Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Ferraz, João José da Cunha

 [N. Angra, 3.1760 ? m. Angra, 3.2.1844] De uma família de fracos recursos foi educado por seus tios que o mandaram estudar para Coimbra, onde se formou em Direito, em 1788. Foi reconhecido como o melhor advogado quando regressou à Terceira. Em data incerta foi sagrado presbítero e cerca de 1790 foi feito cónego da Sé, tornando-se numa das mais conhecidas e activas figuras do cabido. Em 1800, foi nomeado membro da Comissão de Inspecção das Escolas Públicas. Acompanhou o bispo D. José Pegado de *Azevedo na sua visita a S. Miguel em 1810 e tendo falecido o prelado, em Ponta Delgada, em 1812, decidiu o cabido não eleger vigário capitular e manter o governo da diocese, sede vacante, segundo a tradição local, sendo Cunha Ferraz eleito provisor, cargo que ocupou pelos três anos que mediaram até à posse do novo bispo, D. Alexandre da Sagrada Família. Entretanto ocupara a dignidade de tesoureiro-mor da catedral. Com a morte de D. Alexandre, em 1818, o cabido decidiu-se pela primeira vez a eleger um vigário capitular para governar a diocese, sede vacante, recaindo a eleição em Cunha Ferraz que aceitou o encargo e definiu a sua posição sobre o mesmo, numa doutrina anti-regalista muito contrária às suas opiniões e posições futuras. O seu governo, entre 1818-1820, foi marcado por forte intervenção pastoral e disciplinadora, sendo notáveis as suas pastorais, principalmente aquela sobre a preparação dos candidatos ao sacerdócio, não havendo seminário. Nela se criaram as escolas de moral nos conventos franciscanos de Angra e Horta, precursoras do seminário.

Nomeado novo bispo, em 1820, D. Frei Manuel Nicolau de *Almeida, Cunha Ferraz volta a ser designado provisor do bispado. É ele que assume a responsabilidade, em 1821, de explicar aos povos a Constituição, em sermão que publicou com a seguinte nota: «Nem o Bispo pregou, porque não quiz; nem o Deam, pelo mesmo modo e os Párochos confessam que não sabiam o que era a Constituição.»

Terminado o episcopado agitado de D. Manuel Almeida, na sede vacante agravaram-se as dissidências entre os membros do cabido no referente à eleição do novo vigário capitular, em cuja discussão se distinguiu Cunha Ferraz.

Na agitada época das lutas entre liberais e absolutistas, iniciada em 1828 com a revolta de 22 de Junho que restabeleceu a Carta na Terceira, Cunha Ferraz vai assumir importante papel quer no governo da Diocese, quer no Governo Civil. O novo bispo, D. Frei Estêvão de Jesus Maria, não estava na diocese tendo ficado em Lisboa e declarando-se apoiante de D. Miguel. Em Angra forma-se, para substituir o capitão-general mandado sair da ilha, um governo provisório e desse governo devia fazer parte o bispo, que estando ausente deveria ser substituído pelo governador do bispado, Dr. Fructuoso José Ribeiro, mas sendo este declarado suspeito politicamente foi exilado e assumiu o lugar no governo o Dr. Cunha Ferraz, que entretanto havia assumido a presidência do cabido. A posição do novo governador tinha-se alterado profundamente e era agora defensor acérrimo do regalismo e por isso não tinha dúvidas em executar as ordens emanadas do governo liberal, ao qual aliás presidia, tornando-se assim no primeiro dos «governadores intrusos» da diocese, como a Santa Sé os veio a declarar posteriormente. Foi Cunha Ferraz quem assumiu a responsabilidade de pôr a Diocese e os seus bens ao serviço dos liberais nos Açores.

Com a evolução da situação política nos Açores e a criação, em Outubro de 1828, da Junta Provisória Governativa dos Açores, chefiada pelo general Diocleciano *Cabreira, Cunha Ferraz integrou essa mesma Junta, tornando-se assim conselheiro de Estado. Com a vinda de Vila Flor, como capitão-general, Cunha Ferraz deixa o governo civil e continua como governador da diocese mantendo-se fiel às ordens do novo governo liberal. Em Abril de 1832 é criada a Comissão Eclesiástica, por Mouzinho da Silveira, com o fim expresso de se fazerem as reformas eclesiásticas segundo o novo sistema político. A ela preside Cunha Ferraz que acompanhou D. Pedro a Ponta Delgada, continuando contudo a governar o bispado.

Em Maio de 1831 passa a Desembargador do Paço, para no ano seguinte (30 de Maio de 1832) terminar a sua carreira com a promoção à dignidade de arcediago da Sé de Angra e jubilado como cónego, dispensado do serviço do governo temporal da diocese, mas recebendo pelos cofres públicos de S. Miguel a côngrua de arcediago e o ordenado de desembargador. J. G. Reis Leite

Obras: (1821), Sermão sobre as eleições de Parochia na Cidade de Angra. Lisboa, Tip. Rolandiana. As pastorais e outros escritos como governador do bispado, em 1818-1820 e em 1828-1832, manuscrito no Arquivo do Cabido (Biblioteca Público e Arquivo de Angra do Heroísmo), transcritos em parte por Cónego José Augusto Pereira (1950), A diocese de Angra na História dos seus Prelados. Angra do Heroísmo, Ed. Liv. Andrade: 239-248, 273-293.

 

Bibl. Drumond, F. F. (1981), Anais da Ilha Terceira. 2.a ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura, IV. Pereira, J. A. (1950), A diocese de Angra na História dos seus Prelados. Angra do Heroísmo, Ed. Liv. Andrade: 178, 198, 204, 237, 249, 252, 268. Id. (1939), Padres Açorianos. Angra do Heroísmo, União Gráfica Angrense: 138.