Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Amaral, João José do

[N. Água de Pau, ilha de S. Miguel, 1.10.1782 - m. Fajã de Baixo, ibid., 19.7.1853] Sacerdote, pedagogo, escritor e primeiro reitor do Liceu de Ponta Delgada. Aos 18 anos era professor de Lógica em Ponta Delgada, primeiro passo do que viria a ser o início de brilhante carreira na instrução das gerações. Ordenado sacerdote em 1810, em Julho deste ano assumiu as funções de vice-vigário na igreja paroquial de S. José (Ponta Delgada), exercendo-as até Julho de 1813, data da sua nomeação para professor de Filosofia Racional na capital micaelense. Foi durante muitos anos ouvidor eclesiástico de Ponta Delgada e interino da ilha de S. Miguel. Por carta régia de 18.6.1832, passou a ocupar as cadeiras de Filosofia e de Retórica, criadas por decreto de 6 de Junho do mesmo ano, em Ponta Delgada, regendo-as até ao momento da sua jubilação a 5.2.1850. A 30.8.1851, era nomeado comissário dos Estudos do Distrito de Ponta Delgada, sucedendo no cargo ao poeta e pedagogo António Feliciano de Castilho. Veio a ser, nessa qualidade, encarregado, por decreto de 2 de Setembro daquele ano, de organizar o Liceu de Ponta Delgada. O reitorado foi curto, pois faleceria em Julho do ano seguinte.

Na sequência da revolução liberal de 1820, abraçou os ideais constitucionais, tornando-se mais tarde, depois do golpe de Estado de 1842, uma das figuras proeminentes do cartismo nos Açores. A sua acção política não se desenvolveu no interior dos órgãos decisórios do Partido Cartista, liderado por Duarte Borges da Câmara Medeiros (visconde da Praia) e Francisco Afonso da Costa Chaves e Melo, mas exerceu-se mais directamente ao nível da expressão e defesa da praxis partidária, em folhetos e pela participação empenhada nos periódicos políticos e noticiosos micaelenses, como o Cartista dos Açores (Ponta Delgada, 1845-50), órgão da política cabralista, de que chegou a ser um dos principais redactores. A sua propensão para as reformas sociais fê-lo comprometer-se com o projecto da defesa da agricultura açoriana. Foi um dos fundadores da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense e colaborador de O Agricultor Micaelense. Por alvará de 20.5.1845, reconheceu-lhe o Governo saber e idoneidade científicos, pelo que integrou a Comissão encarregada de estudar os processos de extermínio do insecto da laranja (Coccus pesperidum), de acordo com as determinações da carta de lei de 13 de Fevereiro do mesmo ano, cargo que o ocupou até à data da sua extinção em 1846. Outras funções de relevo desempenhou, a pedido do Governo Civil, da Câmara Municipal de Ponta Delgada e dos conterrâneos que nele reconheciam uma figura de mestre e uma personalidade de talento. Assim, apontamos como mais relevantes: membro da Comissão encarregada de elaborar o projecto para a fundação da Biblioteca Pública de Ponta Delgada (alvará da Perfeitura da Província Oriental dos Açores, de 18.8.1835), tendo nessa qualidade pronunciado a oração inaugural da nova instituição a 11.1.1846; fez parte da Comissão administrativa dos bens da extinta Irmandade de Nossa Senhora do Carmo (alvará do Governo Civil de 28.10.1848), erecta no convento da Conceição (Ponta Delgada), sendo do cargo exonerado com louvor (alvará de 13.4.1853), e da comissão de estudo para o melhoramento dos serviços de administração pública do concelho da Vila do Porto (alvará do Governo Civil de 24.4.1849); e foi ainda um dos principais redactores da Revista dos Açores (Ponta Delgada, 1851-54).

Além do conhecimento científico que possuía de agronomia e botânica, dominava as línguas latina, grega, inglesa e francesa, legando-nos traduções directamente vertidas do inglês, algumas das quais foram por ele adaptadas a fins didácticos, estruturadas em lições pelo método da pergunta-resposta, que o padre mestre considerava eficaz, não só pela simplificação que atingia dos assuntos, despidos da complexidade das questões teóricas - deixadas ao ensino acroamático -, mas também porque implicava uma mnemotécnica, facilitando a apreensão e a memorização dos conteúdos básicos por parte dos alunos que frequentavam os primeiros anos da Instrução Pública. Com esta finalidade pedagógica de pôr à disposição dos estudantes instrumentos de auxílio para os seus estudos, compôs, já nos últimos anos de vida, um glossário retórico para os alunos do Liceu Nacional de Ponta Delgada, pequeno dicionário onde o autor, fundando-se em exemplos, entre outros, de Quintiliano, Catão, Ovídio, Byron, Vieira, Boileau, demonstra um invulgar domínio da literatura greco-latina e dos estudos de retórica e poética seus contemporâneos. Dedicou-se ainda à história, à filosofia e à poesia, dando a público algumas composições poéticas, vertidas em moldes clássicos, das quais conhecemos duas odes elogiosas (Amaral, 1815 e 1822a) e um soneto ao Vale das Furnas (Amaral, 1841). Embora não tenha obra filosófica publicada, teria deixado alguns manuscritos, segundo o testemunho de um dos seus discípulos, A. J. de Melo (1870), que os compulsou, mas que, infelizmente, se perderam. A sua orientação filosófica seguia a da Escola Escocesa, sendo de sua predilecção a leitura das obras de Dugald Stewart (1753-1828), sucessor de Thomas Reid na chefia daquela escola. Manuel Cândido Pimentel (Dez.1996)

Obras principais: (1815), Ode II, In Odes ao Ill.mo Sr. José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, acabando de governar a Ilha de S. Miguel no ano de 1815. Lisboa, Imp. Régia: 9-14 [no fim do poema lemos: «Cantava um Eclesiástico da mesma Ilha [S. Miguel].» A. S. Alvim (1896, 15: 60) e U. M. Dias (1931: 345-346) são unânimes ao atribuírem a autoria ao sacerdote]. (1822a), Aos Beneméritos Restauradores da Liberdade e Independência da Ilha de S. Miguel, no dia primeiro de Março de 1821: Elogio. Lisboa, Imp. da Alcobia. [Recitado pelo autor na Sala do Governo, no dia 13 de Maio de 1821, aniversário de D. João VI, o folheto foi mandado imprimir por A. P. Q. C. (André da Ponte Quental da Câmara); reproduzido no Arquivo dos Açores, III: 486-490]. (1822b), Resposta ao Folheto Intitulado: «Fundamentos do Projecto de Decreto para a Abolição dos Vínculos na Ilha de S. Miguel», s.n., s.l. [U. M. Dias (1931: 60) indica que o presente folheto, publicado anonimamente, é também atribuído a Francisco Afonso da Costa Chaves e Melo; J. Afonso (1985: I, cota 1090) baseado na informação daquele autor, dá a mesma notícia, mas considera que U. M. Dias comete eventual erro ao dar o texto como impresso em Ponta Delgada]. (1828), Elementos ou Primeiras Lições de Geografia e Astronomia de J. A. Cummings, traduzidos do inglês, reformado, e consideravelmente aumentado: para uso dos meninos portugueses; servindo como introdução aos estudos geográficos e astronómicos. Lisboa, Imp. de Eugénio Augusto [Compêndio didáctico, dividido em lições estruturadas pelo método mnemotécnico da pergunta-resposta; conheceu, em 1852, uma 2.ª ed., pela Sociedade Auxiliadora das Letras Açorianas, de Ponta Delgada]. (1839), Carta de Sir John Rennie, arquitecto hidráulico, endereçada de Londres aos membros da Comissão encarregada de examinar a utilidade dum porto nesta cidade de Ponta Delgada. Ponta Delgada, Tip. de F. M. R. de Almeida [tradução do inglês]. (1840), Contradição em que se acha o Ex.mo Bispo de Angra, D. Estevam de Jesus Maria nas suas Pastorais. Ponta Delgada, Tip. de J. I. Rebelo de Medeiros. [O folheto circulou anonimamente. A. S. Alvim (1896, n.º 53: 212) atribui-lhe a autoria, mas Ernesto do Canto, In Inventário dos Livros, Jornais, Manuscritos e Mapas, legado à Biblioteca Pública de Ponta Delgada, Évora, Minerva Comercial, 1905, na secção «Anónimos», n.º 423, assinala tratar-se de obra do P.e José Joaquim Borges.] (1841), Soneto ao Vale das Furnas no ano de 1820. O Monitor, Ponta Delgada, 13 de Outubro, 141: 574. (1844a), As Cinquenta Razões do Duque de Brunswick para Abjurar o Protestantismo e Abraçar a Religião Católica Romana. Ponta Delgada, Tip. da Rua do Provedor [tradução do inglês]. (1844b), O Coccus Hesperidum na ilha de S. Miguel. O Filólogo, Ponta Delgada: 61-63 [O autor assinou o artigo: A., sigla de Amaral. U. M. Dias atribui este texto à autoria do sacerdote; foi reproduzido, em 1851, na Revista dos Açores, Ponta Delgada, I, 7: 25, igualmente assinado A.] (1844c), Plantação de árvores nas montanhas de S. Miguel. O Agricultor Micaelense, Ponta Delgada, I: 164-165. (1845), O Coccus das laranjeiras. Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 450. [também publicado no Cartista dos Açores (1845), Ponta Delgada, 1 de Janeiro, 10, e no Agricultor Micaelense, Ponta Delgada, 2, supl. Tradução da Carta 53.ª, 2.ª parte, da Natural History of Selborn, de Gilbert White.] (1846), Oração inaugural composta e recitada no dia 11 de Janeiro de 1846 na abertura da Biblioteca Pública de Ponta Delgada. Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 24 de Janeiro, 562: 551. (1847), Relatório da Comissão de Socorros aos Alemães da Galera Franklin. Açoriano Oriental, 651-652: 695, 699. (1851a), Exportação de laranja. Revista dos Açores, Ponta Delgada, I, 2: 5. (1851b), Crueldade com os animais. Ibid., 4: 14-15. (1851c), O papa e a Inglaterra. Ibid., 9: 33. [Assinado: A. Tradução do inglês da Pastoral do novo bispo católico romano de Northampton, condado da Grã-Bretanha, de 5 de Novembro de 1850, sobre o conflito religioso que se suscitou entre o Governo inglês e a Santa Sé.] (1851d), Estatística do mar. Ibid., 15: 58-59. [Assinado: A. O artigo reflecte a erudição do autor sobre a geografia do seu tempo.] (1851e), Hábitos perniciosos. Ibid., 28: 109. [Sobre a localização do matadouro municipal de Ponta Delgada, que, erguido no centro urbano, facilitava a acorrência das pessoas aos espectáculos de sangue e mortandade; retira o autor da circunstância lições de moral e comportamento cívico.] (1851f), Proposta n.º 4 [à Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense na sua sessão de 27 de Fevereiro de 1851, sobre o comércio da laranja]. O Agricultor Micaelense, Ponta Delgada, I, 37: 623. (1852a), Terramotos. Ibid., 69: 273. [Assinado: A. Artigo de erudição científica e literária sobre estes fenómenos, com citações de Buffon e Humboldt.] (1852b), Prognósticos rurais. Almanaque Rural dos Açores para o Ano de 1852, Ponta Delgada: 132. (1852c) Medicina doméstica. Ibid.: 138. (1853a), Glossário retórico. Revista dos Açores, Ponta Delgada, 2: 205-211, 242-248, 272-275, 337-343, 365-373. [Com a promessa de continuar, não continuou. Foi o ano da morte do escritor.] (1853b), Apontamentos para a história dos almanaques. Almanaque Rural dos Açores para o ano de 1853, Ponta Delgada: III-VI. (1853c), As laranjeiras: suas espécies e pátria. Ibid.: 138. (1866), Estatutos da Corporação dos Marítimos, sob a Invocação de São Pedro Gonçalves da Cidade de Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel. Ponta Delgada, Tip. da Persuasão. [A. S. Alvim (1896, n.º 53: 212) atribui a sua redacção ao sacerdote.] (1953), Prognósticos rurais do ano de 1850. Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, Ponta Delgada, 18: 115-119.

 

Bibl. Afonso, J. (1985), Bibliografia Geral dos Açores. Angra do Heroísmo, Secretaria Geral da Educação e Cultura / Imp. Nacional - Casa da Moeda, I: cotas 1086-1090. Alvim, A. S. (1896), Micaelenses ilustres: padre João José de Amaral. O Preto no Branco, Ponta Delgada, I, 1 (2 de Janeiro): 4; 3 (16 de Janeiro): 11; 5 (30 de Janeiro): 19; 8 (20 de Fevereiro): 31; 10 (5 de Março): 39; 12 (19 de Março): 48; 15 (9 de Abril): 60; 50 (10 de Dezembro): 200; 53 (31 Dezembro): 212. Album Açoriano (1903), Lisboa, Ed. Oliveira & Baptista: 240. Carvalho, R. G. (1955), Contribuição dos Açores para a História da Filosofia Portuguesa. Braga, Sep. de Revista Portuguesa de Filosofia: 9 [pouco acrescenta a E. Ferreira (1921; 1940)]. Dias, U. M. (1931), Literatos dos Açores. Vila Franca do Campo, Emp. Tipográfica: 60, 341-350. Ferreira, E. (1921), Um educador micaelense: o padre João José d?Amaral. Revista Micaelense, Ponta Delgada, 4, 2: 1001-1005. Id. (1940), Estudos Filosóficos nos Açores: Esboço Histórico. Lisboa, Sep. de Petrus Nonius: 5-7 [o autor sintetiza aí parte do artigo anterior]. Melo, A. J. (1870), Elementos de Ética ou Filosofia Moral. Ponta Delgada, Tip. da Crónica dos Açores.