau de participação e de autoridade. Quanto aos níveis de participação podemos distinguir os simpatizantes, que fazem parte de uma esfera flutuante, os cotizantes, indivíduos regularmente inscritos que pagam as cotas, e os militantes, directamente envolvidos nas actividades partidárias. Entre estes últimos pode destacar-se, ainda, os que desenvolvem actividade partidária permanente, uma parte dos quais tende a profissionalizar-se e a fazer parte dos quadros de funcionários, e os que têm um desempenho mais irregular, pautado geralmente pelas conjunturas eleitorais. De forma genérica, as funções principais dos partidos consistem em definir o programa, realizar a propaganda, mobilizar os eleitores, formar o pessoal político e desencadear todas as acções necessárias para intervir na sociedade e no sistema político. Numa sociedade cada vez mais mediatizada, a intervenção política confunde-se, por vezes, com a visibilidade dos partidos e dos seus dirigentes nos órgãos de comunicação social. Porém, esse é somente um dos aspectos que caracteriza a actividade dos partidos, quiçá hoje um dos mais decisivos em termos de conquista dos eleitorados, mas de modo nenhum o mais importante para o funcionamento dos regimes políticos democráticos. Estes dependem da capacidade dos sistemas partidários para manter a estabilidade política, a eficácia da governação e o valor da representação dos diversos grupos da sociedade.

A história dos partidos políticos em Portugal tem de ser vista no quadro dos vários regimes políticos e as suas origens prendem-se com a implantação do liberalismo. Assim, depois de um período conturbado e de guerras civis, a acalmia política da Regeneração permitiu que a Monarquia Constitucional se afirmasse como um regime constituído por «partidos de notáveis», que tinham o seu centro na capital do país e uma rede de influentes locais que manipulavam o jogo eleitoral. Não se tratava de estruturas partidárias rígidas, mas de «coligações mais ou menos coesas de redes dispersas de notáveis locais, agregadas segundo uma lógica de cooperação vertical e orientadas para o controlo e a distribuição particularista dos recursos do centro político» (Almeida, 1991: 122). A fluidez da sua organização tem como corolário ideologias, programas e fundamentos doutrinários igualmente imprecisos. Eram agremiações muito voltadas para a luta eleitoral e para a distribuição de benesses aos partidários. Os dois maiores partidos monárquicos alternaram no poder, durante um período, sem que os cidadãos pudessem realmente distinguir as suas políticas, o que levou o sarcástico Guerra Junqueiro a escrever que eram «iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero» (Junqueiro, 1996: 187). Algumas destas características mantiveram-se na República, se bem que em termos organizativos e mesmo ideológicos houvesse uma tendência para uma definição das estruturas e do programa mais clara. Os influentes e os caciques continuaram a dominar a política nacional. A expansão das manifestações colectivas e de massas, sobretudo nos centros urbanos, a crescente importância da militância política e das milícias, marcada pela agressividade e a violência, a confusão partido-máquina eleitoral, que já vinha da monarquia, e a incapacidade do sistema partidário para se regular de modo a garantir o necessário equilíbrio político conduziram ao descrédito dos partidos e do regime parlamentar e abriram o caminho às ditaduras de partido único. A pluralidade dos partidos e a liberdade de associação e de opinião política deram lugar aos regimes autoritários e fascistas, cujos partidos são uma emanação do Chefe e este, por seu lado, se considera o legítimo representante do Povo. Em Portugal, a ditadura criou a União Nacional, em 1930, que pretendia ser mais do que um partido, uma associação nacional e patriótica que serviria de caixa de ressonância das políticas do regime e de provável base de recrutamento dos seus quadros. Apesar de não se afirmar como partido, a União Nacional desempenhou esse papel e foi depois substituída pela Acção Nacional Popular, em 1968, no consulado de Marcello Caetano. Os outros partidos foram proibidos e o Estado Novo afirmava-se como um regime que assentava numa «base não partidária, isto é, o Governo governa sem partidos» (Salazar, «Discursos», cit. Canotilho, 2000: 34). O golpe de estado de 25 de Abril de 1974 permitiu repor o sistema partidário. Na Constituição de 1976, o artigo 47.º, que passou a 51.º na revisão de 1982, com a mesma redacção, estabelece: «a liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político». Os partidos políticos foram, deste modo, consagrados em termos constitucionais e passaram a dispor de enquadramento legal, através da lei orgânica e da lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Ambas têm sido objecto de revisões e de alterações, revelando-se a segunda especialmente polémica e complexa para o sistema político-partidário. No artigo 1.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, define-se a função político constitucional dos partidos nos seguintes termos: «os partidos políticos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política». De acordo com este artigo não é permitido constituir partidos que pugnem pela secessão de qualquer parte do território do Estado português. Entre os fins dos partidos políticos, enunciados no artigo 2.º, é conferido um relevo especial ao esclarecimento da opinião pública e à formação e preparação política dos cidadãos. Atribuiu-se, por conseguinte, aos partidos um papel pedagógico e cívico que se articula com uma intervenção activa a favor das liberdades, do pluralismo e da democracia. Destaca-se também a necessidade de «estudar e debater os problemas da vida política, económica, social e cultural, a nível nacional e internacional», de tal modo que a apresentação de programas de governo e de candidaturas eleitorais surge, no contexto do artigo, como uma parte das finalidades dos partidos (e não um fim em si mesmo). Os princípios que devem reger os partidos são os da liberdade, da democracia, da transparência e da cidadania, isto é, só os cidadãos titulares de direitos políticos podem integrar os partidos políticos. Simultaneamente, não são consentidos partidos políticos que ponham em causa a ordem constitucional democrática, ou seja, partidos armados ou de tipo militar, racistas e de ideologia fascista (artigo 8.º). Também não são permitidos partidos de «índole ou de âmbito regional» (artigo 9.º), o que está de acordo com o princípio da unidade do Estado, já citado. Finalmente, importa referir que para se constituir legalmente um partido em Portugal é preciso inscrevê-lo no registo existente no Tribunal Constitucional. A inscrição tem de ser requerida por, pelo menos, 7500 cidadãos eleitores. O requerimento precisa de ser acompanhado do projecto de estatutos, da declaração de princípios ou programa político e da denominação, sigla e símbolo do partido, incluindo o nome completo, o número do bilhete de identidade e do cartão de eleitor de todos os signatários. Se mais não houvesse, estas prescrições e os 41 artigos que compõem a lei orgânica actual mostram que já estamos longe das organizações fluidas de Oitocentos. Os partidos tornaram-se organizações complexas e exigentes, dispendiosas e dependentes da angariação de avultadas receitas, com custos na transparência e na idoneidade do sistema partidário. Ao mesmo tempo, nos sistemas bipartidários, em que alternam no poder os dois maiores partidos, ou nos sistemas multipartidários, em que se verifica uma tendência para a instabilidade ou para a formação de grandes partidos catch all que se tornam dominantes, nota-se uma crescente insatisfação com os partidos e um desinteresse dos cidadãos pelos sufrágios eleitorais que se traduz na abstenção. Surgem, por isso, outras formas de participação política, na margem dos partidos ou em paralelo, e formas de contestação e de ruptura dos cidadãos com o sistema político-partidário. Contudo, não se conseguiu ainda criar uma verdadeira alternativa a um modelo que, apesar de imperfeito, é o resultado de quase dois séculos de transformações e o que se tem revelado mais capaz de garantir a liberdade dos cidadãos. Maria Isabel João

Século XIX Na primeira metade do século XIX, mesmo depois de implantado o liberalismo, não existiam partidos políticos no conceito que hoje os temos de estruturas permanentes, organizadas e obedecendo a programas. Usava-se a palavra «partido» para designar um grupo, uma tendência ou meramente uma opinião e por isso os grupos formados à volta de uma corrente de opinião, de uma ideologia ou de uma ideia eram conhecidos por «partidos».

Nos Açores, no vintismo, dentro deste conceito de «partido» podemos distinguir alguns grupos que se confrontavam e debatiam, inspirados pela ideologia liberal e com propósitos de alteração da situação política, cujas origens se confundem com a da Maçonaria nas suas organizações primitivas, as sociedades secretas. Em Angra, por exemplo, foi em sociedade secreta que se preparou o golpe militar de Abril de 1821, que numa primeira fase destituiu o capitão-general e formou um governo interino de efémera duração.

Em Ponta Delgada, o grupo de elite micaelense que iniciou nos Açores, com a revolta de 1 de Março de 1821, o movimento para ligar as ilhas às cortes liberais de Lisboa, onde pontificavam, sem dúvida, liberais e maçons, era bem mais eclético e com fronteiras ideológicas esbatidas, pois o móbil principal era a independência da ilha de S. Miguel do jugo da Terceira e do capitão-general.

O vintismo açoriano oscilou entre entusiasmos ideológicos comandados essencialmente por gente vinda de fora, magistrados, militares e emigrados e interesses típicos da rivalidade entre ilhas, que apoiando-se no poder político das Cortes Constituintes pretendiam acabar com o centralismo político da Capitania-Geral e dividir o arquipélago em três unidades político-administrativas, como conseguiram, aliás.

Estes grupos, que levaram avante tais estratégias, em Ponta Delgada e Horta e que em Angra lutaram para afastar o capitão-general e para implantarem um governo liberal, são, evidentemente partidos, podendo-se também, dentro do conceito inicialmente invocados, dizer que formavam partidos os defensores do absolutismo régio, da Capitania-Geral ou da ligação das ilhas ao governo de D. João VI no Brasil e não ao poder das Cortes, em Lisboa.

A falta de sedimentação ideológica de tais «partidos» explicara a facilidade com que desistiram dos seus intentos, em 1823, quando, depois da Vilafrancada, o governo de D. João VI decidiu revogar as leis das Cortes e restabelecer de novo a Capitania-Geral. Não houve protestos significativos, mas também é verdade que os propósitos de «independência» política, principalmente dos micaelenses, não desapareceu. Limitou-se a esperar outra oportunidade.

A morte de D. João VI, em 1826, permitiu finalmente que o sucessor, D. Pedro, então já imperador do Brasil, outorgasse uma Carta Constitucional ao Reino de Portugal e iniciasse de facto a implantação de um regime político de cariz liberal moderado por via reformista. O desejo de um arranjo político feito com D. Miguel para uma convergência de absolutistas e liberais sob a coroa de D. Maria II pressupunha que todos passassem a ser «cartistas», uma espécie de partido único tendo como fim os interesses nacionais.

Era um sonho irrealista evidentemente.

Nos Açores, entre 1826-1828, o cartismo implantou-se sem dificuldades mas não com raízes, a avaliar a facilidade e o entusiasmo com que todos aclamaram D. Miguel nesse último ano, como rei absoluto e pretenderam enterrar a Carta Constitucional e o que ela significava.

O golpe de 22 de Junho de 1828 em Angra, para repor a legalidade da Carta, feito e sustentado pela tropa de Caçadores 5 foi, inicialmente pelo menos, feito por um grupo ou um partido de gente não açoriana, com a excepção, aliás significativa, de Teotónio de Ornelas Bruges.

A Terceira transformou-se no único ponto de resistência dos liberais em território nacional e com a chegada a Angra de muitos dos emigrados liberais de Inglaterra e de França ao longo dos anos de 1828-1832 transferiu-se para aqui e depois para as outras ilhas, principalmente S. Miguel, as tendências ou os «partidos» que se iam formando entre os liberais. Eram principalmente dois grupos, aqueles que se chamavam de amigos de D. Pedro, conservadores e reconciliadoras dos portugueses e que se podem designar por cartistas e cujo chefe era, senão o próprio D. Pedro, pelo menos o futuro duque de Palmela. Aqueles outros que vinham em termos ideológicos do vintismo puro e duro, defensores da Constituição e da soberania popular, que acabaram por se acantonar à volta de Saldanha, no exílio em França e que se opunham determinadamente aos governos formados por D. Pedro e até ao próprio «imperador».

Assim, cartistas e saldanhistas digladiavam-se e só se continham com os olhos postos nas dificuldades de momento e nas incertezas da guerra civil.

Nos Açores, uns e outros, iam conquistando adeptos locais conforme o poder da regência se consolidava e ambos se preparavam para o embate político depois da vitória. Com a saída do Exército Libertador as duas tendências organizaram-se em lojas maçónicas, que na prática eram os partidos que alimentavam a política.

Em Angra, a loja 11 de Agosto, de filiação saldanhista estava já em funcionamento em 23 de Setembro de 1832 e era hegemónica pois os cartistas só mais tardiamente se haviam de organizar aí por volta de 1836 na loja carvalhista União e Valor, o que explica a força local dos saldanhistas, também conhecidos por radicais e reformistas, como eles próprios se intitulavam, sublinhado a sua vontade de reformar a Carta.

Em Ponta Delgada, pelo contrário, a primazia foi para os cartistas que obedecendo a Silva Carvalho, instalaram a loja União Açoriana (20 de Junho de 1832). Eram conhecidos na gíria local por «os porcos», em alusão aos interesses de proprietário alentejano do seu chefe. Os saldanhistas formariam a loja Dois de Agosto (1832) e eram tratados por «os gatos» em alusão à ingratidão destes animais, semelhante à que eles devotavam a D. Pedro.

Na Horta, a primazia foi também para os cartistas que fundaram, ainda em 1832, a loja carvalhista Amor da Liberdade.

Pelo que se conhece do funcionamento destas lojas elas procuravam influenciar o poder político e alterar as decisões governamentais, em favor dos seus interesses, mas tinham como opção de fundo iniciar, mesmo ainda quando o Exército Libertador estava cercado no Porto, a preparação do futuro Parlamento a fim de obterem maioria de deputados da sua conveniência política.

Com a vitória liberal no continente e com a montagem do Estado Liberal e suas instituições as lojas açorianas que assistiram à saída dos chefes «emigrados», foram-se «açorianizando» e nasceram os chefes políticos locais que se tornaram em caciques e senhores poderosos na política.

As eleições de 1834 para os deputados às Cortes e os seus resultados são um bom barómetro para avaliar o peso relativo de cartistas e saldanhistas.

Na Província Ocidental, cuja capital era Ponta Delgada, a vitória dos cartistas, já então chefiados por Duarte Borges, futuro visconde da Praia, era o resultado da primeira implantação da maçonaria carvalhista. Os saldanhistas que tinham por chefe local Manuel Medeiros Albuquerque, o barão das Laranjeiras, nas intercalares de 1835 mostravam pela primeira vez a sua força elegendo o deputado do lugar em disputa.

Na Província Central, com capital em Angra, mas abrangendo todas as outras ilhas, predominavam os saldanhistas, cujo chefe era Teotónio de Ornelas Bruges, visconde de Bruges, mas eram obrigados a maiores cedências, principalmente aos cartistas da Horta chefiados por António José de Ávila, que seria eleito.

Os cartistas em Angra não tinham chefe claro e o nome de Januário Camacho, governador do bispado, era a sua figura de proa, o que não quer dizer que ele fosse um chefe incontestado e poderosos como Teotónio de Ornelas.

A tendência da organização política partidária nos Açores do liberalismo monárquico foi para seguir as linhas de força dos seus congéneres nacionais, onde se integravam, mas por bastante tempo a esquerda liberal, os saldanhistas, que a partir da revolução de Setembro de 1836 passaram a designar-se por setembristas, predominaram e a sua elite mais aguerrida organizou-se à volta da Carbonária, em Angra, com a Barraca de 22 de Junho, cujo chefe era Teotónio de Ornelas Bruges e em S. Miguel em a barraca Segurança, cujo chefe era Manuel Medeiros Albuquerque e na Horta a barraca Vigilância.

O cartismo vivia sobretudo da força que lhe advinha do poder dos governos, até à revolução de Setembro e se em S. Miguel tinha um chefe claro, um Duarte Borges, na Terceira não conseguia impôr uma liderança local. Era o governador civil que os sustentava politicamente.

A partir de 1840, com o cabralismo, nascido da traição aos ideais setembristas por Costa Cabral, também nos Açores a orgânica partidária sofreu ajustes de monta. Os cartistas dividiram-se entre os adeptos de Costa Cabral, ou cabralistas ou cartistas da linha dura e cartistas moderados, enquanto os setembristas ou reformistas se mantiveram unidos à volta dos seus chefes tradicionais. Setembristas e cartistas moderados uniram-se contra os cabralistas e não desdenharam de chamar em seu auxílio os legitimistas ou seja os antigos absolutistas ou miguelistas que agora se reorganizaram e aceitaram entrar na luta política com as regras constitucionais.

O golpe da Regeneração, em 1851, trouxe uma profunda reorganização partidária com um entendimento entre os moderados de ambas as tendências e com exclusão dos extremistas de ambas as partes, que passaram a viver de uma quase clandestinidade política. A reforma da Carta em 1852 pretendeu satisfazer ambas as partes e reorganizar a vida política e parlamentar trazendo a normalidade e o funcionamento pacífico das instituições.

Os cartistas, ou a direita, foi a primeira a organizar-se num partido já com estrutura permanente e programa. Nasceram os Regeneradores, que montaram as suas estruturas nos três distritos em que as ilhas se haviam dividido administrativamente desde 1836. Nasciam novos chefes políticos, jovens, carismáticos e imbuídos das ideias da Regeneração. Em Ponta Delgada a família Borges Coutinho, os agora marqueses da Praia e Monforte, continuavam a ter uma forte influência na direita, mas a chefia dos Regeneradores seria entregue aos Jácome Correia, primeiro Pedro e depois seu irmão José, conde de Jácome Correia. Em Angra, um jovem bacharel em Direito, de uma família ilustre da cidade, José Maria Sieuve de Meneses, futuro conde de Sieuve de Meneses, organizou o Partido Regenerador e fundou um jornal, porta-voz dessa nova política, A Terceira, cujo primeiro número saiu em 1859. Na Horta, com organização um pouco mais tardia, os regeneradores também acabaram por se estabilizar.

O êxito dos regeneradores foi assinalável e vieram para ficar, transformando-se em todos os distritos, mas principalmente em Angra do Heroísmo no mais forte e mais poderoso dos partidos do constitucionalismo monárquico.

A esquerda teve mais dificuldade em se adaptar às novas realidades. Os velhos setembristas não se reviam com facilidade na reforma da Carta Constitucional e as suas sensibilidades aceitavam dificilmente uma fusão num partido de esquerda unida para combater politicamente os reformadores. Até ao Pacto da Granja, em 1876, a esquerda havia de continuar dividida entre os Históricos do Marquês de Loulé e os reformistas, que nesse ano se transformaram nos Progressistas.

Nos Açores, os Históricos mostravam mais força, mas só com a fundação do Partido Progressista, que montou estruturas nos três distritos é que se pode dizer que estavam prontos para o bipartidarismo típico do rotativismo.

Em Ponta Delgada, com a morte de Manuel Medeiros Albuquerque, em 1847, a chefia da esquerda liberal, os Históricos, passou para Nicolau António Borges de Bettencourt, que morreria em 1875, mas os chefes incontestados dos Progressistas seria a família Raposo do Amaral, até ao fim da Monarquia, José Maria e José Maria Raposo do Amaral Jr..

Em Angra do Heroísmo, Teotónio de Ornelas apareceu ainda nos primeiros anos da Regeneração a chefiar os Históricos, mas a partir de 1857 deu-se uma renovação na chefia da esquerda com a ascensão de seu filho Jácome de Ornelas Bruges, 2.º visconde de Bruges e 2.º conde da Praia da Vitória, que seria o chefe dos Progressistas até à sua morte em 1889.

Na Horta, os Progressistas também se organizaram um pouco mais tarde, tendo como chefe o conselheiro Manuel Francisco de Medeiros, até à sua morte em 1895.

Os partidos políticos, Regenerador e Progressista, neste período do rotativismo (1878-1890) com os seus chefes, os seus caciques e a sua tropa de choque transformaram-se por toda a parte em máquinas de produção de maiorias nas urnas usando a mais descarada viciação das eleições e os seus jornais transformaram-se em instrumentos de propaganda e de acusação aos adversários, mais do que um veículo de ideologias e programas governamentais.

No final da década de oitenta os partidos do rotativismo davam sinais de indisciplina que punha em perigo o sistema parlamentar da Regeneração. A morte dos chefes, principalmente a de Fontes Pereira de Melo, em 1887, arrastava os primeiros sinais de dissidências e ensaios de formação de novos partidos na área do poder. Augusto César Barjona de Freitas lançava a Esquerda Dinástica, que acabou por não se transformar em partido, mas era um sinal do fim da época.

Nos Açores assiste-se a um certo paralelismo, com a morte ou a substituição na prática das velhas chefias dos Regeneradores e dos Progressistas. Se em S. Miguel a chefia progressista passou de pai para filho ou seja de José Maria Raposo do Amaral para o seu filho homónimo, sem sobressaltos, já entre os Regeneradores, a morte do conde de Jácome Correia (1896) levou à instabilidade, que nem o próprio marquês da Praia, com todo o seu prestígio, conseguiu evitar e tudo isto para mais com o pano de fundo da agitação política, social e económica provocada pelo movimento autonómico que os Progressistas, que passaram a chamar-se Partido Progressista Autonómico, pretenderam usar em seu proveito exclusivo, sem o conseguirem.

Na Terceira, o velho chefe regenerador, o conde de Sieuve de Meneses, velho e doente, aceitou a sua substituição, não deixando de ser ele o chefe formal, pelo jovem Jacinto Cândido da Silva que a partir de 1889 era o líder de facto, mas a dissidência de Barjona de Freitas causou graves e profundas feridas na disciplina partidária local. Os Progressistas, com a morte do seu chefe tradicional, Jácome de Bruges, o 2.º conde da Praia da Vitória, conheceram um período de grande indisciplina e a elevação do visconde de Nossa Senhora das Mercês como líder não foi pacífica, provocando feridas difíceis de sanar.

Na Horta, a morte do conselheiro Medeiros (1895) chefe dos Progressistas levou ao poder partidário, sem aparente contestação, Miguel António da Silveira. Contudo os Regeneradores conheceram um período de instabilidade que a derrota de Arriaga Nunes nas eleições de 1889 veio agravar e que levou ao poder partidário António Severino de Avelar, um independente, que se dizia nutrir simpatia pelos adversários progressistas e foi escolhido por Hintze Ribeiro.

A crise nacional, iniciada com o Ultimato de 1890 e o cerco às instituições feito pelos republicanos agudizaram a instabilidade partidária e multiplicaram-se as dissidências, sendo a mais grave a do regenerador João Franco que formou o seu próprio partido, o Partido Regenerador Liberal, em 1903, o qual encontrou adeptos entusiasmados nos Açores. Entre eles, o mais conhecido, o patriarca da autonomia Aristides Moreira da Mota, mas em boa verdade o Partido Liberal não teve tempo nem ânimo para se implantar nas ilhas, apesar das dedicações que aqui cultivou.

A circunstância de Hintze Ribeiro se ter transformado no chefe do Partido Regenerador, em 1900, teve consequências especiais, principalmente em S. Miguel, porque este persistiu em ser ele próprio o chefe local e em escolher pessoalmente os novos líderes de Angra do Heroísmo e da Horta e cuja consequência foi a existência de chefias partidárias fracas e sem carisma, que se arrastavam até ao fim do regime monárquico mesmo depois da morte de Hintze (1907).

Por outro lado, o chefe regenerador do distrito de Angra do Heroísmo, Jacinto Cândido da Silva, tornou-se ele próprio, em Lisboa, num dissidente e fundou em 1903 o Partido Nacionalista, de inspiração católica, o qual também tentou organizar-se nos Açores, com pouco êxito, diga-se. Na Terceira foi seu chefe Francisco de Paula Barcelos (o morgado Barcelos) e com ele algumas personalidades destacadas da diocese como os cónegos Bernardo Almada e Moreira de Araújo, mas mesmo em Angra, terra de Jácome Cândido, e onde a sua família era muito poderosa, o êxito foi pouco e menos ainda em S. Miguel, onde o juiz do Tribunal da Relação, José Bettencourt Silveira e Ávila, tentou lançar o Partido Nacionalista.

Os republicanos, por sua vez, transformaram-se na única força política fora do sistema constitucional monárquico que conseguiu uma organização significativa nas ilhas açorianas, com expressão ideológica em jornais e em personalidades residentes com visibilidade, com destaque para Manuel Jacinto da Ponte, fundador em Ponta Delgada do Centro Republicano Federal (1880).

Note-se que o republicanismo em Portugal e sua transformação em partido aguerrido e revolucionário contou com figuras de primeiro plano que eram açorianos como Teófilo Braga e Manuel de Arriaga, mas a influência destes nos Açores no período monárquico era muito ténue. Os republicanos açorianos mantiveram-se até tarde adeptos das teses evolucionistas e federalistas o que explica que o Partido Republicano Português tenha tido dificuldades em organizar-se e em implantar-se e a sua história é sobretudo já do século XX. Contudo, os republicanos aparecem a disputar eleições para deputados mas só nos círculos urbanos, desde o início dos anos oitenta ainda que não conseguissem recolher mais do que um número dígito de votos. Porém, mesmo assim, também nos Açores, no início do século XX as forças partidárias monárquicas não desdenharam em usar os republicanos para as suas lutas internas e com eles aparecem em alianças mais ou menos informais em momentos de crise eleitoral. Os autonomistas, por exemplo, agregaram ao seu projecto, em S. Miguel, Manuel Jacinto da Ponte se bem que os republicanos se tenham mostrado contrários ao projecto autonómico, que encaravam como um meio de reforço político dos partidos monárquicos. José Guilherme Reis Leite

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