Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

hinos

Utilizados no período grego como um poema cantado de louvor aos deuses, os hinos continuaram o seu percurso com o cristianismo exaltando Deus e os santos. A partir do Renascimento passaram a ser utilizados gradualmente nas línguas vernáculas, em detrimento do latim.

Para os Açores são conhecidos vários hinos, com base num levantamento feito por Ernesto do *Canto, na Biblioteca Açoreana, em que foram registadas 232 espécies. Dos hinos religiosos, para além daqueles que são comuns a todo o país, destacam-se nos Açores os que foram compostos em louvor do Divino Espírito Santo, com algumas variantes por ilha. De todos eles, acabou por se tornar mais conhecido o que foi escrito por Read Cabral (Arquivo dos Açores, XII: 91), com música de Jacinto Inácio Cabral (Machado, 1991: 80-81). Com mesma popularidade, registe-se o hino do Senhor Santo Cristo dos Milagres, composto pelo mestre da música de Caçadores 11, Manuel José Candeias, por volta de 1868. Muitos outros foram dedicados a santos padroeiros, tendo alguns sido publicados em opúsculo, como por exemplo o Hino de Nossa Senhora das Dores, canto melódico com arranjo para banda e letra de Armando Cortes Rodrigues ou o hino de Nossa Senhora da Oliveira, com letra de Oliveira San-Bento.

À medida que se foi desenvolvendo a sociedade burguesa, foram surgindo uma série de cantos compostos para instituições culturais, desportivas, recreativas escolares, etc.. Os mais frequentes são os das sociedades *filarmónicas que, desde o século XIX, se espalharam por todas as ilhas. As instituições militares também os criaram, executando-os nas cerimónias oficiais. A nível do desporto refira-se o Hino Desportivo, para o Fayal Sport Club, com letra de Osório Goulart e música de F. Symaria (1921), ou o hino do mesmo clube com letra de Ana Adelina Bettencourt da Costa Nunes, com música do mesmo maestro. Das instituições escolares, o liceu de Angra do Heroísmo conheceu o seu primeiro hino em 1864, a que se juntou outro em 1906, com letra de António Medeiros Franco. A nível de ilha há um hino faialense, com letra de Constantino Magno do Amaral Júnior e música de um estrangeiro (1938). Mas a cidade de Ponta Delgada também criou o seu hino (1927), pelo maestro Gustavo Coelho. Alguns eventos também mereceram ser glorificados com hinos, como as Boas Festas (1862), o Natal (1866), o 1.o de Maio (1898) ou, ainda, grupos específicos, como os namorados (s.d.) ou os Democratas Michaelenses (1880). Ao longo do século XIX foi muito cantado o Hymno ao Trabalho, com letra de António Feliciano de Castilho e música de João Luís de Moraes Pereira, por ocasião de uma *exposição de Indústrias e Artes, realizada em Ponta Delgada, em 1848. Os hinos de louvor a personalidades açorianas que se destacaram pelos seus feitos estão expressos na homenagem a Feliciano de Castilho (1854), visconde da Praia (1869), barão da Fonte Bela (1871), conde da Praia da Vitória (1873), Beato João Baptista Machado (1876), Silvestre Ribeiro (1879), Roberto Ivens (1885), etc.. Mais frequentes são os hinos comemorativos de determinados acontecimentos políticos. Neste aspecto, o período liberal foi fértil, tendo em conta os acontecimentos ocorridos nos Açores. Os vencedores não deixaram passar a oportunidade de construir uma memória liberal, através dos seus versos. O Hino Patriótico «Victória da Villa da Praia», por Almeno Damoeta (Manuel da Silva Passos), o Hino da Terceira ou o Hino 11 de Agosto, com letra de Filomena Serpa, escrito para o centenário da batalha da Praia em 1929, com música do tenente Piedade Vaz. Nos seus textos, foram exaltadas as virtudes dos açorianos e o seu contributo para o engrandecimento da história pátria, libertada do jugo absolutista. Mas já anteriormente, os absolutistas tinham criado os seus hinos, como por exemplo um Hino Patriótico, da autoria de Stockler ou o de D. Miguel, executado em Angra em 1826. As lutas autonomistas, desencadeadas com maior acutilância em São Miguel, deram origem em 1894 ao Hino da Autonomia. Com letra de António Tavares Torres, natural de Rabo de Peixe e militante do Partido Progressista, foi musicado por Joaquim de Lima, natural do continente e maestro da filarmónica daquela freguesia. Foi tocado pela primeira vez a 3 de Fevereiro de 1894, em frente da residência dos membros da comissão autonomista, pela Filarmónica Progresso do Norte. O texto exprime o grito de contestação de um povo que «põe na carta de alforria / a mais firme aspiração», rejeitando «a central tutela odiosa», um clamor «em sã justiça fundado», que «tem seu dia triunfante». E glosando o Hino da Maria da Fonte termina: «Eia! Avante Açorianos / É já tempo despertai / Pela Santa Autonomia / Com denodo trabalhai!».

Com a criação da Região Autónoma dos Açores, em 1976, dotada de estatuto político-administrativo e de órgãos de governo próprios, o decreto regional 4/79/A, de 10 de Abril, criou os símbolos heráldicos dos Açores. No ano seguinte, foi aprovado o Hino dos Açores, pelo decreto regional n.º 49/80/A, de 21 de Outubro. Mantendo a música do hino da autonomia, a letra da poetisa Natália *Correia confirma o triunfo da Fé e da Firmeza das ideias autonomistas reveladas no primeiro hino. É um texto galvanizador, virado para um futuro promissor, em torno de ideias de Liberdade, Justiça, Razão, Paz e Progresso. Apesar do contexto político de confronto radical que se vivera nos anos anteriores, o hino fugiu à lógica agressiva da maioria dos hinos nacionais, em que são predominantes as palavras matar, vencer, vingar, guerra, canhões, armas, marchar, etc.. São hinos que contêm, na sua essência, versos que transpiram ódio, violência e em nada contribuem para estreitar os laços de fraternidade entre os povos. Mas há no Hino dos Açores um aspecto comum a muitos outros hinos nacionais: a glorificação do passado, um passado imortal a iluminar os caminhos do futuro. Carlos Enes

Bibl. Andrade, M. J. (1995), Autonomia vultos e factos, Pasta Pedagógica 1. Angra do Heroísmo, Direcção Regional da Educação. Id. (1997), «As festas do Senhor Santo Cristo Emigrante». Açoriano Oriental, Ponta Delgada [6 de Maio de 1997]. Arquivo dos Açores, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, VI: 119; XI: 559-61; XIII: 89, 91-92, 254. Botelho, J. J. (1938), Hino da Harmónica Furnense: Música de Benjamim Rodrigues. Ponta Delgada. Brum, J. (1988), Fayal Sport Club ? subsídios para a sua história. Horta, Grupo de Amigos do Fayal Sport Club (Califórnia), Direcção Regional dos Assuntos Culturais e Câmara Municipal da Horta: 17-26. Canto, E. (1890-1900), Biblioteca Açoriana, 2 vols., Ponta Delgada, Tip. do Arquivo dos Açores. Dias, F. J. (1939), Hino de N.ª Sr.ª das Dores, para canto e melódico com arranjo para banda. Letra de Armando Cortes Rodrigues. Ponta Delgada, (s.n.). Id. (1946), Hino para banda, Ponta Delgada (s.n.). Id (s.d.), Hino para N.ª Sr.ª da Oliveira, para canto e melódico, com arranjo para banda. Letra de Oliveira San-Bento. Ponta Delgada, (s.n.). Id. (1961), Hino da Filarmónica Eco Edificante, Funchal, (s.n). Id. (1972), Hino da Filarmónica Harmonia Mosteirense. Ponta Delgada, (s.n.). João, M. I. (1991), Os Açores no século XIX ? Economia, sociedade e movimentos autonomistas. Lisboa, Edições Cosmos: 286-287. Machado, J. H. (1991), O folclore da ilha do Pico. Horta, Núcleo Cultural da Horta: 180-181.

 

 

 

LETRA DO HINO DOS AÇORES

 

Deram frutos a Fé e a Firmeza

no esplendor de um cântico novo;

os Açores são a nossa certeza

de traçar a glória de um Povo.

 

Para a frente! Em comunhão,

pela nossa autonomia,

Liberdade, Justiça e Razão

estão acesas no alto clarão

da Bandeira que nos guia.

 

Para a frente! Lutar, batalhar,

pelo Passado imortal.

no futuro a paz semear,

de um Povo triunfal.

 

De um destino com brio alcançado,

colheremos mais frutos e flores;

porque é esse o sentido sagrado

das estrelas que coroam os Açores.

 

Para a frente, Açorianos!

pela Paz à terra unida,

largos voos, com ardor, firmamos,

para que mais floresçam os ramos

da vitória merecida.

 

Para a frente! Lutar, trabalhar,

pelo Passado imortal.

No Futuro a luz semear,

De um Povo triunfal.