(J. C. D. do C. e Medeiros) [N. S. Pedro, Ponta Delgada, 1786 ? m. Ibid., 1858] Senhor de considerável fortuna e esforçada ilustração, é uma das figuras discretamente emblemáticas do liberalismo nos Açores. Por morte do pai, em 1805, tomou bastante novo entre mãos a administração de uma importante casa vincular e em 1807, numa exposição dirigida ao governador e capitão-general dos Açores sobre os problemas cerealíferos micaelenses, aparecia já entre os maiores proprietários agrícolas locais. Em 1810, aos 24 anos de idade, contraiu matrimónio com D. Margarida Isabel Botelho, de quem viria a ter 17 filhos (à razão de um por ano) até à data do falecimento de sua esposa, em 1827. Três anos volvidos, em 1830, casou em segundas núpcias com a sua cunhada mais nova, D. Francisca Vicência Botelho, enlace de que resultaram mais 7 filhos. Parte desta sua extensa prole não sobreviveu aos primeiros dias de vida ou morreu sem atingir a idade adulta, mas nada menos do que quatro deles vieram a destacar-se no panorama do oitocentismo micaelense e açoriano: André (1814-1848), José (1820-1898), Ernesto (1831-1900) e Eugénio (1836-1915) do Canto. Não sem alguma ironia, a notoriedade e brilhantismo dos irmãos Canto (designadamente nos casos de José e Ernesto), acabou por lançar na sombra a própria figura do progenitor cujo título de glória, na historiografia e memória colectiva local, se resume na prática a essa sua qualidade patriarcal. Muitas outras há, contudo, a destacar.
O morgado José Caetano, como era vulgarmente conhecido, dedicou-se com igual zelo à administração da sua casa familiar e aos negócios da coisa pública, e desempenhou sucessivos cargos de vereador da Câmara Municipal de Ponta Delgada entre 1816 e 1827, a ele se devendo a dinamização e conclusão de uma importante obra municipal: a captação e canalização das águas da Lagoa do Canário para abastecimento urbano. Entre 1829 e 1831, foi inspector da construção do Cais da Alfândega de Ponta Delgada, infraestrutura de transcendente importância para os principais produtores e exportadores de laranja da ilha, entre cujo número ele próprio se encontrava. Nesse mesmo período supervisionou também o arranque da construção de uma estrada (de carruagens) que rasgava a ilha no sentido sul-norte., merecendo este seu desempenho na área das obras públicas rasgados elogios do capitão-general dos Açores, general Sousa Prego, que o considerava «homem independente, inteligente e zeloso da prosperidade da sua pátria». Não obstante a estreita colaboração que manteve com Sousa Prego durante o período da resistência legitimista em S. Miguel ao governo da Regência na Terceira (1830-31), foi na sua casa de Ponta Delgada que ficou hospedado mais tarde D. Pedro IV quando esteve (por duas ocasiões) em 1832 nesta ilha. A adesão do morgado José Caetano à causa liberal é reveladora do seu pragmatismo político e o facto de ter sido o anfitrião do Regente e Comandante Chefe do Exército Libertador, consagrou-o localmente como uma das figuras respeitadas da élite liberal micaelense. Na sequência da passagem de D. Pedro IV por Ponta Delgada, ocupou o cargo de provedor do concelho e recebeu, em 10 de Dezembro de 1832, o título de comendador da Ordem de Cristo. A 9 de Outubro de 1833 foi iniciado como aprendiz na loja maçónica União Açoriana (Nº 100, i.e. nº 1), criada em Ponta Delgada a 31 de Março de 1832 e a primeira que os liberais constituíram em território nacional conquistado ao absolutismo. Adoptando como iniciado o nome de Pompeu, é um dos redactores dos estatutos da projectada Sociedade Patriótica Michaelense, instituição paramaçónica que tomou como seu protector o próprio D. Pedro IV. Muito embora esta loja, após abater colunas em 1836, tenha sido o embrião da futura facção cartista em S. Miguel, o morgado José Caetano apareceu associado na década de 1840 (bem assim como os seus filhos mais velhos André e José) aos sectores setembristas e, em 1846, assumiu a chefia da Junta Governativa de S. Miguel, que apeou os cartistas do Governo Civil. À margem deste trajecto político, o que verdadeiramente caracteriza a sua acção é um profundo sentido de cidadania prestante, em conformidade com a divisa liberal e maçónica de amor à pátria, dentro da qual se inscrevem os seus esforços dinamizadores na criação do Teatro de S. Sebastião (1824), da Biblioteca Pública (1841) e da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (1843), para além da organização do primeiro serviço municipal de incêndios e do apoio prestado ás obras de transformação do Convento de S. Francisco em Hospital da Misericórdia de Ponta Delgada. Parte dos melhoramentos públicos por si promovidos e sugeridos, sobretudo os que ocorrem a partir dos finais da década de 1830, foram talvez determinados pelo que viu em Londres e Paris durante o seu grand tour europeu de 1836-37, do qual nos deixou um interessantíssimo Diário de Viagem, publicado pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada, em 1978, com uma valiosa introdução de Nuno Álvares Pereira que é, até à data, o único estudo biográfico sobre a personalidade aqui retratada.
É de referir, ainda, que a sua visibilidade pública se desvaneceu a partir de 1850 com o início da Regeneração. Já sexagenário e acometido de frequentes incómodos físicos, dedicou-se por inteiro à educação dos filhos mais novos e à administração da sua casa. Além de apreciável número de textos publicados na imprensa local e nacional, deixou-nos ainda inéditas umas Memórias e Apontamentos Genealógicos, sem esquecer um assinalável legado epistolar que, sobretudo em matéria de correspondência moral para os seus filhos, documenta com bastante interesse a forma como os procurou integrar no novo modelo liberal de uma sociedade de cidadãos. Carlos Guilherme Riley (2002)
Bibl. Caetano, J. (1978), Diário de Viagem, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Pereira, N. A. (1978), Comendador José Caetano Dias do Canto e Medeiros (1786-1858). Apontamentos biográficos In Diário de Viagem. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada: V-XXI. Id. (1962-1968), Cartas do Morgado José Caetano Dias do Canto e Medeiros a seus filhos Ernesto, Eugénio e Filomeno, estudantes em Lisboa e em Coimbra (1850-1856). Insulana, 18-24. Mello-Manoel, J. F. (1994), Família Dias do Canto e Medeiros, 7 pp. dact. e 1 tábua genealógica. Riley, C. G. (1999), Um passeio pelos Cantos da ilha In Catálogo do Epistolário Familiar do Arquivo Brum da Silveira-José do Canto. Universidade dos Açores, Serviços de Documentação: xi-xxxix. Rodrigues, J. B. O. (1960), Chegada de Sua Majestade o Senhor Duque de Bragança a S. Miguel. Insulana, 16: 232-244.