Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Almeida, Onésimo Teotónio

[N. Pico da Pedra, ilha de S. Miguel, 18.12.1946] Professor universitário, ensaísta e ficcionista. Doutorou-se em Filosofia (1980) pela Brown University, Rhode Island, nos Estados Unidos da América, onde reside desde 1972. Começou a exercer docência naquela Universidade a partir de 1975. É actualmente professor e director do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros. Fundou e dirige, desde 1980, a Gávea-Brown Publications, com considerável actividade editorial, e a revista bilingue de letras e estudos luso-americanos Gávea-Brown. Deve-se ao seu empenho a criação da cadeira de Literatura Açoriana, que, no ano lectivo de 1977-78, começou a fazer parte do elenco disciplinar do departamento. É vice-presidente do Rhode Island Committee for the Humanities (Rhode Island) e membro, entre outras instituições, do Conselho Executivo do Watson Institute for International Studies (Brown University) e da American Philosophical Association. Os percursos apontados e a actuação, desde os princípios da década de 80, em diversos congressos e colóquios nacionais e internacionais, acima de uma centena, são suficientes para dar uma imagem da sua vitalidade curricular. O seu trajecto intelectual encontra-se marcado pelo contacto com a tradição anglo-saxónica da filosofia analítica e pelo pragmatismo filosófico norte-americano, ascendente que se revela tanto na propensão para o rigor da linguagem na prosa ensaística em filosofia e no espírito crítico que a sublinha como nas influências que, de modo mais ou menos directo, é possível detectar nos seus textos. Pensadores como Willard Van Orman Quine, Ludwig Wittgenstein, Karl Popper, William James, John Dewey, Richard Rorty, Paul Feyerabend e Thomas Kuhn, ou Karl Marx, Karl Manheim, Louis Althusser, estes três configurando o eixo do debate da sua tese de doutoramento sobre a ideologia (Almeida, 1980b), são, entre outros, os de sua predilecção intelectual, desvendando áreas preferenciais na filosofia da linguagem e na linguística, na epistemologia, na filosofia ética e política, na sociologia e na teoria antropológica da cultura e dos valores. Esta última apresenta-se como uma zona de confluência das outras áreas, cujo núcleo central situa na problemática das mundividências, de que a ideologia seria um caso particular. Este problema, que se reflecte com insistência nos textos posteriores a 1980 (v.g. Almeida, 1992a; 1995b; 1996), fê-lo abandonar a ideia de publicação da tese de doutoramento, por considerá-la, e já na fase final da investigação (1979-80), ultrapassada nos seus desenvolvimentos, pela nova perspectiva, cujo primeiro aprofundamento acontece quando, no ano lectivo de 1980-81, se dedica a abordar essa problemática numa cadeira sobre «A Formação das Mundividências» (Almeida, 1992a: 53-55). A temática axiológica torna-se, a partir daqui, nuclear, e a ela se pode reconduzir a produção ensaística que se debruça sobre temas da cultura portuguesa, como os equívocos da «filosofia portuguesa» (Almeida, 1985b), o eventual contributo de Portugal para a ciência moderna (Almeida, 1987b; 1992b), a identidade nacional (v.g. Almeida, 1994a; 1997a) e os valores culturais de determinadas épocas e gerações através da análise da obra de figuras como Fernando Pessoa e Antero de Quental (Almeida, 1987d; 1988c; 1993a; 1993 b;), ou ainda sobre assuntos que directamente dizem respeito à sociedade e cultura açorianas (v.g. Almeida, 1988a; 1995a). A reflexão sobre a identidade cultural do açoriano, seja o que habita as ilhas, seja o da comunidade emigrante, embora se coloque num contexto de debate específico, com natureza diferente da teorização filosófica dos valores, não deixa de a esta estar referida como um dos rumos de aplicação da teoria à prática, como, aliás, se torna patente em textos sobre a aculturação do emigrante (Almeida, 1987a) e sobre a política do turismo nos Açores (Almeida, 1990). Não é, pois, isenta de razões a afirmação que enraizasse neste horizonte especulativo o seu interesse pela questão da literatura açoriana, além dos mais evidentes motivos de orientação literária do autor, pois que o modo como a aborda (Almeida, 1983b; 1986) é norteado por perspectivas sociológicas e de antropologia cultural e linguística, em muitos pontos lembrando a atmosfera crítica de textos anteriores, já acima citados, nomeadamente naqueles em que se deu à discussão do conceito de «filosofia portuguesa» e ao questionamento dos descobrimentos portugueses e da ciência. A inspecção destes textos e a sua comparação com aqueles põem em realce a tónica axiológica, já que, para O. T. Almeida, é no conceito de açorianidade que se funda a expressão literatura açoriana, cuja discussão não pode libertar-se da referência ao conjunto de «valores estéticos e éticos» que aquele conceito compreende (Almeida, 1986: 309; v.g. 1983b: 14). Assim, embora não diga de modo directo que exista uma literatura açoriana, a sua prudência leva-o a situar-se no âmbito de uma óptica que parece tender para a salvaguarda da crítica e da problematização permanentes. O seu mérito esteve na acção decisiva que permitiu instituir, a partir de 1983, um campo alargado de debate teórico em torno da literatura açoriana - não só pela organização de simpósios sobre o tema como pelas publicações onde reuniu textos de diversos autores -, em que a sua posição emerge marcada pela cautela, reservada e crítica, quanto a um juízo afirmativo, cabal e decisivo, sobre tal existência. Podemos, no entanto, deduzir dos textos (Almeida, 1989: 15-30; v.g. 1988a: 79-84) que o problema da existência é, antes, o problema do âmbito de realidade da literatura açoriana, que se põe para O. T. Almeida como um caso específico no panorama da literatura portuguesa, suficiente para determinar-lhe os contornos de objecto de estudo nas notas dominantes de certa individualidade - povo, cultura, valores -, que não cabe na definição genérica da «portugalidade». Mas a sua personalidade multifacetada não se reduz ao acima dito, pois que todo esse ensaísmo, filosófico e literário, divide compromissos com a crónica jornalística e a criatividade nos domínios da ficção (conto e teatro). O primeiro livro surgiu em 1975. Nele reúne crónicas publicadas na imprensa (1973-1975), dando-lhe o sugestivo título Da Vida Quotidiana na L(USA)lândia. São estas páginas o primeiro produto da experiência do autor em terras norte-americanas e do seu contacto com a comunidade açoriana emigrante. Essa existência exprimiu-se - como de igual modo em L(USA)lândia - a Décima Ilha, de 1987 - no relato breve ou episódico do dia-a-dia da emigração, com reflexões políticas várias sobre a sociedade e a cultura luso-americanas. As outras colectâneas de crónicas (Almeida, 1994b; 1997b) não deixam de se inscrever nesse pano de fundo da diáspora açoriana e do diálogo que o autor mantém com a ilha longínqua, nelas verbalizando as suas experiências pessoais de português no mundo. É também nesse horizonte onde encontramos o húmus inspirador dos seus contos e teatro (Almeida, 1983a; 1978; 1992). (Sapa)teia americana retoma, no plano ficcional do conto, o tema da vida emigrada. Conta ou reconta factos verídicos ou ficcionados, onde se unem a atenção crítica com a ironia, o humor das situações com o drama, num retrato realista que se forja a si mesmo como imaginário da diáspora, a que não falta mesmo a dimensão mítica de uma geografia: a L(USA)lândia, no entanto, real pela presença dos seus habitantes (lusalandos ou lusalandeses), em carne e osso, em alegria, sofrimento e esperança no sonho americano. Esta L(USA)lândia, que a imaginação semântica do autor forjou a partir da proximidade gráfica e fonética do US, comum a USA e à terra (land) LUSA distante, emerge diante do leitor, por entre os fragmentos das imagens que o autor fixa e descreve de gentes, nomes e lugares, favorecendo uma espécie de linha narrativa que salta de conto para conto. Dir-se-ia que o autor-narrador assume o papel de cronista da terra lUSAlandesa, escrevendo em ficção os anais históricos da gesta emigrante, que, sob outros motivos, havia já abordado no teatro de Ah! Mònim dum Corisco. Referência distinta merece a peça teatral No Seio desse Amargo Mar. Entre outros, são personagens Antero, Nemésio, Côrtes-Rodrigues, Santos Barros. Peça de teor reflexivo, cujo diálogo se propõe como des-construção e reconstrução da identidade nacional e açoriana, mostra a tendência de O. T. Almeida para a desmontagem do imaginário mítico português, com raízes remotas em António Sérgio e referências próximas no Labirinto da Saudade (1978) de Eduardo Lourenço. Um dos traços que ressalta na leitura da obra de ficção é o do humor, um humorismo que cruza a anedota pitoresca com uma ironia certeira ou acentuadamente satírica, visando situações e vivências humanas, e que tem alcançado lugar de tema ensaístico (Almeida, 1985a e 1988e). Estas últimas observações permitem notar que na própria criação literária se espelham as preocupações teóricas gerais do autor. Manuel Cândido Pimentel (Set.1998)

Obras principais: (1975), Da Vida Quotidiana na L(USA)lândia. Coimbra, Atlântida Ed. (crónicas). (1979), Ah! Mònim dum Corisco!... Providence, Rhode Island, Gávea-Brown (teatro) [(1991), 2.ª ed., Ponta Delgada, Eurosigno]. (1980a) A profile of the Azorean In Issues in Portuguese Bilinqual Education. Cambridge, National Assessment and Dissemination Center for Bilinqual/Bicultural Education: 115-164 (ensaio). (1980b), The concept of ideology: a critical analysis. Tese de doutoramento em Filosofia, Providence, Rhode Island, s. n., 260 pp. (policopiado). (1983a), (Sapa)teia Americana. Lisboa, Vega (contos). (1983b), A Questão da Literatura Açoriana: recolha de intervenções e revisitação (org., introd. e apêndices). Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura. (1985a), Da filosofia do humor ao humor em filosofia. Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, V, 160 (30 de Julho a 5 de Agosto): 16-17 (ensaio). (1985b), Filosofia portuguesa: alguns equívocos (1985), In Cultura, História e Filosofia. Lisboa, IV: 219-255 (ensaio). (1986), Açorianidade: equívocos estéticos e éticos, In Da Literatura Açoriana - Subsídios para um Balanço (org., introd. e notas). Angra do Heroísmo, Direcção Regional dos Assuntos Regionais, Secretaria Regional da Educação e Cultura: 303-314. (1987a), Aculturação: algumas observações. Arquipélago (Ciências Sociais), Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 2: 229-237 (ensaio). (1987b), Sobre o papel de Portugal na revolução científica do século XVII, In História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal (Sécs. XVI-XIX). Lisboa, Academia das Ciências, II: 1173-1222 (ensaio). (1987c), L(USA)lândia: a Décima Ilha. Angra do Heroísmo, Direcção dos Serviços de Emigração (crónicas). (1987d), Mensagem: Uma tentativa de reinterpretação. Angra do Heroísmo, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, Secretaria Regional da Educação e Cultura (ensaio). (1988a), Literatura, sociedade e política: o caso açoriano, In Conhecimento dos Açores através da Literatura. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura: 71-84 (ensaio). (1988b), O Renascimento da «Morte da Ideologia». Revista de Comunicação e Linguagens, Lisboa, 6-7: 63-69 (ensaio). (1988c), Que mito o de Mensagem? Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, VIII, 311: 15 (ensaio). (1988d), Vitorino Nemésio e a tipologia do açoriano. Arquipélago (Línguas e Literaturas), Ponta Delgada, X: 13-25 (ensaio). (1988e), Uma nota de introdução, In R. Feynmann, Está a Brincar, Sr. Feynman!: Retrato de um físico enquanto homem. Lisboa, Gradiva: 7-11 (ensaio). (1989), Açores, açorianos, açorianidade: um espaço cultural. Ponta Delgada, Signo (ensaio). (1990), Açores... o futuro e a doce tirania do passado. Arquipélago (Ciências Sociais), Ponta Delgada, 5: 205-214 (ensaio). (1991), A questão da identidade nacional na escrita portuguesa contemporânea. Hispania, 74: 492-500 (ensaio). (1992a), Da inevitabilidade da ética e do imperativo dialógico entre alternativas. Revista de Comunicação e Linguagens, 15-16: 51-60 (ensaio). (1992b), Sant?Anna Dionísio e a não-participação da inteligência ibérica na criação da ciência, In História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal (Século XX). Lisboa, Academia das Ciências, III: 1707-1731 (ensaio). (1992c), No seio desse amargo mar: peça em 3 actos. Lisboa, Ed. Salamandra (teatro). (1993a), Antero e as causas: entre Marx e Weber, In Congresso Anteriano Internacional. Ponta Delgada, Universidade dos Açores: 33-43 (ensaio). (1993b), Antero et les causes de déclin des peuples ibériques: esquisse d?une analyse critique In Belchior, M. L. (ed.), Antero de Quental et l?Europe. Paris: 121-135 (ensaio). (1994a), Portugal and its concern with national identity, In MacKenzie, A. L. (ed..), Portugal: Its Culture, Influence and Civilization, Liverpool: 155-163 (ensaio). (1994b), Que nome é esse, ó Nézimo?: E outros advérbios de dúvida. Lisboa, Ed. Salamandra (crónicas). (1995a), Em busca da clarificação do conceito de identidade cultural, In Actas do Congresso, Iº Centenário da Autonomia dos Açores. Ponta Delgada, II: 65-89 (ensaio). (1995b), Ideologia: revisitação de um conceito. Revista de Comunicação e Linguagens, 21-22: 69-79 (ensaio). (1996), Introdução dispensável, In D. Goleman, Inteligência emocional (pref.). Lisboa, Círculo de Leitores: 9-15. (1997a), On the contemporary Portuguese essay, In Haufman, H. e Kobukla, A. (eds.), After the Revolution: Twenty Years of Portuguese Literature (1974-1994). Lewisburg, Bucknell University Press: 127-142 (ensaio). (1997b), Rio Atlântico. Lisboa, Ed. Salamandra (crónicas).

 

 

 

Adenda
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É Professor no Departamento de Estudos Portugueses, no Wayland Collegium for Liberal Learning e no Renaissance and Early Modern Studies Program, Brown University.
É co-diretor das revistas e-Journal of Portuguese History e Pessoa Plural. Co-dirige a série Lusophone Studies na Sussex Academic Press (UK). Foi colaborador regular n’ O Jornal e no Diário de Notícias. É colaborador regular na revista LER, na PNETLiteratura e no Jornal de Letras.
Entre as organizações a que pertence, é membro da direção da PALCUS – Portuguese-American Leadership Council of the United States, foi Vice-Presidente da Associação Internacional de Lusitanistas e é Trustee do New Bedford Whaling Museum.
Foi eleito membro da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, da Academia da Marinha e da Academia das Ciências de Lisboa.
A 9 de junho de 1997, foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. A 28 de setembro de 2018, recebeu a Grã-Cruz da mesma Ordem e em 2019 o Presidente da República nomeou-o Presidente da Comissão de Honra do Dia de Portugal. Nessa qualidade, foi o orador oficial nas celebrações do 10 de Junho.
Em 2013 recebeu um Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Aveiro e em 2021 pela ULHT- Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa.
Além de vários livros de ensaios, tem centenas de artigos dispersos que ultimamente tem reunido em volumes temáticos: De Marx a Darwin – a desconfiança das ideologias (2009, Prémio Seeds of Science 2010 para Ciências Sociais e Humanidades), O Peso do Hífen. Ensaios sobre a experiência luso-americana (2010) e Pessoa, Portugal e o Futuro (2014). Publicou ainda Utopias em Dói Menor – Conversas transatlânticas com Onésimo, conduzidas por João Maurício Brás (Gradiva, 2012).
No género de crónica e conto, as suas mais recentes coletâneas são: Quando os Bobos Uivam (Clube do Autor, 2013), Aventuras de um Nabogador – Estórias em Sanduíche (Bertrand, 2007) e Livro-me do Desassossego (Temas e Debates, 2006). Onésimo. Português Sem Filtro (Clube do Autor, 2011) é uma antologia de cinco livros esgotados. Ranu Costa (2022)