Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

António, D., Prior do Crato

[N. 1531 - m. Paris, 26.8.1595] Nos Açores, entre 1580 e 1583, a defesa da causa antoniana contra as pretensões filipinas de unificação peninsular transforma o Prior do Crato em agente relevante da história insular. Fruto de uma relação amorosa ilegítima do infante D. Luís, 2.º filho do rei D. Manuel I, com Violante Gomes, mulher de estirpe popular, D. António surge repentinamente na ribalta política, aquando da irrupção da crise dinástica de 1580. Antes, por decisão familiar, ingressara na carreira eclesiástica, mas à data da morte do pai em 1555 assume o priorado do Crato e solicita dispensa dos votos religiosos, suscitando o funesto ressentimento de D. Henrique, futuro rei. Porém, durante o curto reinado de D. Sebastião, logra participação na conquista de Marrocos, que culmina em aprisionamento na Batalha de Alcácer-Quibir, seguido pelo indispensável processo de resgate. Depois, a candidatura ao trono decorre do parentesco com a família real, nomeadamente da condição de neto do Venturoso, à semelhança de Filipe II e de D. Catarina de Bragança. Por outro lado, D. António ainda reclama primazia face aos concorrentes, considerando a precedência de seu pai na falta de herdeiros directos de D. João III. No entanto, enfrenta dois obstáculos intransponíveis: a ilegitimidade do nascimento e a oposição do cardeal-rei, muito indeciso entre a preferência pela solução portuguesa da duquesa de Bragança e a admiração e o receio pelo poder do rei de Espanha, mas sempre determinado na repulsa do Prior do Crato, sujeito ao desterro e ao perjúrio. Apesar das contrariedades, no impasse político de 1580, D. António avulta como o único pretendente susceptível de impor resistência à superioridade bélica e à persuasão diplomática filipinas. Para o efeito, arrebata a adesão de franjas de populares, que promovem a sua aclamação, primeiramente em Santarém, em Junho de 1580 e depois noutras importantes cidades e vilas, como Lisboa e Setúbal. Todavia, a breve trecho, a intervenção militar espanhola frustra o desígnio de entronização de um português. Neste caso, releva a fragilidade do exército antoniano, que sucumbe no confronto de Alcântara em 25 de Agosto de 1580. A partir de então, a facilidade de reconhecimento do governo de Filipe II contrasta com a má sorte do Prior do Crato, que apressadamente busca refúgio nos recantos de Portugal, antes da opção pelo exílio, sob a guarida das principais potências europeias antifilipinas, sobretudo a França e a Inglaterra.

Nas ilhas, a aclamação de D. António, que ainda sucede no Verão de 1580, possui o carácter de extensão de procedimentos políticos metropolitanos, embora muito estimulados pela acção persuasiva do mensageiro António Costa. No entanto, ao invés da conduta reinol, os Açorianos persistem na fidelidade à causa do Prior do Crato, depois da invasão espanhola e da consequente proclamação de Filipe II como novo rei de Portugal. Neste caso, imperam os efeitos do distanciamento, que obstam à imediata intervenção do exército filipino, e o carisma do corregedor Ciprião de Figueiredo, que converte o abnegado portuguesismo do povo em sustentáculo do partido antoniano. Além disso, também influi o apoio militar externo, sobretudo de franceses e ingleses, que resulta da relevância dos Açores na correspondência euro-ultramarina, da oposição à primazia colonial dos Espanhóis e da tenacidade da resistência terceirense, evidenciada na vitória da Salga, em Julho de 1581. Contudo, a reconhecida bipolarização sociopolítica do tempo da sucessão sempre origina consequências no arquipélago, movendo no princípio de 1581 o alinhamento de S. Miguel e consequentemente de Santa Maria com o governo filipino recém-instituído. Nesta atitude, avulta naturalmente a convicção das autoridades e o assentimento dos estratos sociais superiores, também aqui seduzidos pelas garantias espanholas de maior segurança e prosperidade, mas ainda amedrontados pelo destemor e ousadia do povo miúdo, que na Terceira retribuem a lealdade a D. António. Esta divisão enfraquece obviamente a rebeldia ilhense, que depois perece em 1583, por força do poderio e da eficácia militares castelhanos e da insuficiência e da desordem do socorro bélico da Europa do Norte.

Nos anos da resistência, D. António incentiva os Terceirenses, através do prometimento de auxílio militar. Aliás, entre Julho e Outubro de 1582, o Prior do Crato permanece nos Açores, primeiro em S. Miguel mas sobretudo na Terceira, à frente de uma grossa expedição, que viaja de França sob o comando de Filipe Strozzi. Esta armada intenta o reforço da rebeldia, através do retorno dos Micaelenses ao partido antoniano, do combate da força naval filipina e do saque das carreiras comerciais ibéricas. No entanto, a facilidade do acometimento de S. Miguel possui por contratempo o entrincheiramento da guarnição espanhola no Castelo de S. Brás. Contudo, de consequências irremediavelmente desastrosas, avulta o confronto com a armada do marquês de Santa Cruz, que ocorre ao largo de Vila Franca, em 26 de Julho de 1582, e redunda numa derrota pesada e humilhante. De facto, esta batalha constitui uma espécie de prelúdio da conquista da Terceira, porque destrói o poder marítimo do Prior do Crato e motiva a descrença dos aliados da Europa do Norte, cada vez mais convencidos da inevitável vitória dos Castelhanos, que sucede curiosamente um ano depois no recontro das Mós, a meio da costa meridional terceirense. Nestas circunstâncias, o infortúnio das armas marca a presença de D. António nos Açores. Todavia, o Prior do Crato procede a um arremedo de reorganização administrativa, que também não resulta em seu benefício. Com efeito, a substituição do carismático Ciprião de Figueiredo pelo impetuoso Manuel da Silva origina uma prática política de excepção, que amedronta em definitivo os possidentes e até muitos remediados, motivando a diminuição da base social de apoio do partido antoniano, agora muito dependente dos excessos e dos caprichos de um grupo mais reduzido de homens sem condição. Do mesmo modo, falham outros expedientes de estabilização governativa. No capítulo financeiro, por exemplo, a falta de dinheiro, a irregularidade do comércio e o acréscimo das despesas militares determinam a cunhagem de moeda em Angra, que ostenta por divisa as armas de Portugal, acrescidas de uma figuração insular, composta pela incrustação de dois açores. Porém, o novo numerário suscita a repulsa dos agentes económicos que descrêem do seu valor, sempre sujeito a ajustamentos, consoante as dificuldades de solvência da administração. Neste contexto, à data do regresso a França em Outubro de 1582, um sentimento de malogro caracteriza a passagem de D. António pelas ilhas, considerando o incumprimento dos planos político-militares e igualmente a antevisão do breve silenciamento da rebelião.

A conquista da Terceira pelo marquês de Santa Cruz em 26 de Julho de 1583 aniquila a ilusão do estorvo do domínio filipino em Portugal e no Atlântico. Logo depois, cessa inclusivamente o apoio político-militar dos países da Europa do Norte à causa do Prior do Crato, equiparada à condição de projecto sem viabilidade e sem proveito. Porém, nos anos de 1584 e 1585, a difusão no arquipélago de notícias inverosímeis acerca do breve retorno de D. António ainda gera curiosamente tanto o alvoroço de alguns populares como a desconfiança das autoridades espanholas. No entanto, o desagravo do Prior do Crato aguarda pelo ano de 1589, quando de novo obtém o amparo militar dos Ingleses, que vingam a afronta filipina do envio da *Armada Invencível contra a Grã-Bretanha em 1588. Na altura, os preparativos da expedição, cujo comando se atribui ao temível Francis Drake, ocasiona grande inquietação nos Açores, conferindo maior celeridade ao propósito de construção da fortaleza terceirense do monte Brasil. Contudo, a esquadra antoniana prefere o acometimento do Reino, obrando um desembarque em Peniche e o amedrontamento de Lisboa. Todavia, a irrupção da peste, a resistência da capital, o desmando dos expedicionários e a apatia do povo defraudam, uma vez mais, o desígnio de entronização de D. António. Posto isto, até à morte em 1595, segue o prolongamento do exílio, sempre marcado pela pertinácia da verve antifilipina. Avelino de Freitas de Meneses (Dez.1997)

Bibl. Drummond, F. F. (1981), Anais da Ilha Terceira. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura, I. Frias, P. (1955), Crónica del Rei D. António. Universidade de Coimbra. Frutuoso, G. (1978), Livro Sexto das Saudades da Terra. Ponta Delgada, Instituto Cultural. Maldonado, M. L. (1989), Fénix Angrence. Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, I. Meneses, A. F. (1987), Os Açores e o Domínio Filipino (1580-1590). Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira. Arquivo dos Açores (1982), Relação das coisas que aconteceram em a cidade de Angra, Ilha Terceira, depois que se perdeu El-Rei D. Sebastião em África. Ponta Delgada, IX-X. Serrão J. V. (1956), O Reinado de D. António Prior do Crato (1580-82). Coimbra, Faculdade de Letras, I.