Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Graciosa (ilha)

Geografia Humana

1 ? Colonização e evolução

Em 1507 a capitania da ilha Graciosa seria doada a D. Fernando Coutinho (permanecendo nessa família até 1642). A partir daí, o processo de colonização da ilha ampliou-se, sobretudo com gentes vindas do Norte e Centro do país, havendo igualmente notícia de colonos oriundos do estrangeiro. Como refere Brum Ferreira (1968: 89) «tudo leva a crer que as experiências de colonização conheceram bons resultados e que a ocupação da terra seguiu um ritmo bastante rápido. O regime das chuvas e a fertilidade dos solos ter-se-ão mostrado favoráveis à cultura dos cereais de pragana, que se tornaram desde o início da colonização a base de subsistência da gente dos Açores. Como a ilha é pequena e terras baixas, as arroteias em breve terão ocupado quase toda a superfície susceptível de utilização agrícola ou pecuária».

Em finais do século XVI, existiriam na ilha três povoações já com alguma importância: Santa Cruz, Praia e Nossa Senhora de Guadalupe. Como refere Gaspar Frutuoso (1963: 327 a 330), a vila de Santa Cruz era a mais importante, acolhendo mais de mil e quinhentos habitantes, com uma estruturação do tecido urbano já bastante consolidada, possuindo várias igrejas, um paul de água no centro da povoação para abastecimento da população e dos animais e, um porto movimentado, embora apenas acessível na maré cheia ? o porto da Barra. Segue-se a vila de Praia, que também já tinha ultrapassado os mil habitantes. Por último, a povoação de Nossa Senhora de Guadalupe, com escassas centenas de habitantes, localizada não muito longe de Santa Cruz, cuja fundação constituiu um dos primeiros esforços de fixar população mais para o interior da ilha. Seguindo ainda Gaspar Frutuoso, constata-se que as três freguesias comandadas por estas povoações detinham 657 fogos, num total de 3130 «almas de confissão».

Por essa altura, a economia e subsistência da ilha baseava-se na agricultura, incluindo a produção e vinho, e na criação de gado e, possivelmente na apanha da urzela. Igualmente importantes deveriam ser as actividades da pesca e da apanha de mariscos. Alguns destes produtos eram regularmente exportados para a vizinha ilha Terceira, através da qual, em contrapartida, a Graciosa importava a generalidade dos produtos de que tinha necessidade: açúcar, ferro, panos, breu, cordas e amarras de navios, especiarias, conservas, azeitonas (cf. Gaspar Frutuoso, 1963: 57).

Em meados do século XVII, como refere Brum Ferreira (1968: 95 e 96) apoiado nas descrições seiscentistas de Frei Diogo das Chagas, «A paisagem agrária da ilha lembrava já, nas suas linhas gerais, a actual. Apenas a importância relativa das culturas havia de mudar sensivelmente. (...) Os ?biscoitos [*]? estavam todos plantados de muitas e boas vinhas que dão excelente vinho (...) As outras terra baixas eram, na sua maior parte, destinadas à cultura e cereais. As melhores ?lavranças? de toda a ilha ficavam no «Campo». As terras altas, ou melhor, a subida para a serra das Fontes, a partir da povoação do mesmo nome, os maciços da Dormida e da serra Branca, serviam de pastos».

Em finais do século XVII, as principais produções da ilha eram o trigo (cerca de dois mil moios), a cevada (cerca de mil moios, o que correspondia a quase metade da produção do arquipélago) e o vinho (duas mil pipas, valor apenas superado pelos das ilhas do Pico e de S. Jorge) (ver Archivo dos Açores, 1888, X: 297). Pela mesma altura, os efectivos populacionais da ilha cifravam-se em 5.658 habitantes, repartidos por 1.394 fogos. A freguesia de Santa Cruz, com 1.812 habitantes e 520 fogos, continuava a ser a de maior importância, seguindo-se-lhe as freguesias de Praia (1.562 habitantes e 360 fogos), de Guadalupe (1.392 habitantes e 272 fogos) e da Luz (892 habitantes e 242 fogos) (Ferreira, 1968: 97; cf. Chagas, 1989; Montalverne, 1962)

Um século mais tarde, em 1796, há notícia de que os efectivos populacionais da ilha já ascendiam a 7.840 habitantes e de que a ilha se tinha tornado numa grande produtora de aguardente vínica.

A partir do século XIX, a base económica da ilha altera-se substancialmente, com a introdução do milho, planta originária da América Tropical, com elevado rendimento e resistência a condições climáticas adversas e, que já no século XVI revolucionara a economia agrária do Noroeste Português. A sua introdução no arquipélago terá surgido como reacção ao declínio da cultura do pastel. Estima-se que, em meados do século XIX, a produção de milho fosse já da ordem dos 800 a 1.000 moios, ou seja, cerca de metade da produção de cevada, mas o dobro da produção de trigo (cf. Brum Ferreira, 1968: 104). A associação produtiva das culturas milho e feijão, tornou-se também frequente. Entretanto, por essa altura, os vinhedos da ilha, a exemplo de muitos outros do arquipélago, do continente e de vários países da Europa, foram atacados por diversas moléstias, primeiro pelo fungo Oidium tuckery, e depois pelo insecto da filoxera, fazendo declinar drasticamente as produções vitivinícolas. O problema teve particular incidência na área da Praia, onde os vinhedos eram mais abundantes, fazendo definhar a economia local, bem como o aglomerado, a ponto de em 1867 ter sido extinto o concelho da Praia.

 

2 - Demografia e estrutura do povoamento

A Graciosa é outra ilha açoriana pequena e com recursos populacionais bastante limitados e, igualmente com a agravante de apresentar desde há largas décadas uma trajectória de recessão demográfica. Efectivamente, em 2001, foram recenseados na ilha Graciosa apenas 4.780 habitantes, dos quais quase 40% concentrados na freguesia de Santa Cruz da Graciosa. No século XX, como em outras ilhas do arquipélago, o pico demográfico foi alcançado no início da década de cinquenta (cerca de 9,5 milhares de habitantes), mas desde aí a Graciosa entrou num processo de progressiva desvitalização demográfica (cf. figuras 1 e 2).

De resto, se compararmos a evolução da pirâmide etária referente à ilha com a dos Açores, verificamos que desde há muito a Graciosa evidencia uma situação bem mais penalizante do que a região. Atente-se, por exemplo, no facto de o peso da população mais jovem (menos de 14 anos) ser sempre menor na ilha do que no arquipélago e, ao invés, o da população idosa ser sempre maior, facto que, naturalmente, tem concorrido para uma mais acelerada fragilização demográfica da Graciosa relativamente à média regional (cf. figura 3).

No que se refere ao povoamento, a ilha da Graciosa, embora como as restantes de origem vulcânica, tem a vantagem de ser uma das que possui extensas áreas de topografia suavizada e solos de alguma fertilidade (sobretudo a chamada plataforma do Noroeste, onde dominam as cotas em torno dos 50 m), o que durante séculos se constituiu como factor atractivo para a fixação populacional.

Efectivamente, ao observarmos a estrutura do povoamento da Graciosa, verificamos que este apresenta um carácter razoavelmente dispersivo, com assentamentos populacionais não apenas nas proximidades da orla costeira, mas também nas áreas mais interiores, sobretudo nas duas freguesias do Norte ? Santa Cruz e Guadalupe.

A vila de Santa Cruz da Graciosa, sede do único concelho existente na ilha, é, desde há muito, o aglomerado principal da ilha, sendo por isso aí que se concentra a maior parte dos equipamentos e serviços colectivos. No inicio do século XX, a vila já possuía perto de oitocentos habitantes, valor que se reforçaria nas décadas seguintes, tendo atingido um pico populacional, cerca de mil habitantes, no início dos anos cinquenta. Apesar de nas décadas que se seguiram ter perdido alguns efectivos populacionais, a vila de Santa Cruz surge no início do novo milénio com 947 habitantes, valor não muito distante do seu pico populacional, o que indicia alguma capacidade de atracção interna (cf. figuras 4A e 4B).

O lugar da Luz, com 587 habitantes recenseados em 2001, ocupa o segundo lugar na hierarquia do povoamento da Graciosa. Trata-se de um aglomerado que, além de ser sede de freguesia, usufrui da vantagem de ser o mais importante dos fixados na encosta Sul, fazendo um contraponto relativamente à vila de Santa Cruz, tendo por isso acolhido alguns serviços públicos que lhe dão alguma sustentabilidade e dinâmica.

Para além destes, a Graciosa só apresenta mais cinco lugares com população superior a duzentos habitantes ? Vitória, Praia, Fonte do Mato, Fontes e Ribeirinha ? o que atesta a debilidade da rede de lugares da ilha. De resto, o espaço ocupado pelas concentrações populacionais não chega a 364 hectares (5,9% do território da ilha).

Efectivamente, tal como nas restantes ilhas do arquipélago, em termos de uso do solo, dominam os espaços agrícolas os quais ocupam 46.176 hectares (75,5% da ilha). A estes há ainda que juntar os terrenos ocupados com matos (801,8 hectares, correspondentes a 13,1%). Já o espaço dito de industria é bastante insignificante (5,6 hectares, ou seja 0,1%) (cf. figura 5).

 

2 ? Base económica e emprego

Até finais do século XIX, as actividades artesanais e industriais nunca constituíram um pilar alternativo no desenvolvimento económico da ilha. Desde início, por força da importância da produção de cereais e da necessidade de alimentar a população, a moagem (seja através de atafonas ou dos típicos moinhos de pedra ao gosto holandês) esteve presente na economia faialense. No limiar do século XVII, a produção de vestuário a partir do linho ainda terá tido alguma importância (segundo os dados do Archivo dos Açores, 1878, I; 499, em 1702 a ilha chegou a produzir 100 quintais). Em meados do século XIX, a tecelagem a partir de lã de ovelha ainda é relevante no concelho da Praia, havendo notícia da existência de 126 fiandeiras em 1833 (embora os tecidos produzidos não tivessem grande reputação). Já em finais do século XIX, a produção de telha e de tijolo, bem como a de cal (cuja matéria-prima era importada) e, a de sabão (cuja fábrica foi fundada em 1872), chegaram também a ter relativa importância na economia local.

Hoje em dia, a ocupação da população activa da Graciosa é dominada pelo emprego no sector terciário (59,5% em 2001) para o que muito tem contribuído o desenvolvimento dos serviços administrativos e sociais ligados ao sector público. De facto, o sector privado do comércio e serviços, dadas as enormes limitações dos potenciais de procura, tem pouco peso no emprego terciário local, sendo apenas de relevar a actividade comercial que em meados da década de noventa empregava cerca de 180 pessoas, repartidas por 68 pequenos estabelecimentos e, a actividade turística que disponibiliza apenas três pequenas unidades de alojamento. Note-se que, ainda há cerca de três décadas o emprego no sector terciário rondava apenas os 16%.

Ao invés, o sector primário, basicamente dominado por actividades agro-pecuárias, tem vindo a perder importância relativa e absoluta, a ponto de hoje o emprego neste sector representar menos do que 17%, quando em 1970 chegou a rondar os 72%. Quantitativamente, note-se que só na primeira metade dos anos noventa a Graciosa perdeu cerca de 200 explorações agrícolas (passou de 1.199 explorações em 1989, para 1.000, em 1995). Mas, também é necessário sublinhar que, apesar disso, no mesmo período, a ilha da Graciosa conseguiu aumentar quer os efectivos de vacas leiteiras (de 758 para 995), quer a produção de leite para transformação (de 2.003 mil litros para 2.868 mil litros, o que corresponde a um aumento de 43,1%; em 2002 a produção de leite rondou os 29 mil litros). Para além da produção de leite, a ilha assegura também vinho (cerca de 4 mil hectolitros em 2002, mas, é de notar que dez anos antes alcançou mais de 10 mil), milho (ultimamente cerca de 4 mil toneladas anuais, das quais 96% são milho para forragem) e, batata (486 toneladas em 2002).

Por sua vez, o sector secundário, assente essencialmente em pequenas indústrias, de entre as quais pontificam as orientadas para a transformação de produtos oriundos das actividades agro-pecuárias, sobretudo os lacticínios e os vinhos e aguardentes, tem ganho alguma importância relativa, representando desde há cerca de quinze anos quase um quarto da ocupação das população activa (cf. figura 6).

 

3 ? Infra-estruturação e condições de vida

A exemplo das restantes ilhas açorianas, a Graciosa, nas últimas décadas, e sobretudo a partir do momento em que a região dos Açores começou a beneficiar dos apoios comunitários, experimentou um processo de significativo melhoria das condições básicas de vida.

Um dos sectores onde tais progressos são visíveis é sem dúvida o do saneamento básico, como o demonstram as estatísticas disponíveis onde se verifica, desde logo, que toda a população da ilha tem acesso a abastecimento domiciliário de água, faculdade que no início da década de oitenta ainda só beneficiava 63,7% das habitações. Já no sector dos esgotos, apesar das melhorias verificadas (note-se que em 1981, apenas 25,6% das habitações tinham instalações sanitárias com sistema de descarga, valor que uma década depois já era de 68,2%), tem ainda algum caminho a percorrer dado 11% da população ainda não possuir este bem.

No domínio dos equipamentos colectivos também se melhoraram substancialmente as condições de acesso através do incremento da oferta pública em sectores como o ensino, a saúde, a acção social, o desporto e o lazer.

No que se refere ao ensino, a ilha, apesar dos escassos limiares demográficos que apresenta, assegura todos os níveis desde a educação pré-escolar ao ensino básico e secundário.

A oferta de educação pré-escolar integra 8 unidades (7 públicas e uma privada), estrategicamente distribuídas pelos lugares mais importantes, por forma a maximizar o grau de cobertura. No ano lectivo de 2000/2001, este nível educativo satisfazia uma procura de 137 crianças (das quais 111 nos estabelecimentos públicos), dando emprego a 11 educadores.

Os três níveis do ensino básico são igualmente assegurados no quadro da ilha, mobilizando cerca de seis centenas de alunos. O 1.º ciclo do ensino básico é ministrado em 8 estabelecimentos, e acolhe uma procura da ordem dos 260 alunos (dados do ano lectivo de 2000/2001), sendo o ensino assegurado por 18 professores. Já os 2.º e 3.º ciclos são apenas possíveis na escola sediada em Santa Cruz da Graciosa, sendo que o primeiro movimentava naquele ano lectivo 142 alunos e 21 docentes e, o segundo, 184 alunos e 61 docentes.

Por último, no que diz respeito ao ensino secundário, este também só está disponível na escola pública de Santa Cruz, tendo registado no ano lectivo de 2000/2001 uma procura da ordem dos 164 alunos, cujo ensino era assegurado por 61 docentes.

No domínio da saúde a população da Graciosa usufrui apenas de cuidados primários, os quais estão organizados em torno do centro de saúde sediado em Santa Cruz. Este inclui uma pequena unidade de internamento (16 camas) direccionada para o apoio em situações de convalescença ou que não exijam intervenção ao nível dos cuidados diferenciados. Em 2001, o centro de saúde empregava 4 médicos e 7 enfermeiros, tendo assegurado cerca de 9,3 milhares de consultas (62% referentes a clínica geral) e 2,2 milhares de dias de internamento. A satisfação da procura de medicamentos é garantida apenas pela única farmácia existente e localizada em Santa Cruz da Graciosa (cf. Quadro 1).

Referência ainda para a oferta cultural, a qual, dados os escassos potenciais de procura, é bastante limitada, estando apenas representada as funções biblioteca (cerca de seis mil documentos) e museu. José Manuel Simões

 

História Para a ilha Graciosa não é possível individualizar uma data para a sua descoberta. Terá sido avistada com o conjunto das outras em 1427, por Diogo de Silves, num regresso do Golfo da Guiné. O seu nome deriva do aspecto gracioso visto do mar e foi, admitindo-se que as ilhas registadas nas cartas portulano do século XIV são os Açores, aquela cujo nome é de inteira responsabilidade portuguesa, por ser a única que não consta na representação e nomenclatura do século XIV. A história da Graciosa começa, assim, na verdade, com o seu povoamento cujos preliminares se deram com o lançamento de gado nas sete ilhas conhecidas, autorizado pela carta régia de 1439, mas iniciado antes. Contudo, em 1460 a ilha estava desabitada e foi doada em vida pelo infante D. Henrique, seu donatário, conjuntamente com a Terceira, no senhorio secular, ao seu sobrinho, o infante D. Fernando, que assim se tornou no novo donatário ainda antes de vir a receber, quase logo de seguida, mas das mãos do rei D. Afonso V, seu irmão, todas as outras ilhas. É pois na década de 1460 que se inicia o povoamento da Graciosa sob os auspícios do donatário D. Fernando, sendo o grupo de povoadores capitaneados por Duarte *Barreto, da casa do novo donatário. Também neste caso Duarte Barreto foi capitão de facto, mas possivelmente não de direito, como parece ter sido a estratégia fernandina. Os genealogistas dão como chegados à ilha, cerca de 1465, o mais conhecido dos primeiros povoadores desta época, Vasco Gil Sodré, o que confirma a cronologia do povoamento. Esta primeira etapa da colonização foi agitada e correu o risco de fracassar porque os povoadores, ainda mal estabelecidos e precariamente instalados foram atacados pelos castelhanos, quando havia guerra sem quartel entre os dois reinos, diz Frutuoso. Ora essa guerra, a única do século XV entre Portugal e Castela, é a da sucessão em que se envolveu D. Afonso V e durou entre 1475 e 1479 quando se assinou o tratado de Alcáçovas. Do ataque à Graciosa, pela confusa informação de Frutuoso, sabe-se que foi preso ou morto o próprio capitão Barreto e pelos estudos hoje desenvolvidos ter-se-ia dado cerca de 1475. A incipiente capitania passou então para Pedro Correia da *Cunha, que é considerado o primeiro capitão, e que tinha já uma larga experiência como governador na ilha de Porto Santo, cuja capitania perdera. Isto justifica a sua nomeação para a Graciosa, agora já pelo novo donatário o duque D. Diogo, sob tutela de sua mãe a infanta viúva D. Beatriz. Pedro Correia da Cunha terá chegado à Graciosa cerca de 1476, estabeleceu-se em Santa Cruz, mudando assim a sede da Praia, onde Duarte Barreto se havia fixado e iniciado o povoamento. A ele, morto por volta de 1495, sucedeu o filho secundogénito, Duarte Correia da *Cunha que por sua vez governou até 1507, quando faleceu sem herdeiro, terminando assim a primeira dinastia de capitães.

Este primeiro período, que vai de 1460 a 1507, é decisivo para a implantação da capitania e estruturação das primeiras formas de governo e administração. Foram distribuídas as terras em vastas sesmarias de que se não conhecem cartas mas se tem informação posterior (a mais conhecida é a atribuída a João Fernandes Raposo, que devido à grande sesmaria na zona sul da ilha, ficou conhecido pelo «o do Sul Grande») e estabelecida a jurisdição do capitão, com os seus privilégios no cível e crime e na nomeação de magistrados. Temos notícia de que em 1491 era tabelião em Santa Cruz Diogo Vaz e foi almoxarife Nuno Martins, aparecendo assim a estrutura fiscal da capitania. A estrutura espiritual e a hierarquia religiosa, a cargo da Ordem de Cristo, também se estabeleceu e firmou. Duarte Barreto tinha consigo um frade capelão, que o teria traído e ajudado os castelhanos, e estabeleceu o primeiro templo, a ermida de S. Mateus, na Praia.

Pedro Correia da Cunha ao mudar a capital para Santa Cruz aí fez assento de casas no Outeiro das Mentiras e possivelmente um castelo, para defesa de ataques futuros evitando a repetição do desfecho acontecido ao seu antecessor. Estabeleceu-se, então, em Santa Cruz a hierarquia religiosa, primeiro, numa ermida de Santo André e, a partir de 1486, na igreja começada a construir, a matriz. Foi primeiro vigário Frei Gonçalo Contreiro, freire de Cristo que já estava na Graciosa em 1510.

Ainda nesta primeira fase os homens-bons trataram de formar uma Câmara para defesa dos seus interesses particulares e moderação do poder do capitão. A primeira notícia documentada de Santa Cruz ser vila é de 1491, mas as sedes de capitanias desde muito cedo se transformaram, por direito próprio, em sede de município, assim acontecendo na Graciosa também.

Devido ao êxito do processo de montagem das primeiras estruturas políticas, administrativas e religiosas que decorreu entre 1460 e 1507, quando morreu o capitão Duarte Correia da Cunha, sem geração, a capitania regressou à Coroa, o donatário, já então o antigo duque D. Manuel, rei desde 1495, pode nomear como novo capitão o marechal D. Fernando Coutinho, um capitão absentista, como os seus sucessores, sem fazer perigar o crescimento económico e social da ilha. A capitania manteve-se formalmente até 1766, mas os capitães tornaram-se em entidades beneficiadas pelo poder régio, recebedores de rendas e cada vez com menos poderes efectivos da administração, sendo representados localmente pelos seus ouvidores, dos quais é bem conhecido Leão de Espínola (1585), um quase rei na Graciosa [consulte-se a lista dos capitães em *capitanias e as suas biografias].

Ao longo do século XVI consolidou-se a colonização da ilha, com a formação de uma elite dirigente de terratenentes que governaram as câmaras, as misericórdias (a de Santa Cruz, mais rica e a da Praia, ambas vindas do início do povoamento) e as milícias, como aconteceu no resto das ilhas.

O aumento da população, que no terminar do século rondava as 2.700 pessoas fazia da ilha a segunda, depois da Terceira, em densidade populacional (por ser das mais pequenas dos Açores), permitindo a criação, em 1546, de um segundo concelho com sede na Praia. A exploração agrária progredia também e a ilha produzia trigo e cevada, e outros cereais, e começava a afirmar-se, nos terrenos de biscoito, como produtora de vinho, mantendo, com a criação de gado, uma produção suficiente para o autoconsumo e bens de mercado para exportação. O vinho da Graciosa era produto de venda certa na Terceira e o trigo aumentava a corrente de abastecimento do mercado da capital. Todos os cronistas são unânimes na excelência da terra da Graciosa, mas destacam a escassez de água. Não parece sequer ter havido qualquer retrocesso no crescimento populacional e produtivo da ilha pois ao longo do século XVII foram criadas novas *freguesias, Guadalupe, em 1602, e Luz, em 1611, crescendo o quadro de sacerdotes, vigários, curas, tesoureiros e beneficiados, com colegiada em Santa Cruz, esta desde 1515. Em 1609 os franciscanos estabeleceram um convento na vila principal, onde se dedicaram ao culto e ao ensino e como nas outras ilhas também, foram os formadores da consciência religiosa e cívica dos graciosenses.

A milícia para autodefesa estruturou-se desde cedo, em meados do século XVI, com capitães-mores em ambas as vilas, formando assim dois distritos correspondentes à divisão concelhia, como era hábito, e servindo estes cargos e os outros nas companhias espalhadas pela ilha, os nomes mais sonantes de fidalguia. Contudo, houve sempre só um sargento-mor, de nomeação régia, que era um técnico. A ilha sofreu ataques de piratas, flagelo terrível nos Açores, e defendeu-se como pode, umas vezes com êxito, como em 1622, e outras sendo os da terra derrotados, mortos e feitos prisioneiros, como em 1691. Desse primeiro êxito nasceu o lugar da Vitória perto de Santa Cruz.

Ao terminar o século XVII a densidade populacional permanecia alta, agora a mais alta das ilhas, e a população era de 6.656 habitantes.

A Graciosa foi sempre uma ilha periférica dentro do grupo central, ainda que muito ligada no comércio e nas relações sociais e políticas à Terceira. Esta situação periférica permitiu-lhe passar incólume às agitações políticas ao longo dos séculos, às guerras da crise dinástica dos finais do século XVI, à guerra da Restauração no século XVII e mesmo já no século XIX as lutas liberais não a afectaram directamente, ainda que tenha contribuído em todas elas para o esforço de defesa, mas à distância.

Conhece-se mal, por falta de documentação que se perdeu, a evolução da história do municipalismo graciosense mas pelos elementos disponíveis sabe-se que não foi diferente dos das outras ilhas na generalidade. No século XVIII, por uma relação datada de 1738, temos um retrato da ilha com as suas duas vilas, mais as duas freguesias, as muitas ermidas, a população, cerca de 7.000 pessoas, os quadros de pessoal religioso, o convento, com aulas de latim (que já existiam na ilha desde meados do século XVI) e música a cerca de 50 estudantes, as misericórdias e infelizmente menos explicitamente a produção de bens para exportação e consumo. A ideia transmitida é de uma sociedade estabilizada e sem graves roturas, apesar dos ataques dos piratas e dos tremores de terra, se bem que estes menos frequentes e menos destruidores do que em outras ilhas, mas apesar de tudo presentes e perturbadores do sossego, com destaque para o de 1730, muito destruidor na zona sul da ilha, arrasando mesmo a paroquial da Luz, e nos nossos dias para o de 1980.

O século XIX foi de grandes transformações em todos os Açores com a implantação da estrutura administrativa do liberalismo, surgindo pela primeira vez uma administração pública em substituição da jurisdição típica do Antigo Regime. A Graciosa integrou-se, então, em 1836, como parcela do distrito de Angra do Heroísmo e passou a participar através dos seus municípios, dois até 1870, e um só a partir desta data, com a extinção do município da Praia, na administração distrital, com procuradores à Junta Geral ou ao Conselho do Distrito, como conselheiros administrativos do governador civil. A própria administração pública local tornou-se mais complexa com divisão da administração entre responsabilidades locais, Juntas de Freguesia e Câmara Municipal, eleitas nos termos dos Códigos Administrativos, e responsabilidades distritais, como a secção das obras públicas e as escolas primárias, e ainda responsabilidades nacionais, como a alfândega e a administração da justiça com a criação da comarca em 1841. Esta nova forma da administração foi evidentemente acompanhada de profundas transformações sociais como o aparecimento de responsabilidades cívicas de cidadania, nomeadamente nas eleições para os cargos políticos das chefias e dos deputados às Cortes, que tudo pressupunha a existência de uma nova elite dirigente de notáveis, em que o funcionalismo passou a ter, a par com os detentores dos meios de produção, essencialmente agrícola e senhores da terra, um papel fundamental. Desta nova elite passaram a sair todos os representantes eleitos para os elencos camarários, os administradores do concelho, procuradores à Junta Geral, deputados e até governadores civis.

Em termos populacionais a Graciosa atingiu no primeiro quartel do século XIX o máximo da sua população, cerca de 12.000 habitantes, não tendo, como as outras ilhas, encontrado resposta nas alterações sociais e estruturais para aguentar este crescimento. Manteve-se em termos produtivos uma pequena sociedade agrícola e rotineira, apesar da fama de grande produtora de cereais e vinho, este menos afamado e por tudo isso a população foi empurrada inevitavelmente para a emigração, primeiro para o Brasil e já no século XX para os Estados Unidos da América, baixando o seu efectivo (em meados do século XIX estimada em 8.600 pessoas) aliviando-se assim as tensões, mas tudo isso transformou a Graciosa numa ilha periférica, pobre e com graves desequilíbrios sociais que se prolongaram até meados do século XX, atingindo os residentes números entre os 9.000 e os 6.000 num manifesto desequilíbrio.

Com as grandes alterações políticas administrativas a partir de 1976, com a nova organização da Região Autónoma dos Açores, a Graciosa viu valorizado o seu papel com a criação de um círculo eleitoral para a Assembleia Legislativa, com 3 deputados, a criação de uma escola do ensino preparatório e secundário, a construção de um aeroporto e de um porto e um grande investimento municipal, que alterou profundamente a ilha. Contudo esta, mesmo assim, só com dificuldade vai saindo da depressão social e económica e é ainda hoje das menos progressivas. Continua a perder população com graves problemas de inserção social e com uma pequena produção de laticínios e vinho. J. G. Reis Leite

Bibl. Chagas, D. (1989), Espelho cristalino em jardim de várias flores. Ponta Delgada, Universidade dos Açores: 455-470. Costa, F. J. (1845), Memória estatística e histórica da ilha Graciosa. Angra do Heroísmo, Imp. de Joaquim José Soares. Ferreira, A. B. (1968), A ilha Graciosa. Lisboa, Centro de Estudos Geográficos. Frutuoso, G. (1963), Saudades da Terra. Livro VI. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada: 307-332. Lamas, M. (9187), Breve referência a aspectos administrativos e sociais durante o povoamento da ilha Graciosa. Boletim do Museu Etnográfico da Graciosa. Santa Cruz, Museu Etnográfico da Graciosa, 2: 31-43. Madeira, A. B. (1999), População e emigração nos Açores (1766-1820). Cascais, Patrimonia Histórica: 22, 24, 64. Maldonado, M. L. (1990), Fénix Angrense. Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, II: 682-687. Matos, A. T. (editor) (1982), Uma memória setecentista inédita da ilha Graciosa. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, XL: 375-396. Moniz, A. B. C. (1982), Ilha Graciosa (Açores). Descrição historica e topographica. 2.a ed., New Bedford, Promotora Portuguesa Inc.. Montalverne, A. (1961), Crónicas da Província de S. João Evangelista das Ilhas dos Açores. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, III. Pereira, V. C. (1986), Igrejas e ermidas da Graciosa. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura. Pimentel, L. C. (1986), Acerca do povoamento da Ilha Graciosa. Boletim do Museu Etnográfico da Graciosa. Santa Cruz, Museu Etnográfico da Graciosa, 1: 55-72.