Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Mota, Aristides Moreira da

 [N. Ponta Delgada, S. Miguel, 12.7.1855 ? m. ibid., 1.5.1942] Filho do professor liceal António Augusto da Mota Frazão e de Francisca Ermelinda Moreira da Câmara, Aristides Moreira da Mota frequentou o Liceu de Ponta Delgada e, em 1874, seguiu para Coimbra a concluir os estudos liceais e a frequentar os «Preparatórios» de acesso à Universidade. Em 1875, matriculou-se na Faculdade de Direito de Coimbra, concluindo o curso de Direito em 1880. Assumiu-se como crítico do sistema de ensino universitário, ainda que, por muitos dos seus colegas e mestres, fosse considerado como «a primeira inteligência do curso» (Motta, 1952: 21). Praticou a advocacia e, entre 1884 e 1927, foi professor do liceu local, primeiro como provisório e, a partir de 1888, como efectivo.

Regressado a S. Miguel em 1880, colaborou na imprensa republicana, proferiu algumas conferências no Centro Republicano Federal de Ponta Delgada e presidiu, em 1882, à Comissão Executiva das Comemorações do Centenário de Pombal. Cedo, porém, abandonou as hostes republicanas, integrando as listas «governamentais» à Câmara Municipal de Ponta Delgada (República Federal, Ponta Delgada, 11.11.1883), tendo sido escolhido para seu presidente, num acordo entre regeneradores e progressistas. Exerceu o cargo entre 1884 e 1887 e, como candidato independente, apoiado por ambos os partidos, foi novamente eleito em 1887, mas não pôde assumir as funções por serem incompatíveis com as de professor do liceu. Exerceu, no entanto, o cargo de presidente substituto, durante um curto período de 1890 (Motta, 1952: 50-51). Em 1901, aquando da visita régia aos Açores, integrou a comissão de recepção do distrito de Ponta Delgada e presidiu à comissão responsável pela organização da «Exposição Insulana». Foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada (1892-1893) e empenhou-se na fundação da associação de caridade promotora da instrução, «O Século XX», a que presidiu.

Em 1888, filiou-se no Partido Regenerador, tendo sido eleito deputado na legislatura de 1890-1892. Em Março de 1892, apresentou, na Câmara dos Deputados, um projecto de lei sobre a autonomia dos Açores, que não chegou a ser discutido devido ao encerramento das cortes ? «sem dúvida das mais audaciosas propostas pela sua rasgada visão dos problemas» (Leite, 1987: 15).

Regressado a S. Miguel, integrou a Comissão Autonómica do Distrito de Ponta Delgada (1893), e foi redactor principal do jornal A Autonomia dos Açores, nesse mesmo ano.

Após a publicação do decreto descentralizador de 2 de Março de 1895, foi eleito procurador à Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada pelo concelho de Vila Franca do Campo, assumindo as funções de vice-presidente (1896-1898) e de presidente (1902-1904). Em 1905, aderiu ao Partido Regenerador-Liberal, de João Franco. Integrado nas listas franquistas foi eleito deputado na legislatura de 1906-1907 e escolhido para líder do seu grupo parlamentar. Durante o franquismo foi, ainda, nomeado governador civil de Angra do Heroísmo, cargo que exerceu de Novembro de 1907 a Fevereiro de 1908 (Motta, 1952: 54-55).

O regicídio e a consequente demissão do Governo de João Franco afastaram-no da vida política activa ? «enfim, eu morri para a política» ? dizia ao seu amigo de longa data, Luís de Magalhães. Assistiu com indiferença à implantação da República (Cordeiro, 1999: 28-32).

O seu regresso à actividade política verificou-se em finais de 1917, ao integrar a comissão directora do Partido Regionalista, que então surgira na cena política de S. Miguel, tendo sido o relator dos respectivos tópicos programáticos. Tratou-se de um regresso episódico. As dissenções no partido e o fim da experiência sidonista levaram-no ao abandono, ainda que temporário, da actividade política.

Em 1922, foi firme apoiante da conjugação de esforços entre açorianos e madeirenses visando o aprofundamento das prerrogativas autonómicas dos distritos insulares. Dois anos depois, envolveu-se com entusiasmo na chamada «visita dos intelectuais», considerando-a essencial para a projecção, a nível nacional, das potencialidades e limitações das ilhas e das razões de queixa dos açorianos relativamente à actuação dos governos. Da veemência, na circunstância, das suas intervenções públicas resultou a sua suspensão da actividade docente durante cerca de três meses, o que desencadeou uma forte onda de solidariedade a nível regional e nacional, que, de resto, serviu os intentos dos críticos da prática política do Estado republicano. Integrou, nesses anos, a estrutura do Partido Regionalista, envolvendo-se nas lutas eleitorais, quer discursando nas actividades públicas de propaganda, quer intervindo na imprensa em defesa dos ideais e das candidaturas autonomistas (Cordeiro, 1999: 307-392).

E, enquanto isto, era um professor liceal que, como dizia um colega, não respeitava os cânones tradicionais da ortodoxia pedagógica «nem a estrita observância da letra da lei» lhe terá merecido sempre culto incondicional. A pedagogia era muito sua, sem sujeição aos compêndios que o seu espírito de independência rejeitava. Procurava desenvolver capacidades e valores nos alunos e não atulhar-lhes a memória com minudências, como testemunharam diversos alunos seus. E exerceu advocacia também de modo muito próprio.

Mas não se atinha à intervenção na vida política e administrativa. Assim, mesmo na defesa dos ideais autonomistas não se limitava aos aspectos pragmáticos para justificar a necessidade de aplicação de um modelo político-administrativo especial para vigorar nos distritos açorianos. Aduzia, também, argumentos da Filosofia Política e do Direito Comparado, recorria à História, debatia questões económicas e financeiras. E se ele próprio, como declarará já nos anos vinte do século XX, fora o primeiro a lançar o mote «livre administração dos Açores pelos açorianos», o certo é que foi ele também a integrar a problemática da identidade açoriana no elenco argumentativo a favor da autonomia (Cordeiro, 1987).

Verdadeiramente estruturante da sua personalidade era a defesa da liberdade individual e da iniciativa privada. Alguma expectativa inicial que o golpe militar do 28 de Maio de 1926 lhe despertou, cedo, pois, se esvaiu com a actuação de Salazar. Em cartas ao seu amigo de sempre, Luís Magalhães, queixava-se da política financeira de Salazar relativamente aos Açores: «não sei que mosca tem mordido Salazar que o enche de raiva para com os Açores. [...] Visto que a lei das rolhas não nos deixa dizer o que justo é que se dissesse, hei-de aproveitar o ensejo da primeira eleição que houver para protestar com o meu voto contra o Governo da ditadura» (carta de 19 de Fevereiro de 1932). Ao beirar os oitenta tem ainda coragem para alertar as novas gerações sobre os perigos que adviriam caso a autonomia não fosse consagrada constitucionalmente. Assim, nas colunas do jornal micaelense O Distrito, afirma: «interessando-nos vivamente, a nós açorianos, como portugueses que somos, todo o contexto da constituição, mais proximamente nos interessa conhecer se nela se consigna qualquer disposição que garanta constitucionalmente a autonomia administrativa [...]. Se deixarmos a nossa autonomia administrativa na dependência de leis e decretos avulsos, continuará exposta aos vaivéns da sorte, à boa ou má vontade dos Governos» (O Distrito, Ponta Delgada, 25.2.1933).

E, numa visão global sobre a política Salazarista, em 1934: «Nutro profunda antipatia pela ideologia política Salazariana, posto que tenha uma profunda admiração pelo seu talento e técnica financeiros, antipatia que se baseia no desprezo que essa ideologia vota à personalidade humana individual como se a personalidade humana individual não fosse o constituinte último e indispensável da família, da profissão, etc..

Sujeitar o indivíduo à mecânica corporativa parece-me um erro grave e uma doença mortal dessa ideologia» (carta de 4 de Maio de 1934).

Nas colunas dos jornais que noticiaram o seu falecimento, sobressaem qualificativos como «combatente de rija têmpera», «testemunho do maior civismo», «grande açoriano e português», «figura das mais proeminentes da sua geração», «símbolo de uma época», etc. (Correio dos Açores, Ponta Delgada, 2.5.1942). Propõe-se mesmo que lhe fosse erigido um monumento: «A cabeça bela e expressiva do dr. Aristides da Mota voltada a nascente, ligeiramente erguida ao sol, como quem fita Portugal e diz ainda e sempre: ?somos ilhéus ? mas portugueses dos melhores?.» Aliás, essa tónica no patriotismo de Aristides Mota foi salientada nos diversos artigos. Corria o ano de 1942. Aristides da Mota só podia surgir como «prestigioso representante de uma época já esfumada no tempo» e cuja luta ? curiosamente remete-se sempre e só para a campanha dos anos noventa do século XIX ? nada teria de anti-nacional e anti-patriótico (Correio dos Açores, Ponta Delgada, 2.6.1942). Carlos Cordeiro

Obras. (1892), Discurso proferido na Câmara dos Senhores Deputados na sessão de 15-II-1892. Ponta Delgada, Tip. Campeão Popular. (1892), Projecto de Lei apresentado à Câmara dos Senhores Deputados na sessão de 31 de Março de 1892 «Livre Administração dos Açores pelos Açorianos» por.... Ponta Delgada, ed. do autor. (1892), Projecto de Lei apresentado à Câmara dos Senhores Deputados na sessão de 30 de Março de 1892, abolindo os custos nos inventários e alterando os direitos de sucessão nas pequenas heranças. Ponta Delgada, Tip. Campeão Popular. (1896), Espelho de Enganos. 1.º Aditamento. Começam os Desenganos. Minutas do M. P. e da Parte Civil no agravo interposto pelo conselheiro dr. Manuel Lopes Guimarães e seus sobrinhos. Ponta Delgada, Tip. Elseveriana. (1896), Espelhos de Enganos: cartas do Dr. Manuel Lopes Guimarães e de seu sobrinho Dr. Francisco Lopes Guimarães e outros documentos extraídos dos processos de simulação de contratos e crime pendentes no Juízo de Direito da Comarca de Ponta Delgada. Ponta Delgada, s.e.. (1901), Pequenos Discursos proferidos no Teatro Micaelense por ocasião da festa de caridade e de regozijo público. Ponta Delgada, ed. Ferreira Cordeiro. (1902), Reclamação Administrativa: reclamante o Dr. Bruno S. Tavares Carreiro, reclamados a Câmara Municipal de Ponta Delgada e o Dr. Gil Mont?Alverne de Sequeira. Ponta Delgada, Tip. Ferreira. (1902), Prevenção a incautos: a defesa da Câmara Municipal de Ponta Delgada na reclamação do Dr. Bruno Tavares Carreiro. Ponta Delgada, Tip. Ferreira. (1905), Autonomia Administrativa dos Açores. Campanha de propaganda de 1893. Reprodução de artigos publicados na Autonomia dos Açores. Ponta Delgada, Tip. Comercial [2.ª edição, com introdução de Carlos Cordeiro, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1994]. (1905), Para a História da Autonomia Administrativa dos Açores. Documentos inéditos, publicados por.... Ponta Delgada, Tip. Comercial. (1906), Abolição dos custos nos inventários. Projecto de Lei apresentado à Câmara dos Senhores Deputados a 15 de Dezembro de 1906. Lisboa, Imprensa Nacional. (1907), Pequenos Casais de Família. Projecto de Lei apresentado à Câmara dos Senhores Deputados na Sessão de 6 de Março de 1907. Lisboa, Imprensa Nacional. (1916), Uma causa injusta. Acção de interdição por demência requerida pelo M. P. contra José Maria Caetano de Matos. Ponta Delgada, Tip. do Diário dos Açores. (1932), Carta do Sr. Dr. Aristides Moreira da Mota. Ponta Delgada, ed. Fernando d?Alcântara (sep. do livro Em Prol da Descentralização).

 

Fontes. Biblioteca Nacional de Lisboa, Espólio Luís de Magalhães, E/2, Correspondência de Aristides Moreira da Mota com Luís de Magalhães.

 

Bibl. Carreiro, J. B. (1952), A Autonomia Administrativa dos Distritos das Ilhas Adjacentes, sep. da revista Insulana, 8, n.os 1, 2, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Cordeiro, C. (1987), Liberalismo e Descentralização ? A Intervenção de Aristides Moreira da Mota, sep. da Revista Atlântida ? Ciências Sociais. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, 1: 25-54. Id. (1994), «Introdução», In Aristides da Mota, Autonomia Administrativa dos Açores. Campanha de propaganda de 1893. Reprodução de artigos publicados na Autonomia dos Açores, 2.ª ed., Ponta Delgada, Jornal de Cultura. Id. (1999), Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores durante a I República. Lisboa, Salamandra. João, M. I. (1991), Os Açores no Século XIX: Economia, Sociedade e Movimentos Autonomistas. Lisboa, Edições Cosmos. Leite, J. G. R. (1995a), «Considerações acerca da correspondência de Aristides Moreira da Mota com Luís de Magalhães», in A Autonomia no Plano Histórico. I Centenário da Autonomia dos Açores (actas do Congresso). Ponta Delgada, Jornal de Cultura: 207-220. Id. (1995b), Política e Administração nos Açores de 1890 a 1910. O 1.º Movimento Autonomista. Ponta Delgada, Jornal de Cultura. Id. (org., pref. e notas) (1987), A Autonomia dos Açores na Legislação Portuguesa 1892-1947. Horta, Assembleia Regional dos Açores. Motta, A. A. R. (1952), Aristides Moreira da Motta: Advogado, Professor, Político (Notas biográficas). Ponta Delgada, Gráfica Regional [comp. e imp.]. Silveira, P. (1977), Antologia da Poesia Açoriana do Século XVIII a 1975. Lisboa, Sá da Costa.