O conceito moderno de partido político só surgiu no século XIX. Nalguns países apareceu logo por volta de 1830, mas na maior parte da Europa e, em particular, no caso de Portugal, foi no final daquele século que as organizações políticas deixaram de ser meros clubes, associações de indivíduos ou de facções, representativas de correntes de opinião existentes na sociedade, que se reuniam com alguma regularidade para delinear estratégias de influência política e de acesso ao poder. A fluidez ideológica deste tipo de agrupamento, o carácter geralmente transitório, a unidade com base em interesses pontuais e princípios relativamente vagos não lhes permitiam ter a necessária consistência para fazerem parte de um sistema político cada vez mais exigente e organizado, estreitamente associado à multiplicação das funções do Estado e ao desenvolvimento da participação dos diversos grupos sociais nos regimes políticos. Os partidos políticos modernos são, por um lado, uma consequência do crescimento urbano e das sociedades massificadas e, por outro lado, uma necessidade que decorre da própria evolução dos sistemas políticos, os quais têm de encontrar meios para formar as opiniões públicas, exprimir as posições dos vários grupos socioeconómicos e dar-lhes expressão no plano do poder político institucionalizado. Assim sendo, poderíamos definir o partido político moderno como um grupo organizado e hierarquizado, com linhas programáticas delineadas e estratégias, que se vão reconfigurando, para atingir e exercer o poder. A sua esfera de influência e de acção ultrapassa a dos seus dirigentes, tanto em termos temporais como espaciais. Contudo, este facto não impede que o papel dos dirigentes seja fundamental e que a rede de clientelas, estabelecida com base nas relações pessoais dos seus membros, não assuma um peso significativo no respectivo funcionamento. A unidade do partido é mantida através da ideologia comum, ou seja do conjunto de concepções, valores e atitudes, que são susceptíveis de identificar os seus membros, apesar dos símbolos, dos rituais colectivos e da disciplina partidária também desempenharem um papel decisivo neste processo. A organização é essencial num partido moderno e seria mesmo, segundo M. Duverger, a sua marca identificadora. De modo geral, podemos considerar que se estruturam em três níveis: as bases, o sector intermédio e os órgãos centrais, que têm funções deliberativas, executivas e jurisdicionais. Esta estrutura organizativa tem uma base geográfica, que se pode identificar com a própria organização político-administrativa do Estado ? estruturas concelhias, distritais ou provinciais ?, e uma base sócio-profissional que se estende pelas empresas e pelos organismos de cariz profissional. Uma estrutura partidária é um sistema de relações em que cada indivíduo é avaliado pelo seu grau de participação e de autoridade. Quanto aos níveis de participação podemos distinguir os simpatizantes, que fazem parte de uma esfera flutuante, os cotizantes, indivíduos regularmente inscritos que pagam as cotas, e os militantes, directamente envolvidos nas actividades partidárias. Entre estes últimos pode destacar-se, ainda, os que desenvolvem actividade partidária permanente, uma parte dos quais tende a profissionalizar-se e a fazer parte dos quadros de funcionários, e os que têm um desempenho mais irregular, pautado geralmente pelas conjunturas eleitorais. De forma genérica, as funções principais dos partidos consistem em definir o programa, realizar a propaganda, mobilizar os eleitores, formar o pessoal político e desencadear todas as acções necessárias para intervir na sociedade e no sistema político. Numa sociedade cada vez mais mediatizada, a intervenção política confunde-se, por vezes, com a visibilidade dos partidos e dos seus dirigentes nos órgãos de comunicação social. Porém, esse é somente um dos aspectos que caracteriza a actividade dos partidos, quiçá hoje um dos mais decisivos em termos de conquista dos eleitorados, mas de modo nenhum o mais importante para o funcionamento dos regimes políticos democráticos. Estes dependem da capacidade dos sistemas partidários para manter a estabilidade política, a eficácia da governação e o valor da representação dos diversos grupos da sociedade.
A história dos partidos políticos em Portugal tem de ser vista no quadro dos vários regimes políticos e as suas origens prendem-se com a implantação do liberalismo. Assim, depois de um período conturbado e de guerras civis, a acalmia política da Regeneração permitiu que a Monarquia Constitucional se afirmasse como um regime constituído por «partidos de notáveis», que tinham o seu centro na capital do país e uma rede de influentes locais que manipulavam o jogo eleitoral. Não se tratava de estruturas partidárias rígidas, mas de «coligações mais ou menos coesas de redes dispersas de notáveis locais, agregadas segundo uma lógica de cooperação vertical e orientadas para o controlo e a distribuição particularista dos recursos do centro político» (Almeida, 1991: 122). A fluidez da sua organização tem como corolário ideologias, programas e fundamentos doutrinários igualmente imprecisos. Eram agremiações muito voltadas para a luta eleitoral e para a distribuição de benesses aos partidários. Os dois maiores partidos monárquicos alternaram no poder, durante um período, sem que os cidadãos pudessem realmente distinguir as suas políticas, o que levou o sarcástico Guerra Junqueiro a escrever que eram «iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero» (Junqueiro, 1996: 187). Algumas destas características mantiveram-se na República, se bem que em termos organizativos e mesmo ideológicos houvesse uma tendência para uma definição das estruturas e do programa mais clara. Os influentes e os caciques continuaram a dominar a política nacional. A expansão das manifestações colectivas e de massas, sobretudo nos centros urbanos, a crescente importância da militância política e das milícias, marcada pela agressividade e a violência, a confusão partido-máquina eleitoral, que já vinha da monarquia, e a incapacidade do sistema partidário para se regular de modo a garantir o necessário equilíbrio político conduziram ao descrédito dos partidos e do regime parlamentar e abriram o caminho às ditaduras de partido único. A pluralidade dos partidos e a liberdade de associação e de opinião política deram lugar aos regimes autoritários e fascistas, cujos partidos são uma emanação do Chefe e este, por seu lado, se considera o legítimo representante do Povo. Em Portugal, a ditadura criou a União Nacional, em 1930, que pretendia ser mais do que um partido, uma associação nacional e patriótica que serviria de caixa de ressonância das políticas do regime e de provável base de recrutamento dos seus quadros. Apesar de não se afirmar como partido, a União Nacional desempenhou esse papel e foi depois substituída pela Acção Nacional Popular, em 1968, no consulado de Marcello Caetano. Os outros partidos foram proibidos e o Estado Novo afirmava-se como um regime que assentava numa «base não partidária, isto é, o Governo governa sem partidos» (Salazar, «Discursos», cit. Canotilho, 2000: 34). O golpe de estado de 25 de Abril de 1974 permitiu repor o sistema partidário. Na Constituição de 1976, o artigo 47.º, que passou a 51.º na revisão de 1982, com a mesma redacção, estabelece: «a liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político». Os partidos políticos foram, deste modo, consagrados em termos constitucionais e passaram a dispor de enquadramento legal, através da lei orgânica e da lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Ambas têm sido objecto de revisões e de alterações, revelando-se a segunda especialmente polémica e complexa para o sistema político-partidário. No artigo 1.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, define-se a função político constitucional dos partidos nos seguintes termos: «os partidos políticos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política». De acordo com este artigo não é permitido constituir partidos que pugnem pela secessão de qualquer parte do território do Estado português. Entre os fins dos partidos políticos, enunciados no artigo 2.º, é conferido um relevo especial ao esclarecimento da opinião pública e à formação e preparação política dos cidadãos. Atribuiu-se, por conseguinte, aos partidos um papel pedagógico e cívico que se articula com uma intervenção activa a favor das liberdades, do pluralismo e da democracia. Destaca-se também a necessidade de «estudar e debater os problemas da vida política, económica, social e cultural, a nível nacional e internacional», de tal modo que a apresentação de programas de governo e de candidaturas eleitorais surge, no contexto do artigo, como uma parte das finalidades dos partidos (e não um fim em si mesmo). Os princípios que devem reger os partidos são os da liberdade, da democracia, da transparência e da cidadania, isto é, só os cidadãos titulares de direitos políticos podem integrar os partidos políticos. Simultaneamente, não são consentidos partidos políticos que ponham em causa a ordem constitucional democrática, ou seja, partidos armados ou de tipo militar, racistas e de ideologia fascista (artigo 8.º). Também não são permitidos partidos de «índole ou de âmbito regional» (artigo 9.º), o que está de acordo com o princípio da unidade do Estado, já citado. Finalmente, importa referir que para se constituir legalmente um partido em Portugal é preciso inscrevê-lo no registo existente no Tribunal Constitucional. A inscrição tem de ser requerida por, pelo menos, 7500 cidadãos eleitores. O requerimento precisa de ser acompanhado do projecto de estatutos, da declaração de princípios ou programa político e da denominação, sigla e símbolo do partido, incluindo o nome completo, o número do bilhete de identidade e do cartão de eleitor de todos os signatários. Se mais não houvesse, estas prescrições e os 41 artigos que compõem a lei orgânica actual mostram que já estamos longe das organizações fluidas de Oitocentos. Os partidos tornaram-se organizações complexas e exigentes, dispendiosas e dependentes da angariação de avultadas receitas, com custos na transparência e na idoneidade do sistema partidário. Ao mesmo tempo, nos sistemas bipartidários, em que alternam no poder os dois maiores partidos, ou nos sistemas multipartidários, em que se verifica uma tendência para a instabilidade ou para a formação de grandes partidos catch all que se tornam dominantes, nota-se uma crescente insatisfação com os partidos e um desinteresse dos cidadãos pelos sufrágios eleitorais que se traduz na abstenção. Surgem, por isso, outras formas de participação política, na margem dos partidos ou em paralelo, e formas de contestação e de ruptura dos cidadãos com o sistema político-partidário. Contudo, não se conseguiu ainda criar uma verdadeira alternativa a um modelo que, apesar de imperfeito, é o resultado de quase dois séculos de transformações e o que se tem revelado mais capaz de garantir a liberdade dos cidadãos. Maria Isabel João
Note-se que o republicanismo em Portugal e sua transformação em partido aguerrido e revolucionário contou com figuras de primeiro plano que eram açorianos como Teófilo Braga e Manuel de Arriaga, mas a influência destes nos Açores no período monárquico era muito ténue. Os republicanos açorianos mantiveram-se até tarde adeptos das teses evolucionistas e federalistas o que explica que o Partido Republicano Português tenha tido dificuldades em organizar-se e em implantar-se e a sua história é sobretudo já do século XX. Contudo, os republicanos aparecem a disputar eleições para deputados mas só nos círculos urbanos, desde o início dos anos oitenta ainda que não conseguissem recolher mais do que um número dígito de votos. Porém, mesmo assim, também nos Açores, no início do século XX as forças partidárias monárquicas não desdenharam em usar os republicanos para as suas lutas internas e com eles aparecem em alianças mais ou menos informais em momentos de crise eleitoral. Os autonomistas, por exemplo, agregaram ao seu projecto, em S. Miguel, Manuel Jacinto da Ponte se bem que os republicanos se tenham mostrado contrários ao projecto autonómico, que encaravam como um meio de reforço político dos partidos monárquicos. José Guilherme Reis Leite
Bibl. Ameida, P. T. (1991), Eleições e caciquismo no Portugal oitocentista. Lisboa, Difel. Canotilho, G. (2000), partidos políticos in Dicionário de História de Portugal. Porto, Figueirinhas, IX. Duverger, M. (1951), Les Partis Politiques. Paris, A. Colin. Junqueiro, G. (1996), Pátria. Porto, Lello Editores. Lancelot, A. (1980), Partis Politiques, Encyclopaedia Universalis. Paris, Encyclopaedia Universalis France S.A., 12: 578-583. Leite, J. G. R. (1995), Política e administração nos Açores de 1890 a 1910. O primeiro movimento autonómico. Ponta Delgada, Jornal de Cultura: 35 e segs., 71 e segs.. Idem (1998), A eleição para deputados no círculo eleitoral da Horta em 1889 in O Faial e a periferia açoriana nos séculos XV a XX. Horta, Núcleo Cultural da Horta: 197-208. Idem (2007), Teotónio de Ornelas. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura. Lopes, F. F. (2004), Os partidos políticos: modelos e realidade na Europa Ocidental e em Portugal. Oeiras, Celta. Marques, A. H. O. (1997), História da Maçonaria em Portugal. Lisboa, Editorial Presença, II: 20, 49, 50, 129 e segs.; III: 244 e segs.. Miranda, J., et al. (2002), Partidos Políticos e Sociedade. Cascais, Câmara Municipal de Cascais. Constituição da República Portuguesa, Texto originário da Constituição aprovada em 2 de Abril de 1976, http://www.parlamento.pt/livraria/vozes_constituinte/cons1976.html, capturado em 2 de Janeiro de 2007. Lei dos Partidos Políticos, Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, http://www.parlamento.pt/const_leg/leipartidpol/partidpol.html, capturado em 2 de Janeiro de 2007. Riley, C. G. (2006), Os antigos modernos. O liberalismo nos Açores: uma abordagem geracional. Ponta Delgada, Universidade dos Açores: 513-540 [policopiado]. Rodrigues, V. L. G. (1985), A geografia eleitoral dos Açores de 1852 a 1884. Ponta Delgada, Universidade dos Açores. Silva, A. C. (1996), O Partido Nacionalista no contexto do nacionalismo católico (1901-1910). Lisboa, Colibri: 117, 180, 186, 189, 195, 199.