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Corte-Real

Da ilha Terceira. Trata-se, muito provavelmente, da mais saliente de quantas famílias se radicaram nos Açores, ombreando com os Câmaras de S. Miguel, ambas ultrapassando de modo nítido a projecção meramente regional, e mesmo nacional, mercê do seu protagonismo histórico, influência política e alianças na grande nobreza de corte, ao nível peninsular. Descendem de Vasco Eanes da Costa, cavaleiro honrado de Tavira, que viveu nos reinados de D. Fernando I e D. João I, casado, segundo alguns genealogistas, com Brites Taveira, filha do Dr. Álvaro Pires Vieira (o que não confirmámos, julgando-a mulher de um seu filho), e desempenhou as funções de fronteiro-mor do Algarve. Segundo a tradição foi o filho primogénito deste Vasco Eanes da Costa, que veio a ser conhecido como Vasco Eanes Corte-Real, o primeiro a usar o apelido, em virtude de um comentário do rei D. Duarte, ocasionado pela hospitalidade com que este segundo Vasco Eanes acolhia e agasalhava os cavaleiros que se deslocavam à corte. O monarca teria reconhecido que, com a presença de Vasco Eanes, o moço, a sua corte se tornava verdadeiramente real.

Este Vasco Eanes Corte-Real foi alcaide-mor de Tavira e, embora não sendo casado, teve sucessão ilegítima, pelo menos dois filho e uma filha. O secundogénito, João Vaz *Corte-Real, foi porteiro-mor do infante D. Fernando (herdeiro de seu tio, o Infante D. Henrique). Foi D. Beatriz, viúva do infante D. Fernando, e agindo na qualidade de tutora de seu filho e herdeiro, D. Diogo, duque de Viseu (e pai do futuro rei D. Manuel I), que procedeu à reorganização administrativa da ilha Terceira, iniciada a 17 de Fevereiro de 1474, com a sua divisão em duas capitanias perfeitamente demarcadas, uma com sede na Praia, entregue a Álvaro Martins Homem, e a outra sediada em Angra, que a mesma D. Beatriz confiou, cerca de dois meses mais tarde, a João Vaz Corte-Real.

O cronista Gaspar Frutuoso, e na sua esteira António Cordeiro, admitiram que a concessão da capitania de Angra teria vindo premiar serviços prestados na primeira fase da expansão marítima portuguesa pelo algarvio João Vaz Corte-Real, designadamente no hipotético reconhecimento de terras situadas no Atlântico Norte. Embora seja reconhecido o contributo dos mareantes de Tavira nas primeiras iniciativas dos Descobrimentos, no estado actual da questão ressalta a inexistência de provas concretas que suportem esta hipótese, pese embora o facto de que alguma cartografia quinhentista (anterior à formulação da hipótese por Gaspar Frutuoso) de origem portuguesa contenha topónimos como a «baía, rio ou ?Terra de João Vaz?». Acresce que, no quadro das razões subjacentes à reforma administrativa da ilha Terceira, parece perfeitamente justificável que a infanta D. Beatriz confiasse a recém-criada capitania de Angra a um membro da casa do seu defunto marido e, além do mais, como referem alguns autores, homem da sua confiança pessoal.

No entanto, o desempenho do primeiro capitão de Angra não foi pacífico, existindo numerosas referências às sucessivas disputas, e mesmo afrontamentos, entre João Vaz Corte-Real e antigos povoadores da ilha, mormente os que pertenciam ao primeiro núcleo chefiado por Jácome de *Bruges. Todavia a sua actividade acabou por se afirmar, como o confirma a doação das alcaidarias-mores dos castelos de Angra e S. Jorge, que lhe foram confiados em 1495. Logo no primeiro ano do seu governo terá comprado o paço, ou castelo, dos Moinhos [*Castelo dos Moinhos] onde passou a residir e terá de algum modo fortificado, e essa preocupação de ocupar pontos estrategicamente relevantes prosseguiu até 1496, ano em que comprou a Pêro de Sousa Brasil o monte Brasil, elevação que domina o porto de Angra. Também edificou à sua custa a capela-mor da igreja do convento de S. Francisco de Angra, que destinou para jazigo dos da sua linhagem, e, em 1492, instituiu com outros moradores um hospital cujos estatutos viriam a ser confirmados por D. Manuel I em 3.8.1508. Casou com D. Maria Abarca, filha de D. Pedro Abarca, fidalgo natural de Tui, em Castela, parece ter morrido a 2 de Julho de 1496, sendo certo que, numa carta régia endereçada a seu filho Vasco Anes Corte-Real, em 1.3.1497, se refere ser já falecido.

Os filhos nascidos do seu casamento distinguiram-se tanto na administração e vida cortesã como na exploração marítima. O secundogénito, Gaspar *Corte-Real, nasceu entre 1450 e 1455 e, embora não fosse herdeiro, administrou esporadicamente a capitania de Angra, pelo menos entre 1497 e 1499, período em que o primogénito se encontraria na corte, como se comprova pela doação de terras no termo de Angra que fez em 1497 a João Vieira (seu provável parente), ou pela carta de sesmaria que passou a João Álvares Neto a 23 de Março de 1499. Anteriormente ao lapso de tempo em que terá dirigido a capitania, ou na ponta final do século XV, é provável que tenha desenvolvido viagens exploratórias nos quadrantes norte e nordeste do arquipélago dos Açores.Com efeito, por carta passada a 12.5.1500, D. Manuel I aludia a explorações prévias, ao mesmo tempo que lhe fazia doação de todas as terras que viesse a descobrir no futuro. Aceita-se pacificamente que Gaspar Corte-Real tenha conduzido mais duas viagens exploratórias à Gronelândia e Terra Nova em 1500 e 1501, muito embora as fontes que o atestam sejam bastante confusas, e até contraditórias. O certo é que desapareceu, verosimilmente em 1502, quando alegadamente procedia ao reconhecimento do estuário dum rio, na Terra Nova, que, num mapa enviado por Cantino ao duque de Ferrara nesse mesmo ano de 1502, é designado por «Terra Corte Regalis».

O filho terceiro, Miguel *Corte-Real, foi fidalgo da Casa de D. Manuel I, e seu porteiro-mor, recebendo, a 4.11.1501, uma tença de 30.000 reis. O decurso da sua promissora carreira de funcionário áulico não impediu que, sob o comando de D. João de Meneses, tenha combatido no ataque à fortaleza de Mazalquibir. Mas, escassos meses decorridos sobre esta acção militar, e tendo conhecimento do desaparecimento de Gaspar *Corte-Real, comunicou ao rei o seu desejo de organizar uma expedição de resgate com o objectivo de encontrar o irmão, que aliás tinha financiado, em troca da partilha futura das terras a descobrir. Em 15 de Janeiro de 1502 obteve a autorização do monarca que, em simultâneo, o reconheceu cautelarmente como herdeiro de Gaspar Corte-Real, a despeito de este ter descendência ilegítima conhecida, caso viesse a confirmar-se a morte do explorador da Terra Nova..

Miguel Corte-Real partiu a 10 de Maio desse mesmo ano, comandando uma flotilha de dois ou três navios armados às suas custas, tendo acordado que fariam reconhecimentos separados até se encontrarem, em Agosto, num ponto previamente definido. Mas Miguel Corte-Real nunca se reuniu aos companheiros. Na actualidade a questão do seu desaparecimento voltou a ganhar actualidade, suscitada pelas inscrições da ?pedra de Dighton? (rochedo situado nas margens do rio Tauton, nas vizinhanças de Boston, EUA), na qual, de acordo com alguns autores, figura o nome completo de Miguel Corte-Real, cruzes de Cristo e a data de 1511. Só que, às dificuldades da interpretação epigráfica se acrescenta a reconhecida complexidade do monumento, por tal forma que não foi possível alcançar um consenso, permanecendo a questão em aberto.

Além dos filhos já referidos, e do primogénito e sucessor, de que nos ocuparemos em seguida, João Vaz Corte-Real e sua mulher tiveram ainda três filhas, que se aliaram nos Açores aos Monizes Barretos, Pachecos e Utras, com geração.

O primogénito, Vasco Anes *Corte-Real, nasceu em Tavira cerca de 1448 e veio a morrer em 1538. Foi igualmente fidalgo da Casa de D. Manuel I, e do seu Conselho, tendo recebido várias mercês, entre as quais o ofício de vedor da Fazenda Real, e a alcaidaria mor de Tavira. Por carta de 1.3.1497 foi confirmado como segundo capitão-do-donatário de Angra e S. Jorge. Em 1503, manifestou a intenção de organizar uma nova expedição destinada a resgatar os irmãos, no caso de se encontrarem vivos, mas essa iniciativa não foi autorizada pelo monarca que a julgou temerária.

Casou com D. Filipa Pereira da Silva, filha de D. Garcia de Melo e de sua mulher D. Filipa Pereira, à qual D. Manuel I outorgou, por carta de 12.3.1512, uma tença de 15.000 reis, e faleceu em 1517.

Na linha varonil da numerosa descendência deste casal continuou a capitania de Angra, bem como a de S. Jorge, até recair a sucessão em D. Margarida Corte-Real, marquesa de Castelo Rodrigo pelo seu casamento com D. Cristóvão de Moura, 1.º marquês desse título, do conselho de Estado, vedor da Fazenda, gentil-homem da câmara de Filipe I de Portugal que o elevou a Grande de Espanha, comendador-mor de Alcântara e vice-rei de Portugal. Por carta régia de 27.6.1582, D. Cristóvão de Moura sucedeu como 5.º capitão-do-donatário de Angra e S. Jorge, às quais foi acrescentada, em 14 de Agosto de 1582, a capitania da Praia, na mesma ilha Terceira. Deste casal vieram a descender, entre muitos outros ramos, os duques de Alcalá, marqueses de Castelo Rodrigo, Aguiar e Gouveia, e os condes de Vimioso, Lumiares e Portalegre. Atenta a endogamia praticada entre a nobreza palatina, pode afirmar-se que boa parte das grandes casas peninsulares, bem como numerosas famílias da fidalguia peninsular, acabaram por descender dos Corte-Reais da ilha Terceira. Manuel Lamas (2002)