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Garrett, João Baptista da Silva Leitão de Almeida (visconde de Almeida Garret)

[N. Porto, 4.2.1799 ? m. Lisboa, 9.12.1854] São de fácil consulta as biografias deste grande escritor romântico português e por isso aqui só se trata dos aspectos que o relacionam com os Açores.

A família paterna de Garrett, nome cuja origem é controversa, era faialense e na Horta nasceu seu pai, António Bernardo e seus tios, entre eles o futuro bispo D. Alexandre da Sagrada Família. Seu pai saiu da Horta para o Porto onde casou com D. Ana Augusta de Almeida Leitão e onde nasceu o futuro visconde de Almeida Garrett. Em 1809 deixou a família o Porto, fugida à invasão francesa, e depois de breve estada na capital decidiu-se pela fixação na cidade de Angra, onde chegaram em 1811 alugando casa na rua de S. João, onde hoje existe uma lápide. Foi nesta cidade que Garrett menino entrou para a aula régia tendo como professor de latim o padre João António cujo saber sempre louvou. Teve ainda como professor de grego Joaquim Alves, com bem menos êxito. Fora estes professores foram seus mestres dois tios, o irmão da mãe, João Carlos Leitão, bacharel em Direito que fez carreira pelos Açores como juiz de fora e provedor de resíduos e o irmão do pai, D. Alexandre da Sagrada Família, bispo de Malaca e de Angola, então também residente em Angra e depois bispo desta diocese. Este período da sua formação humanista foi decisivo como o próprio poeta reconheceu. Data desta época a visita à Graciosa, onde teria aos 14 anos feito um sermão, pois destinava-se então à ordem eclesiástica e escrito as odes anacreônticas que ofereceu a Francisco Homem Ribeiro, professor de latim naquela ilha. Neste período começa a sua vida literária com escritos ao gosto neo-clássico entre eles os cantos I e II da Afonsaida, datados de 1815 e experimenta os primeiros amores.

Em 1816 parte para Coimbra para estudar Direito como queria o tio João Carlos e desiste da carreira eclesiástica que lhe reservara o tio D. Alexandre.

É em Coimbra que começa a usar o nome da família da avó paterna, Garret e da avó materna, Almeida, pois até então era João Baptista da Silva Leitão, o «bacorinho» na gíria estudantil. Torna-se adepto fervoroso das ideias liberais e revolucionárias entrando para a maçonaria.

Em 1821, ainda em Coimbra, participa activamente na denúncia pública da situação reaccionária das autoridades angrenses da capitania-geral e quando decide, antes de completar a formatura, ir à Terceira visitar a família foi encarregado pelas sociedades secretas da capital de fazer propaganda entre os terceirenses para os convencer a aceitarem a nova ordem política.

Esta viagem de Garrett e a sua acção em Angra, onde permaneceu entre Abril ou Maio e Agosto do ano de 1821, tem sido muito controversa por haver disparidade de informações entre o que nos transmitiu o seu biógrafo Gomes de Amorim e o que a documentação prova. Garrett, vaidoso e fanfarrão, atribui-se uma acção de êxito político a favor do vintismo que está longe de ter conseguido, nomeadamente no acto eleitoral para deputados à Constituinte. É desta época o poema heróico-cómico intitulado X, que é uma sátira impiedosa contra o capitão-general Francisco de Borja Stockler e várias poesias que veio a incluir na lírica de João Minimo.

Com a agitada política nacional passa ao exílio em França e Inglaterra e estava em Londres quando se deu a vitória dos liberais na Praia, na ilha Terceira, que evitaram o desembarque das tropas miguelistas, salvando assim o único reduto nacional em poder dos liberais. Publica então a ode «A vitória na Praia» de louvor à acção de 11 de Agosto de 1829.

Em 1832, a 29 de Fevereiro, parte de Belle Isle para a Terceira regressando do exílio e juntando-se à concentração liberal na ilha, onde já D. Pedro preparava o *Exército Libertador. Com ele vinham outros académicos que se tornaram também famosos, nomeadamente Alexandre Herculano. Em Angra é incorporado no Corpo Académico estacionado no convento franciscano de Santo António dos Capuchos em cuja igreja estava enterrado o tio D. Alexandre.

Durante esta estadia é auxiliar de Mouzinho da Silveira na sua tarefa legislativa, trabalha no Romanceiro e revê o retrato de D. Sebastião do colégio dos jesuítas, que o havia de inspirar para o Frei Luís de Sousa.

Quando D. Pedro e a maior parte dos liberais saiu da Terceira para S. Miguel, Garrett não os acompanhou mas é posteriormente requisitado para coadjuvar Mouzinho da Silveira e embarca para Ponta Delgada a 8 ou 9 de Maio de 1832, residindo então em casa do amigo do seu pai, Pedro Joyce, na rua dos Mercadores, onde hoje também existe uma lápide. Nesta cidade trabalha com Mouzinho da Silveira na redacção dos novos decretos que são a base da legislação liberal portuguesa, sendo-lhe atribuídos os relatórios dos três decretos de 16 de Maio de 1832 sobre a organização da Fazenda, Administração Pública e Justiça. Em 1854 no relatório sobre a reforma administrativa apresentado em Janeiro na Câmara dos Pares mostrar-se-ia muito crítico sobre a filosofia política subjacente a esta legislação.

Saiu de Ponta Delgada com o *Exército Libertador em 22 de Junho, mas nesse pouco tempo que viveu em S. Miguel ainda se apaixonou por uma menina de belos olhos negros e escreveu o romance Noite de São João e poemas de Folhas Caídas.

Garrett volta a cruzar-se com os Açores em 1836. Tinha regressado de uma experiência frustrante como diplomata em Bruxelas e a sua popularidade estava nos mais baixos patamares de sempre, acusado de falta de dignidade política e de actos pouco dignos no seu cargo. Deu-se a revolução de Setembro de 1836, que Garrett apoiou e não tendo muitas alternativas aceitou ser eleito deputado pelo círculo de Angra, como efectivamente foi. Já anteriormente, em 1834, tinha tentado, sem êxito, essa eleição.

Redige os decretos de 1837 que reconhecem os serviços da ilha Terceira à causa da Liberdade e concedeu a designação de Heroísmo à cidade de Angra e Vitória à vila da Praia e a Torre e Espada aquela cidade. Muitos viram nisto uma vingança de despeito à cidade do Porto que se recusara elegê-lo, mas que acabou também por ter por compensação o título de Invicta, mas não proposto por Garrett.

Voltou, em circunstâncias também pouco abonatórias, a ser eleito pelo mesmo círculo em 1838 e nessa legislatura bateu-se para que os Açores não pagassem o imposto adicional na proporção do continente.

Na eleição de 1840 volta a ser eleito pelo círculo de Angra do Heroísmo e também pelo de Lisboa. Pretendeu optar pelo primeiro, mas a Câmara alegando que não era açoriano impõe-lhe o de Lisboa. Escreve então a célebre declaração sobre a sua naturalidade, que manda para a Mesa da Câmara dos Deputados, em que diz que a sua «Pátria verdadeira» é a Terceira e que nascera no Porto casualmente, fazendo uma definição do que é a pátria de um homem e opondo-se às classificações legalistas. Tal atitude, de novo com laivos de despeito, levantou grande celeuma no Porto. Nessa legislatura voltou a erguer a sua voz em tom polémico quando se soube na Câmara do cataclismo sísmico que destruiu em 1841 a vila da Praia da Vitória e empenhou-se na reconstrução.

Em 1842 e em 1843, respectivamente, publicou dois dos seus mais famosos trabalhos Viagens na minha terra em que há várias alusões à Terceira e o Frei Luís de Sousa onde aproveitou o quadro de D. Sebastião que conhecera no Colégio dos Jesuítas de Angra, hoje infelizmente perdido.

Entretanto Garrett havia-se desentendido politicamente com o governo, passara à oposição e era militante contra o governo dos Cabrais. Tenta a sua reeleição pelo círculo de Angra do Heroísmo e em 1845 escreve ao Dr. António Moniz Barreto *Corte Real e em 1846 ao velho amigo da Graciosa, Francisco Homem Ribeiro, pedindo o seu apoio. Mas os tempos haviam mudado e o círculo de Angra estava controlado pelo poder, não sendo possível a Garrett vencer.

Além disto, Garrett manteve sempre relações familiares com a Terceira, com a mãe preferencialmente, até à morte desta em 1843, com a irmã dilecta D. Maria Amália, casada na cidade e posteriormente com o cunhado, sendo conhecidos vários documentos de administração de bens que possuía na ilha, cujo procurador foi o poeta José Augusto Cabral de Melo.

Quando do centenário da morte de Garrett, tanto Angra do Heroísmo como a Praia da Vitória, por empenho de Vitorino Nemésio e João Afonso, entre outros, prepararam comemorações condignas que se estenderam a Ponta Delgada, com menor brilho, e posteriormente à Horta. J. G. Reis Leite

Obras. Entre as muitas edições das obras de Garrett continua a ser útil e de fácil consulta Obras completas, grande edição popular ilustrada, prefaciada, revista, coordenada e dirigida por Theofilo Braga, 1904, Lisboa, Empresa da História de Portugal, 2 vols.. Da edição de Augusto da Costa Dias o volume V, Poesias Dispersas, 1985, Lisboa, Editorial Estampa e volume VI, Escritos do vintismo (1820-23), Lisboa, Editorial Estampa.

 

Bibl. Afonso, J. (1954), Garrett e a Terceira. Angra do Heroísmo, Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Id. (org.) (1954), Catálogo da exposição bibliográfica, iconográfica e de recordações de Almeida Garrett em Angra do Heroísmo. Angra do Heroísmo, Biblioteca Municipal de Angra do Heroísmo. Amorim, F. G. (1881), Garrett. Memórias Biographicas. Lisboa, Imprensa Nacional, 3 vols.. Costa, F. C. (1954), Almeida Garrett na ilha de S. Miguel. Ponta Delgada, Câmara Municipal de Ponta Delgada. Garrett político, catálogo da exposição (1999). Lisboa, Biblioteca Nacional. Leite, J. G. R. (2001), Garrett e os Açores. Um episódio famoso revisitado. Atlântida, XLVI: 49-54. Mendes, A. M. (1976), Duas cartas inéditas de Almeida Garrett a Francisco Homem Ribeiro da ilha Graciosa. Atlântida, XX, 4-5: 210-217. Monteiro, O. M. C. P. (1971), A formação de Almeida Garrett. Experiência e criação. Coimbra, Atlântida, 2 vols.. Nemésio, V. (1956), Ondas médias. Lisboa, Bertrand, I, 1: 46-79. Rosa, E. F. (coord.) (1999), Almeida Garrett e a Praia da Vitória. Comemorações do Bicentenário. Atlântida, XLIV: 337-370. Rosa, J. (1956), A Família de Garrett na ilha do Faial. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 1 (1): 46-79.