Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Cunha, Manuel de Azevedo da (pe.)

[N. Calheta, 1.1.1861 ? m. Calheta, 13.8.1937] Filho de Manuel de Azevedo da Cunha, natural da Calheta e de Rosa Mariana da Trindade, da Piedade do Pico, aos 13 anos ingressou no Seminário de Angra, onde foi aluno distinto, ordenando-se sacerdote em 19 de Maio de 1883. Iniciou a actividade pastoral no lugar dos Biscoitos, Calheta, como cura capelão da ermida de Nossa Senhora do Socorro, onde se manteve até 1886, altura em que terá sido suspenso. Reintegrado em 1889, é colocado na matriz de Santa Catarina (Calheta) como beneficiado, localidade onde sempre havia residido.

Nesta vila viveu toda a sua vida, ao serviço da igreja e da cultura. E, se não ficou registado o seu labor como sacerdote, também é certo que a dignidade paroquial de que era titular não consentia grande poder de intervenção. Abundam, porém, os testemunhos da sua humildade, profunda generosidade e amor pelo próximo. A consideração e o respeito em que era tido são hoje unanimemente referidos por quantos o conheceram, tenham ou não privado com ele de perto.

Ao ensino e à investigação entregou-se com entusiasmo, dedicação e competência. Em 1884, quase decorrido um ano após o seu regresso à terra natal, foi nomeado professor da Escola Complementar da Calheta. Exerceu o magistério ininterruptamente até 1896, altura em que «certo Governo mal intencionado perpetrou o crime de a extinguir». E acrescentava: «ao passo que na sede do distrito funcionam seminário, liceu, escola normal, primária superior, desenho industrial e aulas regimentais, esta ilha tem apenas a deficiente instrução elementar, deficiente nos programas mais que na competência dos mestres, sem que até hoje se tenha criado um qualquer instituto, uma cadeira de línguas, um curso especial que supra a falta de uma escola primária complementar» (Notas Históricas I, pp. 1-2). Aliás, o seu empenhamento na Escola Complementar da Calheta fê-lo, decerto, rejeitar uma transferência para a ilha de S. Miguel, imposta pelo bispo da diocese, D. João Maria Pereira de Amaral e Pimentel, o que motivou a sua suspensão. Num livro de notas confidenciais deste prelado, possivelmente tomadas pelo seu secretário, ficou registado o acontecimento: «arrostou ordens do seu Prelado insolentemente, não querendo aceitar a sua colocação na ilha de S. Miguel, porque sobretudo quer ser professor complementar desta vila, e assim tornar-se inútil para as exigências do serviço da Igreja».

A amizade e o orgulho pelos seus antigos alunos levam-no a referi-los no começo do seu livro, bem como os «cargos sociais» que desempenhavam. E, embora as suas Notas Históricas tenham sido «oferecidas à mocidade estudiosa Calhetense», no manuscrito pode ler-se ainda: «oferecidas em geral à mocidade estudiosa calhetense e em especial aos alunos da escola complementar d?esta vila, aberta em Outubro de 1884». Dedicatória demasiado extensa para um rosto já de si coberto de nomes? Para além da dedicatória, é o orgulho do mestre nos discípulos que evidencia e, o mesmo é dizer, o sucesso da sua experiência pedagógica.

Residindo na Calheta, pouco terá viajado, para além das normais e necessárias deslocações que qualquer jorgense faz pelas demais ilhas, principalmente às que lhe estão próximas: Terceira e Pico. Esteve em Lisboa a convite de seu irmão mais velho, José de Azevedo da Cunha, que no Brasil fizera fortuna e se instalara depois naquela cidade. Não sentiu, porém, atracção suficiente pela capital para nela se fixar, não obstante a insistência do irmão para que fosse para a sua companhia. Este várias vezes o visitou na terra natal e lhe proporcionou os meios para que vivesse sem grandes dificuldades. Também a generosidade de José de Azevedo da Cunha para com os calhetenses é ainda hoje recordada com gratidão.

Para além do mestre, foi também compositor e musicólogo de reconhecido mérito. Fez música religiosa, principalmente, alguma da qual ainda há poucos anos era cantada na ermida do Bom Jesus na Fajã Grande, por ocasião do novenário do seu orago e na procissão de Passos da freguesia da Urzelina da mesma ilha. A ele se ficou devendo a recolha de várias canções populares como O Pastor Alcino, Ecce Homo, Salve Rainha e As Vacas, publicadas no Cancioneiro de Músicas Populares de César das Neves.

Mas foi sobretudo à investigação histórica e etnográfica que consagrou quase toda a vida recolhendo elementos que vai publicando no jornal O Insulano, sob a rubrica «Papeis Velhos». Com efeito, de 1896 a 1903 fez sair neste periódico do Topo cerca de duas centenas de trabalhos respeitantes à história da Calheta e do seu concelho. Sob a mesma epígrafe, mas em folhetim, iniciava em Março de 1903 a publicação de «Factos e nomes» alusivos ao antigo concelho do Topo. Subtítulo humilde ? como dizem ter sido o seu autor ? para o que se depreende serem os anais daquele município. A suspensão daquele periódico alguns meses depois, tê-lo-ão impedido de ultrapassar o ano de 1651 descrevendo os factos e identificando os nomes. Colaborou ainda em outros jornais açorianos, como O Respigador, A Terra, ou o da comunidade açoriana de Oakland nos Estados Unidos da América, A Colónia Portuguesa, onde publicou artigos biográficos e de informação histórica, notas, documentos, alguns dos quais seriam insertos em Notas Históricas. A António Cândido de Figueiredo deu várias informações para o seu Novo Diccionario da Lingua Portuguesa.

No Archivo dos Açores, então já dirigido pelo coronel Francisco Afonso Chaves, publicou dois importantes estudos: «Festas do Espírito Santo» e «Contribuição para a História da Freguezia da Calheta de S. Jorge», escritos, respectivamente, em 1905 e 1907, mas só editados em 1920.

O primeiro seria inserido em Notas Históricas, por indicação do autor, enquanto os assuntos tratados na monografia da Calheta são retomados e desenvolvidos também no mesmo livro. Nesta obra trabalhou, segundo confessa, trinta anos. Manuel Azevedo da Cunha, porém, por dificuldades várias, não teria a satisfação de ver impressos mais do que 31 fascículos (496 páginas).

Em 13 de Agosto de 1937, desiludido e pesaroso com as contrariedades que a vida lhe havia proporcionado nos últimos anos, falecia, com 76 anos, na sua residência da vila da Calheta, legando o fruto do seu trabalho aos estudiosos e interessados na história jorgense e, a sua casa, ao clero da matriz daquela paróquia. Artur Teodoro de Matos (2002)

Obras Principais. (1896-1903), Papeis Velhos. Factos e Nomes [Para a História do Município do Topo]. O Insulano (29.8.1896- 15.8.1903). (1926), Lira Açoreana. Cancioneiro da Calheta de S. Jorge. Oakland, ed. de A Colónia Portuguesa. (1981), Notas Históricas I ? Estudos sobre o concelho da Calheta (S. Jorge), II ? Anais do Município da Calheta (S. Jorge). Ponta Delgada, Universidade dos Açores.