Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Castilho, António Feliciano de

 [N. Lisboa, 28.1.1800 ? Ibid., 18.6.1875] Vinda do jornalista romântico ? Chegou com a família a Ponta Delgada em finais de Agosto de 1847, na escuna Michaelense, onde também vinha a bordo o visconde da Praia, Duarte Borges da Câmara Medeiros, conforme noticia o jornal O Cartista dos Açores na sua edição nº 69, de 26 de Agosto desse ano. Segundo reza a tradição (objectivamente mal documentada), Castilho viria precisamente para esta ilha assumir, a convite do visconde, o cargo de redactor d?O Cartista dos Açores . A ideia faz sentido: o visconde da Praia era a cabeça do partido (conservador) cartista local e desde muito cedo (1835) se tinha empenhado em fundar um periódico politicamente alternativo ao Açoriano Oriental (associado aos setembristas e irracionais ), pelo que o convite feito a Castilho, reputado intelectual romântico que fora até então redactor da prestigiada Revista Universal Lisbonense, certamente se inscrevia na sua estratégia de impôr O Cartista dos Açores no quadro politicamente encarniçado da ?imprensa de opinião?, como periódico de referência na sociedade micaelense. Castilho, embora ?cartista d?alma?, era um intelectual com punhos de renda cuja linguagem não se adequava a jornalismos de combate, tanto mais que fora ele próprio quem mais ajudara (em paralelo com Alexandre Herculano, redactor do Panorama) a consagrar o modelo oposto da ?imprensa literária?, com a sua Revista Universal Lisbonense. Quaisquer que tenham sido as razões, o que é certo é que Castilho não só não abraçou este projecto de trabalho inicial, como foi aparentemente deixado ao abandono em Ponta Delgada pelo visconde da Praia. Seja como for, a presença do intelectual na cidade não passou despercebida aos círculos ilustrados da sociedade local, e brevemente na sua casa alugada da Rua do Lameiro (quase fronteira à do morgado Fernando Quental, pai de Antero) começou a formar-se uma espécie de tertúlia artística e literária (onde pontificaram nomes como os de Bernardino José de Sena Freitas, Alfredo Lambert e os jovens Luis Filipe Leite, Carlos Machado, Filipe Quental e José de Torres) que seria o germe da futura Sociedade dos Amigos das Letras e das Artes em S. Miguel (SALA).

Utopia agrarista e O Agricultor Micaelense ? Na época em que Castilho chegou a S. Miguel, a crispação política entre cartistas e setembristas marcava o mau ambiente com que a sociedade local, na sua maioria progressista, acolheu o literato, cuja simpatia pelo cartismo era pública e precedia-o. Não obstante este facto, a direcção da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (SPAM, criada em 1843 e composta por alguns dos mais destacados líderes setembristas) decidiu, na sua reunião de Dezembro de 1847, reactivar a interrompida (em 1845) publicação do periódico O *Agricultor Michaelense, convidando Castilho para seu redactor e propondo-lhe um irrecusável honorário de 800$000. Em carta datada de 31 de Dezembro de 1847, o poeta confessava à sua família de Lisboa esta agradável surpresa nos seguintes termos: «Agora, o que é mais de notar (e isto aqui só para nós) é que esta proposta de redacção, tão util no fundo, e delicadissima em todas as cláusulas que a acompanharam, me foi feita por gente do partido Setembrista, e da mais exaltada (...) pelo que, com mais que probabilidade, infiro eu, que negocio, em que eles pecuniariamente vão ter perda, e no qual todavia mostraram mais empenho do que eu (...) foi decidido por motivos politicos; a saber: pespegar uma bofetada estrondosa no focinho do centro ou maioral do partido cartista aqui, por este não ter feito coisa alguma comigo, depois de haver arrotado tanto». A presença de Castilho à frente d?O Agricultor Michaelense (1848-1850) emprestou a esta publicação de cariz agrarista uma tonalidade literária que a coloca, decerto, entre um dos mais interessantes casos da imprensa periódica científica do Portugal de meados de Oitocentos. Foi nas páginas deste jornal (onde, pela primeira vez em S. Miguel, a gravura foi introduzida na arte tipográfica), que Castilho publicou sob a epígrafe Serões do Casal um conjunto notável de textos ilustrativos da sua utopia social ruralista, depois reunidos e impressos em opúsculo com o sugestivo título de Felicidade pela Agricultura (Ponta Delgada, Typ. da Rua das Artes, 1849).

Felicidade pela instrução ? A par da acção de Castilho no periódico da SPAM, deve destacar-se o impulso decisivo que o mesmo deu à formação da SALA, agremiação cultural fundada em Setembro de 1848, que conseguiu congregar diversas tendências políticas e sociais do meio local e onde, sob o prestígio e influência da sua figura tutelar, se reuniram alguns jovens talentos da segunda geração romântica de meados do século XIX. Efectivamente, a cruzada nacional de Castilho em prol da instrução popular, que o iria celebrizar enquanto pedagogo na década de 1850 após o seu regresso a Lisboa (onde fundou o colégio O Pórtico), conheceu nesta ilha os seus primeiros passos no quadro das actividades da SALA que, além de promover numerosos saraus literários e exposições artísticas e industriais, criou uma série de escolas de ensino gratuito para adultos e crianças em diversas freguesias da ilha, sendo as aulas ministradas voluntariamente pelos associados da SALA que, assim, aderiram com entusiasmo ao persuasivo apostolado instrucionista de Castilho. O fervilhante balanço do primeiro ano de actividades desta Sociedade está documentado por José de Torres no seu Relatório dos trabalhos da Sociedade dos Amigos das Letras e das Artes em S. Miguel (Ponta Delgada, Typ. do Correio, 1849), e o livro publicado pelo próprio Castilho com o título de Noções Rudimentares para uso das Escolas dos Amigos das Letras e das Artes em São Miguel (Ponta Delgada, Typ. da Rua das Artes, 1850) pode bem ser considerado como o ensaio preliminar do seu futuro Methodo de Leitura, cujas duas sucessivas edições (1850 e 1853) são já impressas em Lisboa, tal como aquele que é o corolário ideológico e doutrinário deste seu evangelho pedagógico e social: Felicidade pela Instrução (Lisboa, Typ. da Academia Real das Ciências, 1854).

Sinais e memória de uma passagem ? Entre o Verão de 1847 e o de 1850 (partiu definitivamente para Lisboa em Julho desse ano), Castilho provocou uma autêntica ?revolução? na sociedade micaelense, aglutinando em torno da SALA diferentes sectores que aderiram aos seus ideais de valorização simbólica da vida rural, filantropia social e instrução popular, os quais, aliás, configuravam e antecipavam o amplo consenso ?fusionista? que esteve na base do programa da regeneração nacional no início da segunda metade do século XIX. Em termos estritamente locais, Castilho incrementou bastante a actividade jornalística e tipográfica micaelense (além d?O Agricultor Michaelense, fundou e redigiu A Verdade), ajudando a consagrar o modelo da ?imprensa literária?; promoveu a valorização social e mundana das mulheres, tanto em actividades artísticas, como filantrópicas, literárias e culturais (tendo mesmo chegado a projectar, em conjunto com Filipe Quental, a criação de um jornal - A Sereia - exclusivamente destinado ao público feminino); divulgou e realizou na ilha as primeiras exposições de arte e indústria (no âmbito da SALA), bem como os comícios e festas rurais (organizados pela SPAM); marcou indelevelmente, através da fundação da SALA, toda uma geração de micaelenses que, como simples associados ou como alunos e professores das suas escolas, nela se cruzaram e despertaram para a vida cívica e cultural (poderemos destacar, entre os seus mais jovens nomes, José de Torres, Filipe Quental, José Maria do Couto Severim, João Albino Peixoto, Joaquim José Oliveira Machado, Guilherme Read Cabral, Carlos Machado, Ernesto do Canto, Roberto Ivens, José Bensaúde e tantos outros que não cabe agora aqui referir). Por último, o nome daquele que foi o discreto mecenas de Castilho em S. Miguel, José do Canto, cuja fortuna patrocinou a compra de um prelo tipográfico (ou da Typographia do Castilho, ou da Rua das Artes) que imprimiu grande parte dos trabalhos aqui publicados pelo literato e doutrinador romântico. A terminar, sublinhe-se que a memória colectiva local nunca ignorou a importância da herança aqui deixada por Castilho, sendo disso exemplo a homenagem que lhe promoveu a Câmara Municipal de Ponta Delgada (presidida por Aristides Moreira da Mota) em 1885, para não falar da forma como, já no século XX, a imprensa e diferentes instituições e intelectuais micaelenses assinalaram, em 1947, a passagem do 1º centenário da chegada de Castilho a S. Miguel. Carlos Guilherme Riley (2001)

Obras Principais (1849a), Camões. Estudo historico-poetico. Ponta Delgada, Typ. da Rua das Artes. (1849b), Ou Eu ou Elles. Ponta Delgada, Typ. do Castilho. (1849c), Hymno dos Lavradores. Ponta Delgada, Typ. do Castilho. (1849d), Felicidade pela Agricultura. Ponta. Delgada, Typ. da Rua das Artes. (1850), Noções Rudimentares para uso das Escolas dos Amigos das Letras e das Artes em São Miguel. Ponta Delgada, Typ. da Rua das Artes.

 

Bibl. Almeida, G. (1886), Castilho na Ilha de S. Miguel. Ponta Delgada, Typ. Litographia dos Açores. Bicudo, A. (1927), António Feliciano de Castilho. Consagrado apostolo da Instrução Pública, quando imigrado na ilha de São Miguel promove a mais intensa campanha em pról das letras, das artes e da agricultura regional, 1847-1850. P. Delgada, Tip. do Diário dos Açores. Castilho, J. (1932), Memórias de Castilho. Coimbra, Imp. da Universidade, V (1847-1850). Dias, J. M. T. (2000), Castilho - Leitura Repentina. Método original? Arquipélago-História, IV (2):465-480. Estatutos da Sociedade dos Amigos das Letras e das Artes em São Miguel (1849), Ponta Delgada, Typ. do Castilho. Ferreira, E. (1947), Os três patriarcas do Romantismo nos Açores. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Maia, F. M. A. F. (1947), Novas Páginas de História Micaelense. Ponta Delgada, Tip. Insular. Albuquerque, L. e Mourão-Ferreira, D. (1976), António Feliciano de Castilho. Educador-Poeta. Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa. Margarido, A. (1982), Quelques mythes agriculturistes et instructionnistes dans la pensée et la pratique portugaises (particulierement chez António F. de Castilho) pendant la première moitié du XIX siècle In Utopie et Socialisme au Portugal au XIX siècle. Paris, Fundação Calouste Gulbenkian: 535-585. Obras Completas de Castilho - Cartas (s.d.) Lisboa, Empresa da História de Portugal. Supico, F. M. (1995), Escavações. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 3 vols. Torres, J. (1849), Relatório dos trabalhos da Sociedade dos Amigos das Letras e das Artes em S. Miguel. Ponta Delgada, Typ. do Correio.