Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Norte Grande (freguesia)

Geografia Freguesia do concelho de Velas, situada na costa norte da ilha de S. Jorge. É limitada a oriente pela freguesia de Norte Pequeno, a ocidente pela freguesia de Santo Amaro, a sul pelas freguesias da Urzelina, das Manadas e da Calheta e a norte pelo Oceano Atlântico. Apresenta uma forma rectangular quase perfeita, com 31,8 Km2, o que corresponde a 27,1 % da superfície concelhia, distando da sua sede 16,8 Km, aproximadamente.

A freguesia tem uma topografia regular, com declives moderados orientados no sentido sul-norte (Figura 1). No extremo norte observa-se um alinhamento de cones vulcânicos bem preservados, com direcção NW-SE, que se elevam do Planalto Central. O território pertence ao Complexo Vulcânico das Manadas (este) e ao Complexo Vulcânico dos Rosais (oeste). A altitude máxima da freguesia e da ilha (1053 m) é registada no Vértice Geodésico do Pico da Esperança. A linha de costa, com 13,4 Km, é alta e escarpada, com arribas imponentes que chegam aos 500 m de desnível. Apresenta um traçado linear, interrompido pelas pontas do Norte Grande (Fajã do Ouvidor) e do Norte Pequeno (Fajã da Ribeira da Areia). Neste troço de costa existem dez fajãs detríticas, superfícies planas que se prolongam pelo mar, formadas na base das arribas por derrocadas das encostas a aluimentos de terras. A rede de drenagem é constituída por numerosas linhas de água que nascem no Planalto Central e correm por vales abertos, de pequena dimensão e pouco encaixados. Algumas têm regime permanente e formam cascatas quando se precipitam pela arriba costeira. Em termos paisagísticos, existem diversos miradouros que proporcionam excelentes pontos de vista sobre as falésias e fajãs. Toda a orla marítima da freguesia está integrada na Rede Natura 2000 (Sítio de Interesse Comunitário da Costa Nordeste e Ponta do Topo).

Em termos de ocupação humana, o povoamento é concentrado, existindo três aglomerados principais junto à estrada regional (Santo António, Ribeira da Areia e Norte Grande) e outro na Fajã do Ouvidor. O lugar de Santo António é o de maior altitude dos Açores (cotas que rondam os 530 m). A agro-pecuária, os lacticínios (produção de queijo) e o comércio são a base económica desta freguesia. A população residente sofreu uma diminuição desde o início do século passado até à década de 30 e, após um pequeno aumento até à década de 60, seguiu-se novamente uma evolução negativa (Figura 2). No XIV Recenseamento Geral da População (INE, 2002) foram contabilizados 688 habitantes, valor correspondente a uma densidade populacional de 21,6 hab/Km2.

João Mora Porteiro

 

Heráldica Brasão: escudo de ouro com vaca passante de negro e prata em alusão à importância da indústria de lacticínios; em chefe, coroa mariana de azul símbolo da devoção pelo Espírito Santo; campanha ondada de verde e prata de cinco peças. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco, com a legenda a negro: «Norte Grande ? Neves». Bandeira: verde com cordão e borlas de ouro. Haste e lança de ouro. Paulo Lopes Matos

 

História, actividades económicas e culturais Com uma área de 32,06 km2, a freguesia do Norte Grande apresenta-se como uma das mais extensas da ilha e do arquipélago. Confronta a norte com o Oceano Atlântico, a sul com Urzelina e Manadas, a oeste com Santo Amaro e a este com o Norte Pequeno. Ao contrário da maior parte do arquipélago, onde a população se concentra na vertente sul, o Norte Grande corresponde ao povoamento de uma área topograficamente acidentada. Tal ocupação decorre da qualidade das suas pastagens, obrigando à fixação das gentes em locais de grande altitude e com duras condições de vida. As gentes dispersam-se por três locais consideravelmente afastados entre si: Santo António, Norte Grande e Ribeira da Areia (de oeste para leste). Cada uma destas povoações possui as respectivas fajãs ? sendo de destacar a do Ouvidor, a maior da ilha e distante cerca de 3 km do Norte Grande ? da Ponta Furada e da Ribeira da Areia.

No contexto do desenvolvimento do concelho de Velas, os Nortes foram ocupados quer a partir de Velas e Rosais para o Toledo (Santo Amaro), quer da Calheta e Ribeira Seca para o Norte Pequeno, constituindo-se mais tardiamente face aos eixos de Velas-Rosais e Urzelina-Manadas (Santos, 1987: 39). Supõe-se que a freguesia do Norte Grande foi criada em data anterior a 1613, sabendo-se que em 1570 a Câmara determinara a construção de uma estrada para esta localidade (Avellar, 1902, 28-29; Santos: 1987, 39). Aliás, nesta data, a sua existência enquanto povoação consubstancia-se pela eleição de diversos indivíduos para o exercício dos cargos de cabo de esquadra, almotacé e meirinho (Santos, 1984: 19, 33, 282, 381, 394, 400). Gaspar Frutuoso em finais do século XVI já apontava a ténue ocupação dos Nortes, distinguindo a povoação de Santo António, então com apenas 18 fogos (Frutuoso, 1998, VI: 92). Outras referências aludem à povoação de Santo António já desde 1543 (Ávila, 1994: 17).

O incremento demográfico parece ter sido muito rápido entre os séculos XVII e XVIII. Em 1643 a freguesia possuía 494 habitantes distribuídos por 116 fogos (Chagas, 1989: 501), aumentando para os 160 agregados em 1659 e 376 em 1706; no entanto este último valor poderá estar empolado por englobar, eventualmente, o Norte Pequeno (Santos, 1987: 39, 84), posicionando-se, nesta data, como a freguesia mais populosa do concelho. Em 1767 eram-lhe atribuídos cerca de 1284 habitantes e 1473 em 1797 (Madeira, 1997: 94; Matos, 1997: 580). Em meados do século XIX a freguesia ascendia a 2380 efectivos segundo o censo de 1849 (Silveira, 2001: 838). O seu cemitério paroquial data de 1833 e o ensino primário foi estabelecido no Norte Grande em 1861, em Santo António no ano de 1868 e na Ribeira da Areia em 1876 (Avellar, 1902: 316-317).

Desconhece-se a data da fundação da igreja paroquial dedicada a Nossa Senhora das Neves, cuja festividade religiosa se cumpre no dia 5 de Agosto. É provável ter sido erguida em finais do século XVI, encontrando-se, em 1613, a primeira menção a um pároco em exercício. Contudo, a construção de um caminho entre esta igreja e a ermida de Santo António fora decretado pela Câmara já em 1608. Em 1694, por ocasião do «motim dos inhames» este templo desempenhou um papel central, visto aí se ter refugiado o almoxarife da Fazenda Real em resultado do cerco popular (Avellar, 1902: 313, 330). A igreja sofreu grandes prejuízos com o terramoto de 1757, tendo sido reconstruída na década de 1760 (Cunha, 1981, I: 212, 215). Na freguesia encontra-se, ainda, a ermida de Santo António (1542 ou 1543) que se presume a mais antiga da ilha. Foi acrescentada no século XIX e convertida em igreja, ascendendo a curato sufragâneo em 1916. É actualmente sede da paróquia de Santo António (Avellar, 1902: 315-316, Cunha, 1981, I: 56). A ermida da Ribeira da Areia ? São Miguel o Anjo ? data de 1636, tendo sido instituída pelo capitão Gaspar Nunes Brasil (Tombo [?], fls. 29-32); foi reconstruída em 1825 e 1910 (Velas. Município, 2007: 11). Na fajã deste povoado construiu-se, em 1946, a ermida de Nossa Senhora de Fátima. A Fajã do Ouvidor conta com ermida desde 1903 dedicada a Nossa Senhora das Dores. Para além das ermidas, encontram-se diversos impérios nas três localidades da freguesia.

Desde cedo a actividade principal do Norte Grande centrou-se em torno da pecuária e dos lacticínios, sendo ainda hoje a principal fonte de emprego. Apesar do dinamismo deste sector a sua cooperativa agrícola deixou recentemente de laborar, figurando apenas como ponto de recolha de leite. A par dos lacticínios a agricultura de subsistência desempenhou um papel central, destacando-se o cultivo do milho, batata e inhames. Nas suas fajãs a produção de vinho e aguardente assumiu algum destaque, bem assim como de diversos produtos hortícolas.

A principal atracção turística da freguesia é a Fajã do Ouvidor, onde residem permanentemente cerca de 50 habitantes. O seu pequeno porto de abrigo ? único na vertente norte ? foi ampliado em finais do século XIX a partir do qual se efectuavam ligações com a Graciosa, Terceira e outras partes da ilha (Avellar, 1902: 315). Actualmente atrai inúmeras embarcações de recreio, principalmente da ilha, algumas das quais se empregam na pesca desportiva e caça submarina. As piscinas naturais junto ao porto e à poça de Simão Dias constituem, também, ponto de atracção. Possui a freguesia diversos trilhos pedestres, sobretudo o que se inicia na Chã das Alagoinhas (em direcção ao Pico da Esperança) e o que dá acesso à Fajã de Além.

No plano cultural o Norte Grande conta com a Sociedade Filarmónica Recreio Jorgense, fundada em 1931, um grupo de teatro e, ainda, a Casa do Povo onde se realizam actividades de convívio. As festividades religiosas e profanas encontram-se bem marcadas na vida da freguesia, destacando-se o culto do Espírito Santo com a expressão nas três localidades. Para além da festa de Nossa Senhora das Neves, assume importância a dos Mancebos na Fajã do Ouvidor (Maio-Junho; culto ao Espírito Santo), onde é oferecido um almoço no Calhau da Fajã. A festa dos Bons Amigos realizada na segunda-feira posterior à festividade da padroeira da Fajã (terceiro Domingo de Setembro) também reúne várias pessoas de toda a ilha (Velas. Município, 2007: 12-13). Paulo Lopes Matos

Fontes manuscritas ? Arquivo Paroquial do Norte Grande, Tombo de Nossa Senhora das Neves, fls. 27-32 (1636-1659)

 

Bibl. Avellar, J. C. S. (1902), Ilha de São Jorge (Açores). Apontamentos para a sua História. Horta, Tip. Minerva Insulana. Ávila, J. G. (1994), História da Ilha de São Jorge. Descoberta, povoamento, economia. Conferência. Velas, Câmara Municipal de Velas. Chagas, D. (1989), Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores, direcção e prefácio de Artur Teodoro de Matos, colaboração de Avelino de Freitas Meneses e Vítor Luís Gaspar Rodrigues. Ponta Delgada, Secretaria Regional da Educação e Cultura/Centro de Estudos Doutor Gaspar Frutuoso da Universidade dos Açores. Cunha, M. A. (1981), Notas Históricas. I ? Estudos sobre o Concelho da Calheta (São Jorge) e II ? Anais do Município da Calheta (São Jorge), recolha, introdução e notas de Artur Teodoro de Matos. Ponta Delgada, Universidade dos Açores. Frutuoso, G. (1998), Livro VI das Saudades da Terra, edição de João Bernardo de Oliveira Rodrigues. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Instituto Nacional de Estatística (2002), XIV Recenseamento Geral da População. Lisboa, Instituto Nacional de Estatística. Madeira, A. B. (1997), População e Emigração nos Açores (1766-1820). Apêndice documental. Ponta Delgada, Universidade dos Açores. Matos, P. L. (1997), A população da ilha de S. Jorge na última década de Setecentos: estrutura e comportamentos, in O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XIX. Horta, Núcleo Cultural da Horta: 551-582. Pereira, A. S. (1984) introdução, transcrição e notas, Vereações de Velas (S. Jorge 1559-1570-1571). Angra do Heroísmo Secretaria Regional da Educação e Cultura dos Açores/Universidade dos Açores. Pereira, A. S. (1987), A Ilha de S. Jorge (Séculos XV-XVII). Contribuição para o seu estudo. Ponta Delgada, Universidade dos Açores. Silveira, L. N. E. (2001), Os Recenseamentos da População Portuguesa de 1801 e 1849. Edição Crítica. Lisboa, Instituto Nacional de Estatística, II. Velas. Município (2007). Velas, Câmara Municipal de Velas.