Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Lagoa, concelho de

Heráldica A primeira bandeira conhecida ostenta uma Cruz de Cristo e as armas nacionais, com uma legenda inscrita: «Exaltatio Sanctae Crucis», sobre um damasco de seda carmesim, bordada a ouro e de franja dourada. Numa segunda versão, cuja data também é desconhecida, continuam as mesmas armas e o símbolo, sobre um escudo bipartido. Posteriormente, foi aprovada em Diário do Governo de 15 de Agosto de 1951 a seguinte constituição heráldica: as armas são de prata, com uma cruz maçanetada de vermelho, que representa como nas anteriores o orago da antiga igreja Matriz; em chefe um açor de negro segurando nas garras o escudete das quinas. A bandeira é esquartelada de vermelho e de branco, com as armas ao centro e por baixo do escudo um listel branco com a palavra Lagoa, de negro; a haste e a lança são douradas; os cordões e as borlas são de vermelho e prata. O selo, circular, tem ao centro as peças das armas e a legenda de Câmara Municipal da Lagoa. Carlos Enes

Urbanismo

Origem do núcleo

Como outras fixações urbanas na costa sul de S. Miguel, as do concelho de Lagoa correspondem às fases mais iniciais do povoamento da ilha. Da Povoação a Vila Franca, ou desta a Ponta Delgada, os lugares litorais da ilha com melhores condições de defesa, de abrigo e de água potável eram procurados no processo de assentamento das primeiras comunidades, nos séculos XV-XVI. Neste caso, e de forma clara, as razões do assentamento ficaram gravadas no próprio nome do sítio urbano principal do concelho: «... diz Fructuoso: ?A villa d?Alagoa chamada assim por uma que tem defronte da porta da Igreja principal acima dum recife e porto que tem onde podiam entrar bateis (...) agora é como terra e polme (que no tempo das inundações tem corrido) e está entupida, e é terra de pastel e doutras novidades e rende para o concelho ... (Fruct. L. 4 cap. 42)?. O dito terreno em que foi convertida a lagoa, continua a ser propriedade do município [...] é vulgarmente conhecido por terras da Lagoa de Baixo, por ficarem quasi ao nível do mar, pelo qual são frequentemente invadidas» (Tavares, 1986: 5).

A existência desta lagoa deve assim ter sido a razão principal do assentamento dos primeiros povoadores na actual área urbana antiga de Santa Cruz de Lagoa, à roda do actual largo da Praça Velha (o local da inicial câmara e cadeia) e da Igreja Matriz de Santa Cruz ? duas funções essenciais para a definição de uma vila na época de Quatrocentos-Quinhentos: «Do Porto dos Carneiros [...] era natural procurarem local onde houvesse água potável. Encontraram-na a pouca distância, para leste, na antiga lagoa que deu o nome à vila e em umas nascentes que ficam à beira mar, ao sul da Igreja Matriz e que se prolonga até à entrada duma grota que por isso se chama grota das Fontaínhas» (Tavares, 1986: 6).

Com o desenvolvimento urbano subsequente, Lagoa é elevada a vila em 1522, por foral de D. João III, no ano da catástrofe que destruiu Vila Franca do Campo, e que por isso foi razão do maior desenvolvimento posterior ? em alternativa ? de povoações até então secundarizadas, como Lagoa e Ponta Delgada: «... fazemos saber que pela informação que temos da muita povoação que há a e a cada dia acrescentam no lugar da lagoa da nossa ilha de São Miguel para onde se deve fazer toda a mercê que seja razão e por isso de nos a receberem os moradores do dito lugar hemos por bem queremos e nos praz que daqui em diante para sempre seja villa e se possa chamar villa [...] (Extrato do livro I do Tombo da Câmara Municipal da Villa da Lagoa, fls. 4 e seguintes)» (Tavares, 1986: 6).

Mais tarde, em 1593, será reconhecido como paróquia o lugar de Porto dos Carneiros, igualmente fundador deste núcleo urbano, do lado ocidental da ribeira de Santa Cruz, com a carta de criação da freguesia de Nossa Senhora do Rosário (cf. Tavares, 1986: 8).

 

Bipolaridade do núcleo histórico da Lagoa

Como se viu, estava criada e sedimentada, nos finais de Quinhentos, a estrutura de povoação urbana da Lagoa, com o estatuto de vila, e as suas duas paróquias constituintes: a de Santa Cruz, com a matriz e a câmara/cadeia, do lado oriental da ribeira; e a do Rosário, do lado oeste da mesma linha de água.

Podemos deste modo considerar uma estrutura dupla, bipolar, como constituindo o conjunto da vila da Lagoa. E a forma urbana desses dois núcleos surge ainda hoje próxima do que deve ter sido há 400 anos.

Santa Cruz constitui o núcleo de malha mais concentrada, defrontando o «campo» da antiga lagoa a ocidente, com a matriz alcandorada sobre a pequena enseada, e as suas ruas, entre as duas ribeiras perpendiculares à costa, no sentido noroeste-sudeste: rua da Igreja, rua da Praça e Praça Velha (lugar da inicial casa de Câmara), rua do Meio e rua do Jardim. O largo do Teatro, para onde convergem quase todas elas (e também a rua do Jardim, por via da rua do Tanque) era o pequeno espaço distribuidor para ocidente, na direcção de Nossa Senhora do Rosário (e da actual câmara), pelas ruas Dr. Filomeno da Câmara / Herculano Ferreira; e, a nascente, a rua do Cabo da Vila prolongava o núcleo até à saída para Água de Pau. A norte, num espaço que seria então arrabaldino, implantou-se o característico espaço conventual micaelense, com a igreja de S. Francisco, e a sua cerca.

A construção da Casa de Câmara e Cadeia foi assim inicialmente junto à Praça Velha de Santa Cruz (e só muito depois passou para o actual local, entre os dois núcleos), e daí o topónimo, sendo «praça» o lugar central do poder cívico: «O local escolhido foi ao nascente da actual Praça Velha, ocupando uma parte da residência do Sr. Francisco Parreira Espada Callapez e uma outra casa deste cidadão, que fica ao sul da primeira. A cadeia estava numa casa independente, mas passou depois para o mesmo edifício da Câmara, que, por alinhar com o lado nascente da rua que vai dar ao Canto do Garfo, passou a mesma rua a chamar-se rua da Cadeia e hoje da Cadeia Velha [...] Por ficar mais central para a vila, fez-se a actual casa de Câmara, cuja construção começou no ano de 1800. Para isso foram expropriadas: a antiga ermida de São Sebastião e mais três casas» (Tavares, 1986: 17-18).

O núcleo de Nossa Senhora do Rosário, pelo contrário (conhecido hoje como a «Lagoa» propriamente dita), apresenta uma malha urbana mais espraiada e mais regular ? de algum modo, mais moderna: em primeiro lugar, com uma sub-estrutura rectilínea, no sentido norte-sul (com a rua Agente Técnico Mota Amaral / largo do Vinhado / rua de José Pereira Botelho / largo de Nossa Senhora do Rosário, e rua do Vigário), que, ligando directamente ao porto de pesca (largo do Porto), constitui possivelmente a estrutura fundadora.

Num segundo nível, a estrutura completa-se com a rede reticulada constituída pelas ruas a poente das anteriores: rua do Espírito Santo, rua Formosa/da Amoreira, rua da Boavista e avenida António Medeiros de Almeida, de direcção norte-sul; e, no sentido nascente-poente, rua 25 de Abril (a «rua direita» do núcleo, que se prolonga para Santa Cruz a nascente e para a Atalhada, a oeste), travessa da Amoreira e rua do Calhau da Areia (via costeira, que se prolonga para a área fabril, piscatória e popular, pela rua da Fábrica).

Numa breve síntese, caracterizemos a estrutura urbana conjunta de Santa Cruz / Nossa Senhora do Rosário: «Lagoa, que forma um conjunto com Santa Cruz, tem a originalidade assente na sua distribuição entre esses dois pólos bem distintos. Santa Cruz é um arrabalde oriental de malha linear simples e marcada expressão rural, encimado pelo antigo convento de São Francisco, com a igreja defrontando o mar. Daqui passa-se pela rua direita ao largo da Câmara, a meio caminho entre os dois núcleos, e, depois de passar a ribeira, chega-se ao largo de Nossa Senhora do Rosário, o principal de Lagoa. Deste estabelece-se a relação com o espaço rural a norte, através do largo do Vinhado, com a entrada da povoação por poente e com a zona fabril e portuária a sul, sendo todo o conjunto estruturado por uma retícula regular» (Arquitectura Popular nos Açores: 95).

A modernização da rede viária regional, com a construção da E.N. 1 (designada por avenida Infante D. Henrique na parte urbana de Lagoa), uma via larga, a norte da antiga e longa rua Direita que ligava os dois núcleos, a ela paralela e também à costa, deu no século XX outra escala, mais ampla e actual, a todo o conjunto, articulando Atalhada, Lagoa/Rosário e Santa Cruz numa sequência rápida.

 

Outras povoações do Concelho

Água de Pau constitui o outro núcleo urbano histórico do concelho, que devemos referir destacadamente. A origem do seu nome deve referir-se à existência, uma vez mais, de água potável: «... parece-nos ser corrupção de Água do Paúl, nome da ribeira que passa ao lado norte da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos. O Paúl, hoje terra lavradia, ficava por detrás da mesma igreja [...]» (Tavares, 1986: 10).

De facto, o concelho de Lagoa é uma zona da ilha com lagoas ou pauis costeiros (como sucede noutras ilhas, veja-se o paul da Praia na Terceira), aspecto geográfico que favorece a implantação de núcleos urbanos por causa da presença de água potável.

Água de Pau recebeu o seu foral de vila, ainda com D. Manuel, em 1515: «... pela informação que temos da povoação que é e cada dia se acrescenta no lugar d?Agua de Pau da nossa ilha de San Miguel por onde se lhe deve fazer toda mercê que seja razão, e por isso a de nós receber os moradores do dito lugar: temos por bem e queremos e nos praz que daqui em diante para sempre seja villa e se possa o dito lugar d?Agua de Pau chamar-se villa ...» (Tavares, 1986: 11); mas, entrando em decadência séculos depois, acabou por merecer a extinção por decreto de 19 de Outubro de 1853 (cf. Tavares, 1986: 12).

Assentamento original, porque excepcionalmente no interior (contrariamente a todos os outros núcleos importantes da ilha, e dos Açores em geral), embora próximo da costa, Água de Pau tem uma beleza própria: «... distingue-se pela raridade da sua implantação no contorno de uma elevação vulcânica que a aparta do mar, mas com a qual estabelece de imediato uma relação visual muito rica. O sabor abrasileirado do seu nome, com o colorido especial das casas e a presença das palmeiras, empresta-lhe um tom tropical» (Arquitectura Popular nos Açores: 95).

Outros espaços ou núcleos povoados, sem atingirem propriamente a dimensão urbana, mas muito interessantes do ponto de vista paisagístico são: a Ribeira Chã, com o seu sítio encastrado em plena encosta; e a Caloura, um cais organizado em função do gracioso conventinho (Nossa Senhora do Desterro), frente a um mar tão belo como por vezes impiedoso.

Ainda se podem mencionar outros sítios: a Atalhada (com uma singela estrutura linear, da rua Direita da Atalhada à confluência com a estrada nacional, junto ao impressivo solar e à capela do largo dos Santos); a Guia, com a capela (Nossa Senhora da Guia) de espectacular fachada azulejada policroma; e o Cachopo. José Manuel Fernandes

Arquitectura A arquitectura religiosa assume interesse destacado no conjunto da arquitectura do concelho lagoense. Na vila da Lagoa as principais igrejas são: a de Nossa Senhora do Rosário (em local de antiga ermida, foi erigida em 1767-1772, de três naves, com a torre completada em 1792); a matriz de Santa Cruz, provinda dos séculos XV e XVI, mas com a frontaria e torre de 1844 (também de três naves, com o tecto manuelino da capela-mor e seu altar em talha dourada); a de Santo António, no antigo convento franciscano, de profusa decoração em basalto sobre fundo branco na fachada barroca, iniciada em 1749 (com claustro). Todas elas se podem integrar no chamado «barroco açórico», que valoriza as formas decorativas da pedra vulcânica negra sobre as superfícies caiadas a branco.

Em Água de Pau a igreja de Nossa Senhora dos Anjos foi reconstruída depois do cataclismo de 1522, a partir de 1525, mas a fachada actual data de 1774, tendo sido restaurada em 1949. Tem três naves e azulejaria na capela-mor.

Na Ribeira Chã situa-se em posição de destaque a igreja de S. José, em sóbria arquitectura moderna, iniciativa do padre João Caetano Flores, com projecto do arquitecto Read Teixeira (1962-1967) e grande riqueza decorativa interior.

Outras obras mais modestas podem ser mencionadas: a capela de Nossa Senhora das Necessidades, na Atalhada (de 1660, reconstruída em 1828); a capela de Nossa Senhora das Misericórdias, no Cabouco, de 1847-1849; a capela de Nossa Senhora do Desterro, na Ponta da Caloura, no conventinho seiscentista à beira-mar (com fachada revestida a azulejos encimada por frontão curvilíneo, e interior azulejado e com talha dourada); e a mais interessante, a ermida de Nossa Senhora do Cabo, na Guia, com minuciosa fachada decorada com relevos basálticos e azulejos policromos. A fortaleza litoral, de Nossa Senhora da Conceição, constitui modesto vestígio no porto.

A actual Câmara Municipal, edificada em 1800, insere-se no tipo de edifícios municipais da ilha, com graciosa escadaria dupla e simétrica sobre a fachada, com um elegante desenho de balaustrada e patamares de desenho redondo. Foi ampliada no século XX, com projecto por José Lamas (anos 1980-1990), que lhe construiu um corpo novo na traseira, com galeria de ligação de linhas modernas.

Os solares do concelho exibem alguns exemplos de qualidade, sobretudo dos séculos XVII e XIX: na Atalhada, uma casa com poderoso alpendre coberto, muro e torre, de vãos encimados por decoração barroca, junto à estrada (ficha n.o 91 do Arquivo Arquitectura Popular dos Açores [AAPA]); em Santa Cruz, na densa malha central, uma fachada de ampla varanda de base curvilínea, barroca (ficha n.o 97 do AAPA); nos arredores de Lagoa, um solar rural com capela anexa de frontão com profusa decoração barroca (ficha n.o 105 do AAPA); em Água de Pau, um solar isolado, de dois pisos e cornijas salientes, com longa série de vãos de lintel curvo, avarandados com sacadas de reixa na fachada (ficha n.o 110 do AAPA); e, na mesma localidade, no largo de Santiago, outro solar de vãos de lintel recto e capela anexa (ficha n.o 112 do AAPA).

A arquitectura popular lagoense apresenta aspectos originais, como as «torrinhas» e mansardas ou trapeiras em coberturas de exemplos modestos, térreos, e inúmeras fachadas com óculos decorativos em pedra e sacadas com rótulas.

A arquitectura do século XX também apresenta exemplos assinaláveis, para além da «Cova da Onça» (loja com «lettering» modernista de Água de Pau), sobretudo nas décadas mais recentes: a moradia por Luís Cunha a norte da Estrada Nacional, na Lagoa (com corpo cilíndrico saliente e chaminés em betão descofrado, do anos 1960-1970); a moradia por Pedro Maurício Borges, junto à mesma estrada, dos anos 1999-2001 (de longo corpo branco em «L»); a original moradia sita na encosta da descida para a Caloura, de longa e única água de cobertura inclinada (prémio da AAP nos anos 1990); e a casa própria de Kol de Carvalho na Atalhada (1998).

Na área dos equipamentos públicos, deve destacar-se a obra de Jorge Kol de Carvalho: as piscinas municipais de Lagoa, sobre a costa rochosa (1995); a recuperação e adaptação do Cine-teatro Lagoense, no centro da povoação (1997); e a piscina coberta de Lagoa, já de 2000.

Uma referência final deve ir para os museus da Lagoa e da Ribeira Chã: no de Lagoa, polinucleado, integra-se o Museu do Presépio Açoriano; e o de Ribeira Chã, paroquial, distribui-se por diversas casas, com elementos artísticos, etnográficos, agrícolas e botânicos. José Manuel Fernandes

História A história da Lagoa nos três primeiros séculos do povoamento é difícil de reconstituir devido à ausência de documentação local (livros de vereações) ou à conservação de registos tardios que, ainda que essenciais, apenas resgatam uma parte da vida concelhia (livros de notas, registos paroquiais). Segundo alguns estudiosos, teria sido na região onde, futuramente, viria a constituir-se o núcleo urbano da vila que os primeiros animais foram largados, por mandado do Infante D. Henrique, dando assim origem ao topónimo Porto dos Carneiros. Após a elevação de Vila Franca do Campo à categoria de vila, em data desconhecida, a emergência de novas vilas em S. Miguel aconteceu no reinado de D. Manuel I: Ponta Delgada (1499), Ribeira Grande (1507), Nordeste (1514) e Água de Pau (1515). Quando Lagoa foi contemplada com o estatuto de vila, por diploma datado de 11 de Abril de 1522, o novo concelho surgiu encravado entre aqueles que já existiam, mas tal facto permitiu à municipalidade vir a afirmar-se nos séculos posteriores como um ponto central para a realização de assembleias de câmaras, as chamadas «juntas», nas quais se discutiam assuntos da maior relevância para a ilha de S. Miguel. As informações quanto à origem geográfica e grupo social de pertença dos primeiros moradores são escassas, mormente para as camadas sociais mais baixas, mas as crónicas testemunham que a área mereceu a preferência de alguns ilustres povoadores. De acordo com Gaspar Frutuoso, o capitão João Rodrigues da Câmara convenceu Gonçalo Moniz, que encontrara na ilha da Madeira, a ir para S. Miguel, prometendo-lhe grandes favores e largas dadas de terras. Gonçalo Moniz era natural das Astúrias, tendo vivido em Sevilha, onde casara, antes de passar à ilha da Madeira. Instalado na Lagoa, na viragem do século XV para o XVI, Gonçalo Moniz recebeu «aquela largueza de terras que estão logo saindo da dita Alagoa, partindo com as do Capitão, correndo para Água do Pau, do mar à serra» (Frutuoso, 1977, I: 220). A vila foi crescendo e as arroteias e os campos cultivados transformaram a paisagem. Por meados do século XVI, o concelho tinha já adquirido uma relativa importância no quadro da rede urbana local e consideramos que um indício dessa posição é dado pela intenção de D. João III agraciar o capitão Manuel da Câmara, que combatera heroicamente em Santa Cruz do Cabo de Gué, tomada pelos Mouros em Março de 1541, com 6.000 cruzados e o título de conde da Lagoa, que o mesmo capitão recusou. No final de Quinhentos, a dinâmica demográfica concelhia e as exigências de enquadramento espiritual dos fiéis estiveram na origem da criação da paróquia de Nossa Senhora do Rosário, apontando uns autores a data de 27 de Setembro de 1593 e outros a de 5 de Abril de 1595. Certo é que esta decisão correspondeu a uma etapa de crescimento demográfico e de desenvolvimento socioeconómico da vila, embora em documentos da época o lugar do Porto dos Carneiros seja indicado como fazendo parte do termo da cidade de Ponta Delgada. O aumento populacional e o desenvolvimento urbano da vila caminharam lado a lado. Os dados registados por Frei Diogo das Chagas e relativos às paróquias de Santa Cruz e de Nossa Senhora do Rosário indicam um total de 401 fogos e 1.468 almas para 1640 e de 385 fogos e 1.652 almas maiores e menores para 1646 (Chagas, 1989: 145-147), o que situaria o total populacional do núcleo urbano e da área periurbana acima das duas mil pessoas. Nos séculos XVII e XVIII, a Lagoa assistiu à edificação de diversas ermidas e solares no termo concelhio, ilustrando quer a dinâmica urbana, quer a nobreza de alguns dos seus moradores (Costa, 1987 [1974]: 26-29; Rodrigues, 2003, II). No século XVIII, concentrando-se a maior parte da população micaelense nos seis principais núcleos urbanos da ilha, os valores disponíveis para 1721, tal como nos são apresentados por Francisco Afonso de Chaves e Melo, um dos notáveis locais de Ponta Delgada, colocam a vila da Lagoa em quarto lugar no que respeita a efectivos populacionais, com um total de 605 fogos e 2.314 almas de confissão, o que equivaleria a um total de 2.663 habitantes, acima das vilas do Nordeste e de Água de Pau. Em 1770, a posição relativa da cidade e das cinco vilas mantinha-se igual à que ocupavam em 1721, tendo então a Lagoa ultrapassado ligeiramente o limiar dos 3.000 habitantes (3.195). No plano económico, devemos sublinhar que a vila se afirmava então como centro piscatório e que no hinterland agrícola se cultivavam cereais, com destaque para o milho, e leguminosas, mas também árvores de fruto e vinha. As vereações municipais confirmam a existência na Lagoa de barcos ligados à pesca e ao transporte de géneros: oito em 1707 e 1724 e cerca de uma dezena trinta anos depois, em 1754. Relativamente ao cultivo da vinha, uma visitação à freguesia de Nossa Senhora do Rosário, em finais do século XVII, permite-nos aceder a uma informação preciosa acerca da condição social dos que à vinicultura se dedicavam. Com efeito, de acordo com o texto da visita de 26 de Janeiro de 1696, a igreja não dispunha de boas receitas porque a freguesia tinha poucos lavradores que contribuíssem com esmolas generosas para a fábrica, por serem quase todos «lavradores de vinhas». Sublinhemos, pois, o fraco rendimento dos lavradores locais, cuja produção assentava na vinha, menos rentável do que o trigo ou o milho. Mas notemos que aqueles que, na documentação local, são designados como «lavradores» não se encontravam todos no mesmo patamar da hierarquia social e acrescentemos que alguns dos indivíduos que nos livros de vereações são apresentados como «pessoas do povo», na verdade pertenciam à elite local (Rodrigues, 2003, I). Concelho de pequena dimensão, a Lagoa estava, no entanto, estrategicamente localizada no interior de um triângulo definido pelas vilas da Ribeira Grande e Vila Franca do Campo e a cidade de Ponta Delgada. Deste modo, no jogo de relações de forças entre os diversos municípios micaelenses, a vila apresentava-se como o local ideal para a realização de juntas de câmaras. Este tipo de reuniões não era inédito, ocorrendo sempre que estava em causa uma tomada de posição colectiva face a uma solicitação da coroa ou a um problema que afectava todos os municípios micaelenses. Na centúria de Seiscentos, a Lagoa acolheu «juntas de câmaras» por ocasião do lançamento de novos direitos e, no século XVIII, este tipo de assembleias reuniu-se na Lagoa em 1709, 1736 e 1744 (Lalanda, 2002: 424-433; Rodrigues, 1994: 115-119; Rodrigues, 2003, I: 236). Não podendo competir com as duas maiores vilas da ilha, foi por esta via que o concelho lagoense se afirmou nas suas relações com os municípios mais ricos e poderosos de S. Miguel. Definido desde 1522, no século XIX o concelho da Lagoa sofreu diversas transformações no plano administrativo. Não individualizando todas as etapas, destaquemos alguns marcos. Em 1839, a lei de 3 de Julho dividiu o distrito oriental dos Açores em três comarcas e nove concelhos. Em S. Miguel, os concelhos de Lagoa e Água de Pau ficaram integrados na comarca da Ribeira Grande. Uma data da maior importância na história do concelho da Lagoa corresponde à extinção do concelho de Água de Pau, por decreto de 19 de Outubro de 1853. Na sequência deste reordenamento territorial e administrativo, os limites do concelho da Lagoa foram estabelecidos de forma mais precisa no início da década de 1860. Já no final do século, pelo decreto de 18 de Novembro de 1895, foram extintos nos Açores quatro julgados municipais, sendo um deles o da Lagoa. Durante a centúria de Oitocentos, a Lagoa conheceu um importante surto de desenvolvimento cultural e de fomento económico. Com o regime liberal e as reformas iniciadas na década de 1830, as escolas públicas chegaram à Lagoa em 1832. No entanto, a instrução foi igualmente apoiada pela acção de particulares, organizados em sociedades de beneficência. A título de exemplo, refiramos a Sociedade dos Amigos das Letras e Artes, fundada em Ponta Delgada por António Feliciano de Castilho, a 9 de Setembro de 1848, e que muito contribuiu para o ensino das famílias pobres nos concelhos de Ponta Delgada e da Lagoa (Tavares, 1944: 255-262). Ainda no domínio do ensino, mencionemos a criação de uma escola para o sexo feminino, em 1867, pelo vigário Jacinto Inácio de Sousa. A segunda metade do século XIX foi marcada pelo aparecimento de diversas bandas, traduzindo a mobilização das comunidades em torno de projectos de índole cultural e recreativo: a Lira Lagoense foi criada em 1850 e extinta em 1872, a Emulação Popular foi fundada em 1868 e a Estrela d?Alva nasceu em 1889. Já no século XX, em 1921, surgiu a Lira do Rosário. Paralelamente, no final de Oitocentos, a maior atenção concedida aos grupos sociais desfavorecidos também se manifestou no concelho de Lagoa. A 13 de Setembro de 1883, por iniciativa de João do Rego Borges, que estivera emigrado no Brasil, onde fizera fortuna, e de um grupo de amigos, teve lugar a fundação de um instituto destinado a garantir a assistência aos pobres de ambos os sexos de Santa Cruz, Nossa Senhora do Rosário, Cabouco e Atalhada. No campo da economia, devemos assinalar que o concelho da Lagoa conheceu um surto fabril importante no último quartel do século XIX e no início do XX, erguendo a Lagoa à condição de «vila operária» e dando igualmente origem a uma das «imagens de marca» locais. Entre as principais indústrias, destacaram-se a cerâmica, sector que permanece dinâmico até hoje, o álcool, as rações e a metalurgia. Por fim, assinalemos que, no que respeita à geografia administrativa da Lagoa, a configuração interna actual do concelho é um produto do século XX. A freguesia de Nossa Senhora do Rosário data de 5 de Abril de 1945, a Ribeira Chã foi elevada a freguesia a 18 de Maio de 1966 e o Cabouco somente a 15 de Novembro de 1980. José Damião Rodrigues

Aspectos Económicos O concelho da Lagoa está situado na ilha de S. Miguel, sendo um dos cinco concelhos desta ilha. No censo de 2001, apresentava uma população presente de 13.766 indivíduos e uma população residente de 14.126. Com 45,6 km2 de área a densidade populacional é de 311,8 hab/km2, um valor muito superior aos 106 hab/km2 dos Açores (INE, 2002).

Este concelho fica situado entre Ponta Delgada e Vila Franca do Campo, tendo a norte a Ribeira Grande. Na sua zona costeira podem identificar-se dois portos de pesca, Santa Cruz e Caloura.

A população activa reparte-se por diversas áreas de actividade, incluindo a agrícola e a agro-pecuária, a industrial e a dos serviços. Na área industrial destacam-se a produção de alimentos compostos para animais e óleos alimentares. A indústria da construção civil ocupa também um lugar significativo nas actividades do concelho. Os serviços concentram-se, essencialmente, nas actividades do sector público e no comércio. O turismo e a restauração têm uma expressão pouco significativa na economia deste concelho. Localizado no centro da costa sul de S. Miguel, o concelho evidencia, no entanto, um bom potencial para o turismo, sendo a Caloura um local de referência para o lazer e para este sector. Em 2002, a Lagoa concentrava uma oferta de 161 lugares em unidades de alojamento.

Segundo o Recenseamento Geral Agrícola de 1999 (INE, 1999), havia, na Lagoa, nesta data, 565 explorações agrícolas. A quase totalidade destas explorações (557) tinha a natureza de produtor singular por conta própria. A quase totalidade da mão-de-obra utilizada é familiar, com os homens a representar pouco mais que as mulheres (1.029 e 949, respectivamente). O efectivo animal, em 1999, incluía 5.800 bovinos, dos quais 2.976 eram vacas leiteiras (3% do total dos Açores).

Em 1999, das 893 empresas com sede na Lagoa, 128 (14%) eram do sector primário, 211 (24%) eram do sector do comércio, 267 (30%) de construção civil, 63 (7%) da indústria transformadora, 39 (4%) dos transportes, armazenagem e comunicações e 71 (6%) do ramo de alojamento e restauração, dispersando-se as restantes por outros ramos.

Em 1999, o concelho registou uma actividade reduzida na área do turismo, constituindo, mesmo assim, a par de Ponta Delgada, o segundo concelho nesta actividade. A ampliação de uma unidade hoteleira e o aparecimento de outras novas elevam, de forma muito significativa, a oferta turística da Lagoa, a partir de 2004.

A taxa de actividade do concelho era, em 2001, de 42,7%, valor equiparado aos 42% da Região Autónoma dos Açores.

O volume de vendas das sociedades sediadas atingiu, em 2000, 42.021 milhões de euros (INE, 2001). No mesmo ano, o orçamento da Câmara Municipal atingiu os 8,4 milhões de euros (SREA, 2001: 128).

Em 1999, 5,6% da população era pensionista (SREA, 2001: 150).

A Lagoa apresentava, em 1997/99, um Índice Per Capita de Poder de Compra de 56% da média nacional, um valor significativamente inferior ao dos Açores que, nesta mesma data, atingiu os 65,1%.

A economia da Lagoa pode caracterizar-se pela sua concentração nas bases agro-pecuária, construção, turismo e pública, com uma expressão reduzida dos demais sectores de actividade. Mário Fortuna

Aspectos Religiosos Zona de passagem entre dois importantes aglomerados populacionais da ilha de S. Miguel, Vila Franca do Campo e Ponta Delgada, o concelho de Lagoa apresenta uma dinâmica religiosa própria desde inícios de Quinhentos, congregando as actuais freguesias de Santa Cruz, Nossa Senhora do Rosário Água de Pau, Cabouco e Atalhada.

Segundo as crónicas frutuosianas, a Lagoa terá sido a segunda área do povoamento micaelense, após a instalação do primeiro núcleo populacional na Povoação. Esta dinâmica justificou a emergência de um templo capaz de alimentar as necessidades pastorais dos seus moradores, erigindo-se a ermida de Nossa Senhora dos Remédios que, segundo a tradição, é uma das mais antigas da vila, fundada por Pedro Velho, sobrinho de Frei Gonçalo Velho Cabral, ainda antes de 1511. Entretanto, o desenvolvimento do porto e das estruturas municipais em Santa Cruz, suscitaram a erecção de uma igreja nesta freguesia, embrião da futura matriz, provavelmente ainda nos finais do século XV, na qual viria a estar agregado o padre Gaspar Frutuoso, durante os anos de 1558 a 1560. No século XVII, com o proliferar da população, surgiram outros templos religiosos, alguns deles apadrinhados por particulares, como a de Nossa Senhora do Cabo, fundada em 1674 pelo padre João Alves da Cruz, e a de Nossa Senhora da Guia, fundada em 1694 pelo padre Salvador de Sousa, vigário da matriz de Santa Cruz. Na ausência de padroeiros privados, a câmara da Lagoa assumia a responsabilidade pelo patrocínio destas ermidas, como sucede com a de S. Sebastião. Erecta na primeira metade do século XVI como, aliás, a própria invocação sugere, esta ermida foi apadrinhada na vereação de 5 de Janeiro de 1675, passando a gozar de um dote de 1.000 réis anuais. Esta ligação à entidade municipal seria determinante para o futuro deste templo, uma vez que, nos inícios do século XIX, foi destruído para no seu local se edificarem os novos Paços do concelho.

Nos finais do século XVI, o desenvolvimento demográfico da vila da Lagoa e as dificuldades que os moradores da zona dos Portos dos Carneiros tinham em deslocar-se até à matriz, suscitaram a criação de uma nova paróquia. Erecta em 1593 e sedeada na ermida dedicada a Nossa Senhora do Rosário, a nova freguesia iria ter como espaços sufragâneos a ermida de S. Pedro, fundada em 1566, onde estava a imagem de S. Pedro Gonçalves, padroeiro da confraria dos marítimos desta vila, e outras ermidas que foram fundadas durante os séculos XVI, XVII e XVIII, como Santo Amaro, Santa Ana, Espírito Santo, Santa Bárbara, e Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora das Necessidades, Nossa Senhora da Misericórdia, Nossa Senhora do Pópulo e Nossa Senhora da Guia.

Por sua vez, os moradores Água de Pau dependiam da paróquia de Nossa Senhora dos Anjos, já existente em 1511, e que havia sido fundada na ermida desta invocação, erecta ainda nos finais do século XV. O terramoto de 1522 destruiu esta igreja, mas, três anos mais tarde reiniciava-se a sua edificação, a qual sofreu diversas alterações ao longo do tempo, quer arquitectónicas, quer decorativas, nomeadamente a substituição da imagem da Senhora em 1859, encomendada ao escultor Francisco Pedro de Oliveira e Sousa, do Porto. Também nesta freguesia encontramos diversas ermidas de invocação mariana, como a de Nossa Senhora da Ajuda, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora das Dores e Nossa Senhora da Natividade e santoral, como a de S. José, S. Pedro e S. Tiago. Como ponto de passagem obrigatório para todos aqueles que faziam o trajecto sul da ilha de S. Miguel, a freguesia de Água de Pau possuía dois albergues: um instalado na ermida de Nossa Senhora de Monserrate, que ainda em 1688 desempenhava funções de apoio aos viajantes e romeiros; outro localizado junto da ermida da Santíssima Trindade, fronteiro à igreja paroquial, em pleno funcionamento durante o século XVIII. O progresso dos meios de transporte e das vias de comunicação causariam a inoperância destes espaços e, por consequência, estes dois albergues seriam destruídos no decurso do século XX.

As duas outras freguesias do concelho de Lagoa, face à sua distância dos principais núcleos populacionais, foram prolíferas em templos de pequena dimensão. Na freguesia da Atalhada podemos referir o de Nossa Senhora das Mercês, o de Nossa Senhora das Necessidades e o de Nossa Senhora da Natividade, cuja ermida foi transformada em igreja já nos inícios do século XIX; e, na freguesia do Cabouco, o de Nossa Senhora da Misericórdia, Nossa Senhora do Resgate e ainda o de Nossa Senhora do Pópulo, fundado em 1676 pelo negociante francês Jacques de Padron.

Se a maior parte das ermidas lagoenses tinha padroeiros responsáveis pela manutenção dos edifícios e respectivos ornamentos, a sobrevivência das igrejas paroquiais dependia, em primeira instância, do rendimento da fábrica maior, suportado pelo pagamento dos dízimos, das covas funerárias, das multas devidas por comportamentos populares irregulares e ainda pelas ofertas de esmolas concedidas pelos fiéis. Na Lagoa, a escassez de terras cerealíferas conduzira a uma produção diversificada que, a partir do século XVII, foi aproveitada pela Igreja açoriana. Assim, os proprietários de vinhas eram obrigados a pagar à fábrica menor da sua paróquia 200 réis por cada moio de terra; 10 réis por cada alqueire de pomar e 10 réis por cada alqueire de horta. Esta colecta era despendida, essencialmente, com a manutenção do corpo dos templos e respectivos adros exteriores e com as festas religiosas que decorriam ao longo de todo o ano. Em determinados casos, quando as receitas não cobriam algumas despesas julgadas imprescindíveis, recorria-se a um estratagema particular, mormente fintando os moradores de acordo com os respectivos rendimentos pessoais, como sucede em 1660, quando os residentes da freguesia de Nossa Senhora do Rosário são fintados para se recolher o dinheiro necessário para terminar o lajeamento e o conserto do adro da sua igreja.

Para o sustento espiritual dos fiéis, a Igreja açoriana era a responsável pela nomeação dos respectivos pastores. Em meados do século XVII, a matriz de Santa Cruz tinha um vigário, quatro beneficiados, um cura, um tesoureiro e um extravagante. Por seu lado, a igreja de Nossa Senhora do Rosário ficava sob a responsabilidade de um vigário, um cura, um tesoureiro e dois extravagantes.

Em todas as igrejas e ermidas lagoenses foram fundadas diversas confrarias, reflexo das devoções individual e comunitária de cada crente. Esta devoção, todavia, não era constante nem homogénea, como se comprova pela crítica que a hierarquia angrense dirige, em 1612, aos irmãos das confrarias do Espírito Santo e de S. Pedro da igreja de Nossa Senhora do Rosário, acusando-os de serem remissos no pagamento das suas pensões. As irmandades lagoenses, de acordo com os estatutos disponíveis, tinham como principal objecto a protecção das almas dos confrades no Além, fenómeno visível até aos inícios de Oitocentos. É o caso do compromisso da confraria dos Fiéis de Deus da igreja de Nossa Senhora do Rosário, firmado em 1812, que estipulava que, por cada irmão falecido, se celebrassem 15 missas de privilégio e um nocturno. A despesa com este cerimonial eucarístico obrigava a um escrupuloso critério de admissão dos novos confrades, obrigando-se que os candidatos mais idosos pagassem jóias em valores muito mais elevados do que os candidatos mais jovens. Aliás, a partir dos 40 anos de idade, qualquer interessado em aderir a esta confraria ficava obrigado a entregar uma jóia decidida arbitrariamente pela mesa confraternal, a qual, naturalmente, tinha em consideração não só o estatuto social do candidato, como o seu estado de saúde.

Igrejas, ermidas e confrarias encontravam-se submissas ao poder diocesano, o qual, através das visitações, procurava inspirar modelos de conduta religiosa adequados. No período que decorre de 1507 a 1917, a freguesia de Santa Cruz foi visitada 29 vezes e, entre 1596 a 1917, a de Nossa Senhora do Rosário foi visitada 30 vezes, 6 delas pelos próprios prelados.

Estas visitações episcopais procuravam reformar hábitos e rectificar costumes menos próprios. Na Lagoa, as advertências dirigem-se contra os jogos realizados pelo sexo masculino em redor da igreja, contra os indivíduos que conversavam no adro no decurso da missa dominical, contra os que faltavam às celebrações eucarísticas e contra aqueles que trabalhavam nos dias santos e domingos.

Destaque-se ainda, neste concelho, a existência de dois conventos. Na Caloura, em Água de Pau, foi fundado em 1525 um convento feminino, invocado a Nossa Senhora da Conceição. Em 1533, o isolamento geográfico e a localização costeira desta casa religiosa, constantemente ameaçada por corsários, justifica a determinação destas clarissas em transferirem-se para áreas mais seguras, gerando a criação de outros dois conventos femininos em S. Miguel: em 1533 partem 19 freiras (11 professas e 8 noviças) que fundarão o convento de S. André, em Vila Franca do Campo e, em 1541, saem 7 professas e 8 noviças que se dirigem para Ponta Delgada, onde fundarão o convento de Nossa Senhora da Esperança. Na Caloura, o espaço conventual voltou a ser ocupado em 1633, agora pelos eremitas da Recolecta de Nossa Senhora da Consolação, que tinham sido obrigados a sair do seu retiro nas Furnas, após a erupção que, em 1630, fustigou este vale. Com a expulsão dos recolectos em 1832, o convento de Vale de Cabaços tornou-se um bem público e foi vendido pelo Estado em 1854, sendo ainda hoje património da família Jácome Correia.

Na freguesia de Santa Cruz localiza-se o outro convento da Lagoa, invocado a Santo António de Pádua, e fundado em 1641. Coube ao conde de Vila Franca do Campo, D. Rodrigo da Câmara, patrocinar este espaço, oferecendo os antigos paços da vila, edificados pelo seu bisavô, para a instalação dos franciscanos. A actividade pública destes frades capuchinhos incidia, essencialmente, sobre duas áreas: a educação, proporcionando a leccionação de português, latim, filosofia, retórica, teologia, música e cantochão; e a caridade, garantindo os almoços de todos os seus alunos e fornecendo diariamente, pelas 11 horas, uma refeição para todos os pobres da vila.

A projecção deste convento era apoiada por muitos lagoenses, os quais, através da Ordem Terceira a ele ligada, também assumiam competências caritativas no concelho, nomeadamente assegurando o auxílio aos mais debilitados fisicamente: duas enfermeiras tratavam os doentes que moravam em Santa Cruz, uma cuidava dos que residiam em Nossa Senhora do Rosário e uma apoiava os moradores da Atalhada. O final do século XVIII traria a desmotivação popular em relação à Ordem Terceira, antecedendo as alterações introduzidas com o Liberalismo. Os 72 frades professos que residiam no Convento de Santo António nos finais desta centúria assistiram à extinção da sua casa conventual decretada a 17 de Maio de 1832, ficando o edifício sob o patrocínio da entidade municipal até à actualidade. Susana Goulart Costa

Fontes. Arquivo Histórico Ultramarino, Açores, caixa 8, doc. 16. Arquivo Paroquial da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Lagoa, Livro de receita e despesa da confraria das Almas (1782-1878). Id., Livro de capítulos de visitas (1596-1743). Id., Livro do Tombo (1593-1669). Id., Livro de assento da receita e despesa de capelas e ermidas (1748-1810). Arquivo Paroquial da Igreja de Santa Cruz de Lagoa, Livro da fábrica maior (1789-1877). Id., Livro de Receita e despesa da confraria das Almas (1782-1877).

 

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