Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Canto, Pero Anes do

 [N. Guimarães, 1472/73 ? m. ?, 1556] Povoador de ?segunda vaga? da ilha Terceira, primeiro provedor das armadas das ilhas. Era filho de Francisca da Silva e de João Anes do Canto. Diz a tradição que descenderia do condestável do Príncipe Negro (Eduardo, Príncipe de Gales), de cujo nome, João ou John of Kent, proviria o apelido Canto. O personagem, reconhecido pela actuação no âmbito das guerras de Castela entre D. Pedro I e Henrique de Trastâmara, figura nas crónicas como Sir John Chandos (ou Mosén John Chandós), mas não encontramos qualquer indício irrefutável que o ligue a João Anes do Canto e, por isso mesmo, a Pero Anes do Canto. O próprio apelido Canto, e para citar Cristóvão Alão de Morais, teria tomado como referência o canto da Rua Nova do Muro de Guimarães, local onde o primeiro Canto, João Anes, vivia. Fontes coevas, e mais propriamente uma escritura de compra em que Pero Anes do Canto se faz representar pelo pai, datada de 1506, identifica Joane Anes do Canto como mercador da dita vila de Guimarães. Pelo que também se pôde coligir teve, inquestionavelmente, quatro irmãos: Francisco Anes do Canto que morreu em Roma; António do Canto, escrivão do Mestrado de Cristo e depois arcipreste da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães; Isabel do Canto; e Fernão Anes, também mercador, em 1509 morador em Manhufe, terra de Santa Cruz de Riba Tâmega. Casou em 1510 com Joana de Abarca, filha de Margarida Álvares Merens e Pero de Abarca, sobrinha de Maria de Abarca ou Corte Real, mulher de João Vaz Corte Real. Este casamento duraria apenas catorze meses e dele nasceria António Pires do *Canto, segundo provedor das armadas das ilhas. Em segundas núpcias consorciou-se no ano de 1517 com Violante da Silva, filha de Duarte Galvão, cronista-mor do reino, e sua segunda mulher, Catarina de Meneses e Vasconcelos. Este segundo casamento apenas teria vinte e três meses de duração, nascendo dele João da Silva do *Canto e, provavelmente, Catarina do Canto, falecida de tenra idade. Para além dos enunciados, comprovamos ainda a existência de outros dois descendentes: Francisco do Canto e Manuel do Canto, este último falecido na Índia e com herdeiro. Instituiu três morgadios cujos primeiros administradores foram os filhos legítimos e o filho natural, Francisco do Canto. Os bens que assim vinculou nasceram de um longo, sistemático e organizado processo de construção patrimonial, iniciado em Dezembro de 1505, data do primeiro documento que o regista nas ilhas. Assim, é de supôr que ou neste ano, ou numa data muito próxima, terá vindo Pero Anes do Canto para a Terceira. Também sabemos, por documentos coevos, que às ilhas chegou no exercício do cargo de escrivão do Mestrado de Cristo e do visitador Vasco Afonso. Por estes tempos, Pero Anes mantinha uma relação de proximidade com D. Diogo Pinheiro, vigário do Mestrado de Cristo e conselheiro de D. Manuel I, de quem era dado por «escudeiro» e «criado». Apenas estes dados, a que se associam outros constantes de seu testamento, permitem vislumbrar alguns elementos sobre a sua criação e período de vida anterior à chegada à Terceira. Entre 1 de Dezembro de 1509 e 15 de Maio de 1510, e partindo da ilha de Jesus Cristo, esteve em Arzila com cinco homens e três cavalos. Voltou a repetir a estada no Norte de África, mais propriamente Azamor, no ano de 1513. Por esta acção norte africana, e a partir de 1510, deixa de ser designado como «escudeiro» e passa sê-lo como «cavaleiro fidalgo da Casa Régia». Até aí, o seu vínculo à Casa de D. Diogo ficara bem patenteado, inclusive por testemunháveis acções de intercessão deste a favor de Pero Anes e junto do Desembargo. A partir desse tempo a nossa figura aproxima-se da Casa régia, garantindo uma visível promoção social. De acordo com todo o processo, e a partir do referido ano de 1513, obtém então um conjunto considerável de mercês: da concessão de sesmarias, da isenção do dízimo, de acrescentamento de brasão de armas, de coutada de matos e caça, do hábito de Cristo, de prorrogação dos tempos de exploração das terras, entre outras. Tais mercês, muitas a pedido do próprio, consolidaram o inequívoco processo de afirmação nas ilhas. E nessa afirmação não deixou de encontrar múltiplos obstáculos, principalmente protagonizados pelos fiéis, pelos acostados de Vasco Anes Corte Real e, num determinado tempo, pelo próprio capitão de Angra e S. Jorge. Tais oposições crisparam-se suportadas por fortes redes de conivência e solidariedade, mas não constituíram verdadeiro entrave à integração e promoção deste ?novo homem? das ilhas. Muito pelo contrário, das que ele próprio constituiu e alimentou obteve os proventos inerentes, afirmando-se como um dos grandes do arquipélago. Em 1546 era tido pelo mais poderoso fidalgo de todas as ilhas, tanto pela sua dignidade e valia, como pela sua riqueza. Esta última, constituída por inúmeras terras e chãos, rurais e urbanos, casas, meios de produção e armazenamento, cabeças de gado, foros e rendas, escravos e utensílios agrícolas, e distribuída pelas ilhas Terceira, S. Jorge, Faial e Pico, não deixou de ser determinante para a nomeação e exercício da função de protecção e abastecimento das naus que chegavam à ilhas, provenientes do vasto império português do tempo. No cargo de provedor das armadas, Pero Anes do Canto enfrentou muitas vezes dificuldades inerentes à falta de recursos da Coroa no arquipélago, à carência de cereais e carne para o aprovisionamento, à míngua de homens e meios logísticos para a defesa das embarcações e dos portos, e aos próprios conflitos sócio-políticos das ilhas. Nestas funções, mas também nas daquele que servia de veículo privilegiado de informação, a possível, entre a Coroa e o arquipélago, não deixou Pero Anes do Canto de prolongar o serviço régio que, iniciado em 1509, constituiu verdadeira rampa de lançamento da respectiva promoção social. O seu exemplo mostra bem, não só as dificuldades e os obstáculos colocados a um recém-chegado ao arquipélago, a um povoador de (no mínimo) ?segunda vaga?, como ilustra exemplarmente uma estratégia de sucesso, no quadro das ilhas e da expansão marítima portuguesa em geral. Rute Dias Gregório (2002)

 

Bibl. Forjaz, J. P. (1978), O Solar de Nossa Senhora dos Remédios: História e Genealogia. reconstituição erudita (histórica e genealógica) da família Canto e Castro. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, XXXVI: 5-210. Fonte, P. B. (1994), Pedro Anes do Canto: vimaranense (séc. XV) que desbravou a ilha Terceira. Gil Vicente: Revista de Cultura e Actualidades de Guimarães, 29: 61-69. Gregório, R. D. (2001), Pero Anes do Canto: um Homem e um Património (1473-1556). Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Moreno, H. B. (1984), Notícias Históricas sobre Pedro Anes do Canto, Povoador e Provedor das Armadas da Ilha Terceira In Os Açores e o Atlântico (sécs. XIV-XVIII). Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira: 308-328.