Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Bensaúde, José

[N. Ponta Delgada, 4.3.1835 ? m. ?, 20.10.1922] Filho de Abraão Bensaúde (1790-1868) e de Esther Amiel (1801-1880), ambos provenientes de Marrocos (o pai, da cidade de Rabat, e a mãe, da cidade de Casablanca), José Bensaúde pertenceu à primeira geração de judeus naturais dos Açores.

 A falência comercial de seu pai, quando associado aos negócios de Ricardo Halloran, no segundo quartel do século XIX, impediu-o de seguir uma carreira dedicada às letras, como teria sonhado. Autor de algumas poesias e regular colaborador na imprensa local, José Bensaúde manteve, porém, até ao fim da sua vida, um peculiar interesse pela cultura e literatura. De resto, ao longo dos anos, a sólida amizade com Antero de Quental, a obsessão com a reunião de informações sobre a produção e a transformação de tabaco e o cuidado posto na educação de seus filhos são reveladores do seu incessante interesse pelas letras e pelo desenvolvimento científico e tecnológico do seu tempo.

Em 30 de Maio de 1855, casou por amor com Rachel Hassan Bensliman (1836-1934), chegada há pouco à ilha, nascida em Lagos, no Algarve, embora os pais fossem provenientes do Norte de África, à semelhança da restante comunidade hebraica açoriana. Dela teve quatro filhos ? Alfredo Bensaúde (Lente de Mineralogia, fundador do Instituto Superior Técnico, em Lisboa), Joaquim Bensaúde (engenheiro civil pela Escola de Hanover e historiador), Ester Bensaúde (posteriormente, Oulman, por casamento) e Raul Bensaúde (Doutor em Medicina pela Universidade de Paris).

Com 23 anos de idade, em 1858, José Bensaúde foi convidado para organizar uma das mais importantes fortunas fundiárias da ilha de S. Miguel ? a casa do Morgado Caetano de Andrade *Albuquerque, enteado de António *Borges da Câmara Medeiros. Até 1870, José Bensaúde desempenhou com competência e dedicação estas funções. A fama que granjeou como administrador tornou-o respeitado no universo dos negócios da ilha, sendo depois convidado pelo Visconde da Praia, irmão de António Borges, também grande proprietário fundiário da ilha, para organizar a contabilidade de sua casa. Organizou ainda as contabilidades agrícolas de Ernesto do Canto e de Jacinto Fernando Gil, visconde do Porto Formoso. Anos mais tarde, a título de amizade, administrou os bens de Maria Carlota da Câmara Borges, viúva de António Borges, entre 1873 e 1890, tal como administrou, entre 1889 e 1901, as propriedades do Conde da Ribeira Grande - o maior senhor fundiário da ilha.

A fama de gestor competente e escrupuloso valeu-lhe a nomeação para desempenhar o cargo de secretário da Junta Administrativa das Obras do Porto Artificial de Ponta Delgada, onde permaneceu entre 1861 até 1872 ? desde a data da fundação à da dissolução. A José Bensaúde cabia a gestão dos dinheiros e a encomenda dos materiais para a construção do porto.

Paralelamente às actividades de administrador das casas agrícolas e das suas funções de Secretário na Junta Administrativa das Obras do Porto de Ponta Delgada, José Bensaúde explorava, em regime de arrendamento, um forno de cal, na Pranchinha na Calheta, desde 1861. A fábrica de cal, localizada na Pranchinha, constituída por uma casa alta e lojas n.ºs 90 e 92 e por um telheiro que servia de tulha ao forno de cal, estava avaliada em 85 contos de réis, aquando da sua morte, em 1922. A sua experiência como ?industrial? de cal, aconselhou-o, a fundar, em 1866, com trinta e um anos de idade, a Fábrica de Tabaco Micaelense (F.T.M.), aproveitando a abolição do contrato do tabaco promulgada dois anos antes. Então, juntamente com Clemente Joaquim da Costa, José Jácome Correia e Abraão Nathan Bensaúde, José Bensaúde fundou a F.T.M., da qual foi sócio-gerente até ao fim dos seus dias.

Cada sócio contribuiu com 4 700$000 réis insulanos, não indo além dos 18 800$000 o capital social inicial. Em 1873, este já ascendera a 22 800$000 e, no ano seguinte, subia para 25 800$000. Desde 1876, José Bensaúde tornou-se o sócio maioritário, com uma quota de 14 400$000. A FTM foi transformada em sociedade em comandita por acções, no ano de 1888, e em comandita simples, no ano de 1892. A participação de José Bensaúde e seus dois filhos mais velhos (nomes que constavam apenas para reforçar a posição do pai) era, agora, de 57 600$000 e o equipamento inventariado demonstrava a aposta na energia a vapor.

Aquando da sua morte, a fábrica do tabaco encontrava-se avaliada em mais de 170 contos (excluindo-se a casa de habitação dentro do perímetro da fábrica que estava avaliada em 200 contos). Se José Bensaúde inovou ao construir uma fábrica moderna e ao introduzir uma nova organização do trabalho na sua indústria, revelou também uma inaudita capacidade de iniciativa ao arrancar com a exploração comercial do ananás. Reza a tradição que José Bensaúde enviou para Londres, ao seu correspondente, alguns frutos, que, pela excelência do seu paladar e pela novidade do seu aspecto, terão sido vendidos, a três libras cada, destinando-se à mesa da Rainha Vitória. Novembro de 1864 marcou o arranque da exportação do ananás micaelense. José Bensaúde estava então com 29 anos. Iniciava-se, assim, uma das mais lucrativas exportações micaelenses depois da economia da laranja.

Recorde-se que José Bensaúde tinha sido administrador da Companhia Exportadora Micaelense, desde a sua fundação, em 1872, à sua dissolução, em 1887. Esta experiência seria aplicada, assim, na produção e exportação do ananás, fundando, por isso, a Sociedade de Cultura dos Ananases, que funcionaria entre 1873 e 1912.

Com uma organização interna semelhante à das antigas companhias de produtores da laranja, a Sociedade de Cultura de Ananases foi responsável pela construção, na Pranchina (arredores de Ponta Delgada), de catorze estufas designadas pelos contemporâneos de ?estufas monstras?, devido à sua grande dimensão. Em 1905, porém, foram demolidas, porque deixara de se justificar a sua manutenção. O grande incremento da cultura de ananases fizera aumentar a produção e a concorrência entre produtores, motivando, consequentemente, a queda do seu preço nos mercados de destino. Para José Bensaúde deixara, pois, de ser remuneradora a sua exportação, ainda que a ?economia do ananás? tivesse perdurado por largos anos.

José Bensaúde ainda se interessou pela cultura do chá, tendo construído uma pequena fábrica de secagem, preparação e manipulação das folhas de chá, num edifício contíguo à F.T.M., por volta de 1886. Em 1903, quando se publicou uma lista dos dez maiores produtores, José Bensaúde figurava em último. No memorando dos seus bens, registava-se que a fábrica do chá, na casa da Rua de Santa Catarina nº46, ?não tinha capital certo, mas o valor do prédio era calculado em 15 000$000 e o lucro líquido, nos últimos cinco anos, era calculado em 76 343$050, numa média anual de 15 268$610?.

Também a plantação de matas de criptomérias esteve entre os seus investimentos, pois a lenha era um inestimável combustível para o forno de cal, para a secagem do chá e para a preparação do tabaco. As matas também forneciam a indispensável madeira para construir as caixas para o transporte, outrora da laranja, e, agora, do ananás. Ao morrer, deixava vários corpos de terra plantados de mata, nos arredores próximos da cidade. No total, inventariavam-se 963 alqueires de mata, no valor de 1 615 512$000, dos quais só o valor das lenhas ascendera a 439 contos, nos últimos cinco anos. Ainda possuía várias terras de cultivo e de pastagem, também nos arredores próximos da cidade, avaliados em 2 336 360 de réis insulanos.

Os prédios rústicos de José Bensaúde ocupavam uma superfície de 1290,5 alqueires, distribuídos pelos arredores da cidade, porquanto o seu inventário também contemplava 5,5 alqueires de prédios rústicos na Rua de Santa Catarina, na freguesia de S. José, portando no interior da cidade.

Paralelamente aos projectos agro-industriais, José Bensaúde ainda teve interesses na navegação. Tinha acções nas Empresa Insulana de Navegação e Empresa Nacional de Navegação. Também negociava aprestos marítimos, fornecia carvão aos vapores e era sub-director de uma companhia espanhola de seguros mútuos. Data de 1875 a inauguração da Caixa Filial do Banco Lisboa e Açores, em Ponta Delgada, sendo seus administradores José Bensaúde, George Hayes & Cª e Bensaúde & Cª.

José Bensaúde também possuía inúmeras acções. Detinha uma carteira de títulos de empresas micaelenses, no valor de quase cem contos de réis. À semelhança dos demais empresários de sucesso da ilha de S. Miguel, também adquiriu acções da Companhia de Seguros Açoreana, Banco Micaelense e Fábrica de Santa Clara, mas, ao contrário deles, apostou sobretudo na navegação, com aquisições nos Carregadores Açoreanos, Empresa Nacional de Navegação e Empresa Insulana de Navegação, comprando títulos no valor de 69 800$00 (70,5% do total das suas acções de empresas açorianas). Também comprou obrigações da Câmara Municipal e da Junta Geral, no valor de 11 900$000.

Ainda comprou algumas acções de companhias nacionais. Ao todo, José Bensaúde tinha investido 23 275$000, dos quais retirava, anualmente, uma média de 2 786$099. Comprou acções dos empreendimentos locais e nacionais, mas investiu sobretudo em obrigações estrangeiras, nomeadamente sul americanas, e em bonds de apoio à guerra, das quais retirava um rendimento anual de mais de quinhentas libras e de seiscentos francos!

Trabalhador infatigável, José Bensaúde morreu milionário aos 87 anos. Deixou uma importante fortuna construída por si no valor de 1 456 602$26, conforme a sua relação de bens apresentada nas Finanças de Ponta Delgada. Fátima Sequeira Dias (Jul.2000)

Bibl. Abecassis, J. M. (1990), Genealogia Hebraica. Portugal e Gibraltar, séculos XVII a XX. Lisboa, Liv. Ferin, II, ?Bensaúde? §5, N4. Bensaúde, A. (1936), A Vida de José Bensaúde. Porto, Litografia Nacional. Dias, F. S. (1999), José Bensaúde: self made man. Actas do Colóquio Internacional Os Judeus sefarditas entre Portugal, Espanha e Marrocos. Universidade de Évora.