Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

capitania-geral

A instituição de um governo para os Açores sob a forma de capitania-geral, em 1766, em pleno consulado do marquês de Pombal, era uma decisão política de inclusão das ilhas na orgânica do Estado iluminista e na organização do império, política executada por D. Antão de Almada, o primeiro capitão-geral. Internamente, retomava uma velha ideia de organizar a administração insular de forma mais coerente e com uma visão unitária do arquipélago, que já havia sido tentada pelos menos duas vezes, no período seguinte à conquista espanhola e depois da Restauração, mas que encontrara grande resistência da parte dos açorianos e fora abandonada. A unificação política e administrativa do arquipélago, na 2ª metade do século XVIII, era também uma resposta à desordem que se instalara em toda a administração, mas mais visível na área da fiscalidade e da justiça.

A capitania-geral era o figurino que se aplicara na administração ultramarina, principalmente no Brasil, e que se estruturava sob a autoridade de um delegado régio, o governador e *capitão-general, que superintendia na política, no militar e no judicial. No caso dos Açores, estabelecia uma capital, Angra, no centro do arquipélago, onde se concentravam os órgãos político-administrativos centrais, a Junta Criminal, ou Tribunal de Segunda Instância, a Junta da Fazenda e um Comando Militar, todos presididos pelo capitão-general, que aí também estabelecia uma pequena corte. Era um modelo típico da burocracia iluminista, fortemente centralizada e despótica. Nas outras ilhas encontravam-se ramificações desse poder central, mas estas eram organizadas segundo a sede. S. Miguel recebia um corregedor, dividindo-se assim o arquipélago em duas comarcas, a de Angra e a de Ponta Delgada, e por todas as ilhas criavam-se os juízes de fora (instituição até então só conhecida em Ponta Delgada) que estavam ligados ao capitão-general e perante ele respondiam. Estes juízes de fora presidiam às câmaras, agrupando aquelas que, consideradas secundárias, existissem em cada ilha. S. Miguel, por exemplo, tinha 3 juízes de fora, o de Ponta Delgada, o da Ribeira Grande e o de Vila Franca, e a Terceira, dois, o de Angra e o da Praia. Não se chegou nunca a estabelecer uma hierarquia clara e organizada do poder militar, ainda que o capitão-general detivesse o comando dos generais com o governo das Armas das Províncias do Reino.

As políticas sectoriais delineadas ao longo do período que durou o sistema da capitania-geral foi de grande intervenção estatal e nelas sobressai o esforço do dirigismo económico, nomeadamente no incentivo de uma agricultura virada para a produção de cereais obrigatoriamente escoados para o reino, numa visão colonial. No campo social, estabeleceu-se um forte controlo da população, pela primeira vez verificada por censos estatísticos, com fins programados de garantir o aproveitamento das potencialidades produtivas das ilhas e de se fornecer os contingentes militares para defesa das fronteiras do Brasil. No terreno cultural, pretendeu-se organizar uma rede de escolas públicas que garantisse um ensino hierarquizado entre as vilas principais e as cidades e que melhorasse o sistema que havia substituído aquele que os expulsos jesuítas tinham estabelecido.

A capitania-geral perdurou de 1766 a 1830 e, consequentemente, passou por vários períodos e conjunturas, mas foi sempre muito contestada, principalmente pelos micaelenses que se consideravam amesquinhados pela secundarização política e subordinação a Angra, quando S: Miguel era já então o principal centro social e económico do arquipélago. A primeira crise séria deu-se com a morte do marquês de Pombal, mas havendo resistido, foi a capitania-geral, depois de um período conturbado, reorganizada, quase refundada, em 1799, com a nomeação do conde de Almada, com novas instruções e novo regimento. Durante o período da 1ª Invasão Francesa e saída da corte para o Brasil, em 1807, deu-se de novo grande agitação em que a capitania foi ameaçada de invasão pelos Ingleses. O capitão-general, conde de Murça, resistiu com um plano político digno de nota e adaptou a estrutura administrativa à função de fronteira e base de apoio à esquadra britânica no Atlântico. Finalmente, durante o período do vintismo, a capitania-geral sofreu os mais sérios ataques internos e tentou resistir através da acção do capitão-general Stockler, mas foi temporariamente extinta pelas Cortes, em 1822, e restabelecida e reorganizada com uma nova comarca da Horta, pelo rei, em 1823, depois da Vilafrancada. Durou, com grandes dificuldades, até 1830, quando se estabeleceu em Angra a regência do reino.

A capitania-geral ficou na história como uma organização política típica da intervenção colonial e centralista imposta aos açorianos e por eles fortemente combatida, por anular as tradicionais liberdades. As ilhas oscilaram nessa época entre uma posição de colónias incluídas no império e de províncias adjacentes ao reino, havendo orientações contraditórias acerca do seu papel. No campo económico são manifestamente colónias, no campo social são quase sempre tratadas como província. O governo central, por outro lado, resistiu enquanto pôde em aceitar a ideia de acabar com o governo centralizado, considerando essa forma como mais eficiente do que a divisão administrativa por ilhas ou por grupos de ilhas. Acabou por o fazer por pressão dos açorianos, mas só depois de muito pressionado. J. G. Reis Leite (2001)

 

Bibl. Leite, J. G. R. (ed.) (1988), O Códice 529 - Açores. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura. Maia, F. A. M. F. (1988), Capitães Generais, 1766-1831. Subsídios para a História de S. Miguel e Terceira. 2.ª ed., Ponta Delgada, Emp. Gráfica Açoriana. Meneses, A. F. (1993), Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos (1740-1770), vol. I: Poderes e Instituições. Ponta Delgada, Universidade dos Açores: 321 e segs.