Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Terceira (ilha)

Geologia Esta ilha apresenta forma elíptica, com 30 km segundo o eixo maior orientado NW-SE. A sua superfície é de 406 km2 e a máxima altitude localiza-se no vértice geodésico Santa Bárbara, a 1021 m de altitude.

A ilha é constituída por quatro vulcões centrais e uma zona de vulcanismo fissural basáltico. Pensa-se que os vulcões mais antigos, Serra do Cume e Guilherme Moniz, se encontram extintos, enquanto os vulcões centrais do Pico Alto e Santa Bárbara, assim como a zona fissural basáltica que os atravessa, se encontram ainda activos (Zbyszewski et al., 1971; Self, 1971, 1976, 1982).

Estudos de vulcano-estratigrafia efectuados por Self na década de 70 do século passado (Self, 1971, 1974, 1976; Self & Gunn, 1976) permitiram reconhecer a ocorrência de 116 erupções posteriores a um depósito ignimbrítico datado de 23 mil anos. Esta verificação permite estabelecer um intervalo de recorrência de cerca de 200 anos entre erupções neste intervalo de tempo. As erupções ocorridas no período pós-povoamento (1761, em terra, 1867 e 1998-2001, no mar) confirmam intervalos entre erupções um pouco inferiores a 200 anos, o que é compatível com o intervalo de recorrência mencionado.

Um dos aspectos vulcanológicos mais interessantes da ilha Terceira é a abundância de efusões lávicas ácidas (domas e coulées) relativamente ao volume de materiais piroclásticos. A razão entre os volumes dos dois tipos de depósitos é claramente diferente do que se observa nas outras ilhas açorianas com vulcanismo ácido (S. Miguel, Faial, Graciosa). Enquanto que em S. Miguel a razão volúmica entre depósitos piroclásticos e produtos efusivos traquíticos é da ordem de 90/10, na Terceira esta razão é de 25/75. Com efeito, à superfície da ilha Terceira podem encontrar-se 130 domas muito recentes, alguns dos quais originaram escoada, associados aos centros eruptivos de Santa Bárbara e Pico Alto. Muitos destes domas são posteriores à formação das caldeiras dos dois vulcões.

Os quatro vulcões centrais encontram-se alinhados sobre um conjunto de fracturas en échelon associadas a uma zona de falha orientada WNW-ESE. O vulcão da Serra do Cume constitui a zona oriental da ilha, os centros eruptivos de Guilherme Moniz e Pico Alto localizam-se na região central, enquanto que o vulcão de Santa Bárbara se eleva na região ocidental da Terceira. A estrutura fissural basáltica cruza a ilha, atravessando os quatro vulcões centrais desde a área de Porto Judeu até à zona da Serreta. As três erupções históricas registadas na Terceira estão relacionadas com esta estrutura (para descrição destas erupções veja-se erupções históricas nos Açores).

O Vulcão da Serra do Cume apresenta um diâmetro médio de 17 km ao nível do mar e culmina a 545 m (vértice geodésico Serra do Cume). O topo do edifício vulcânico está truncado por uma caldeira com 7 km de diâmetro, a maior dos Açores. Datações efectuadas em escoadas do topo da sequência (Calvert et al., 2006) deram idades de 370 a 380 mil anos. O fundo da depressão da caldeira foi ocupado por derrames basálticos recentes e no centro elevam-se alguns cones recentes do vulcanismo fissural (os Cinco Picos). O rebordo da caldeira encontra-se interrompido nos lados NW e SE, onde foi submerso pelos derrames recentes, estando preservado a NE, na Serra do Cume, e a SW, na Serra da Ribeirinha.

A vertente NE do Vulcão da Serra do Cume está deslocada por duas importantes estruturas tectónicas, as falhas das Lajes e das Fontinhas, que em conjunto definem o Graben das Lajes. No interior desta estrutura situam-se as povoações das Lajes e Praia da Vitória, o aeroporto e o porto oceânico.

A morfologia do edifício vulcânico foi consideravelmente modificada pela erosão, pela deformação tectónica, e por uma significativa cobertura de formações vulcânicas mais recentes.

A composição das lavas do vulcão da Serra do Cume varia entre basalto e traquito, sendo os mugearitos os produtos mais frequentes (Zbyszewski et al., 1971). Self (1982) refere ter encontrado depósitos de queda de pedra-pomes e ignimbritos relacionados com esta estrutura vulcânica.

O vulcão de Guilherme Moniz foi edificado sobre o flanco oeste do vulcão da Serra do Cume, cobrindo-o parcialmente. O seu diâmetro é de 14 km ao nível do mar e culmina à altitude de 637 m (vértice geodésico Rosto) no rebordo da caldeira que trunca o topo do edifício. A caldeira de Guilherme Moniz tem forma elíptica, medindo 4 por 2 km, com o eixo maior orientado NW-SE. Datações pelo método de 40Ar/39Ar efectuadas em rochas desta unidade (Calvert et al., 2006) forneceram idades de 270 a 111 mil anos. O fundo da caldeira e o seu bordo norte foram recobertos por produtos vulcânicos mais modernos, do vulcanismo fissural. A maioria dos materiais aflorantes do vulcão de Guilherme Moniz tem composição traquítica.

O vulcão do Pico Alto cresceu sobre o flanco norte da estrutura de Guilherme Moniz. O edifício vulcânico, com um raio de 6 km ao nível do mar, culmina a 808 m de altitude (vértice geodésico Pico Alto) e apresenta caldeira com 3,5 km de diâmetro. O escarpado da caldeira, que se encontra quase totalmente preenchida por domas, coulées e alguns depósitos de projecção traquíticos muito recentes, aflora apenas em três locais. As vertentes externas do vulcão estão igualmente cobertas por numerosos domas e coulées modernos. Uma datação em escoada da base deste edifício forneceu uma idade de 116 mil anos (Calvert et al., 2006); outras onze datações efectuadas pelos métodos do 40Ar/39Ar e 14C deram idades entre 60 mil e mil anos para os produtos vulcânicos desta unidade vulcano-estratigráfica. Self (1982), tinha sugerido idades limite de 100 mil e de 1000 anos para este vulcão.

Todas os materiais relacionados com este edifício vulcânico têm a composição traquítica e traquibasálticas.

A actividade vulcânica explosiva produziu depósitos de queda de pedra-pomes e ignimbritos. Um dos fluxos piroclásticos, o Ignimbrito das Lajes, foi emitido 19 a 21 mil anos (Self, 1971; Calvert et al., 2006); os seus produtos cobrem a maior parte do Graben das Lajes, tendo sido também reconhecido em línguas que irradiaram do Pico Alto em direcção às Quatro Ribeiras, Biscoitos, S. Mateus e Porto Judeu. Um depósito piroclástico de fluxo mais antigo (23 mil anos; Self, 1971), o Ignimbrito de Angra, aflora na área da cidade e terá também sido originado no Pico Alto.

Um campo fumarólico, as Furnas do Enxofre, localiza-se no flanco SW do vulcão do Pico Alto.

O vulcão de Santa Bárbara, com um diâmetro de 15 km ao nível do mar, constitui a região ocidental da Terceira. O seu topo está truncado por uma caldeira complexa, em que uma depressão menor (2 km de diâmetro; 170 m de profundidade) e de contorno irregular, se encontra embutida numa caldeira externa circular, maior, e menos profunda (3 km; < 50m).

O edifício vulcânico é constituído por uma sequência inferior de escoadas basálticas e havaíticas e uma sequência superior formada essencialmente por extrusões lávicas traquíticas que originaram mais de 80 domas e coulées. Não existem datações para os produtos da base do vulcão de Santa Bárbara. As datações de 14C disponíveis, que dizem respeito a escoadas traquíticas ou traquibasálticas ou depósitos piroclastos do topo da sucessão variam entre 29 mil e 1100 anos (Calvert et al., 2006; e dados não publicados de R. Elias; comunicação pessoal).

Alguns domas, localizados nas vertentes externas do vulcão, constituem alinhamentos bem definidos. Parte destes alinhamentos apresenta controlo tectónico por falhas de direcção WNW-ESE que definem um estreito graben (o Graben de Santa Bárbara). Depósitos de queda de pedra-pomes, que cobrem as regiões superiores das vertentes do vulcão de Santa Bárbara e alguns dos domas, representam a actividade explosiva que acompanhou a formação dos domas e coulées mais recentes.

Existem domas mais recentes que os depósitos de pedra-pomes; os domas do Mistério Negro (no flanco oriental do vulcão) devem ser pouco anteriores ao povoamento. Alguns autores consideram que se formaram durante a erupção de 1761. Contudo, esta assunção, improvável, não é sustentada pelos relatos coevos. Outros domas, na região da Serreta, originaram coulées que correram sobre as arribas litorais, formando esporões que não foram ainda destruídos pela erosão marinha.

A estrutura fissural basáltica atravessa a ilha na direcção WNW-ESE, estendendo-se para a região imersa onde está representada por cristas submarinas que se estendem para NW e SE. As três erupções históricas registadas na Terceira constituem as manifestações mais recentes desta estrutura; as duas últimas, em 1867 e 1998-2001 localizaram-se no sector submarino NW, a crista submarina da Serreta. As erupções mais antigas datadas ocorreram em terra no extremo SE da estrutura. Calvert et al. (2006) dataram escoadas basálticas do Porto Judeu, Pico das Contendas e Canada da Ponta (43, 27 e 19 mil anos, respectivamente). Em terra a zona fissural está representada por alinhamentos de cones de escórias havaiano-estrombolianos e derrames lávicos associados de basalto olivínico a benmoreíto. Muitos destes derrames formaram importantes tubos de lava que constituem grutas com algum desenvolvimento (Gruta do Natal, Gruta das Agulhas, etc.). A maior parte desta actividade é muito recente, como é evidente pela morfologia dos produtos das erupções do Pico da Bagacina, cujos derrames atingiram a costa sul em S. Mateus, do Pico do Máunto cujas lavas correram até ao litoral de Biscoitos. Outra importante erupção moderna foi a que originou o cone do Algar do Carvão, durante a qual foi derramado grande volume de lavas basálticas. Estas acumularam-se no interior da Caldeira de Guilherme Moniz onde formaram um lago que transbordou a nordeste originando dois braços de lava; um correu para NE atingindo o litoral a leste da Caldeira das Lajes, enquanto que o outro correu para SE em direcção a Feteira onde atingiu o mar defronte dos Ilhéus das Cabras. Estes derrames foram datados pelo radiocarbono que forneceu idades de 2115±115 anos BP (datação efectuada na Universidade do Arizona a pedido do Ten. Cor. José Agostinho, citada por Zbyszewski et al., 1971; Lloyd & Collis, 1981 e Self, 1982) e 1.910±35 anos BP (Calvert et al., 2006). Uma erupção recente ocorreu também na zona de Fonte Bastardo. Outras estruturas muito jovens são os cones surtsianos do Monte Brasil, ligado à ilha por um istmo, e dos Ilhéus das Cabras, e a cratera freatomagmática de S. Sebastião, com 1 km de diâmetro e quase totalmente preenchida por sedimentos e por um derrame lávico. Esta estrutura e o seu enchimento sedimentar explicam os danos elevados registados nesta povoação na maioria dos sismos, em resultado de amplificação das ondas sísmicas pelas condições geológicas locais (efeito de sítio).

A estrutura tectónica da ilha Terceira é dominada pela depressão que cruza a região nordeste da ilha, o Graben das Lajes. O graben é formado por dois grandes acidentes orientados NW-SE: a Falha das Lajes, situada a NE, mergulha para SW originando a escarpa de falha da Serra de Santiago, e a SW a Falha das Fontinhas, cuja escarpa inclina para NE. O sector emerso do graben estende-se por 8 km, apresentando 3 km de largura. Falhas secundárias, com a mesma orientação, cruzam o fundo do graben. Duas destas falhas definem um estreito horst, com 50 a 300 m de largura, que se estende por 5 km ? o Horst da Cruz do Marco. A baía da Praia da Vitória resulta da imersão, por subsidência, do extremo sul do graben. Outra estrutura importante é o Graben de Santa Bárbara que cruza o edifício vulcânico do mesmo nome; a leste da caldeira a topografia é marcada por uma depressão tectónica com 3 km de extensão e 1 km de largura, mas para oeste as falhas funcionaram como condutas vulcânicas para a lava traquítica que formou alinhamentos de domas e coulées sobre as falhas.

Desde o povoamento, a Terceira foi atingida por três grandes sismos: os eventos de 24 de Maio de 1614, de 15 de Junho de 1841, e de 1 de Janeiro de 1980.

O sismo de 1614 foi o segundo grande sismo açoriano, afectando toda a região oriental da Terceira. O terramoto ocorreu na sequência de uma crise sísmica que se iniciou a 9 de Maio com um forte sismo que causou destruição nas Fontinhas. Os tremores continuaram com eventos de menor intensidade até que ocorreu o terramoto principal às 3 da manhã do dia 24. Maldonado na Fenix Angrence (1711) apresenta descrição notável dos efeitos do sismo. Em toda a região das Lajes não havia uma casa em . A igreja das Lajes sofreu tal destruição que «... os alicerces das paredes ficarão por sima da outra pedra das paredes, como quem poem o de sima pera baixo, e o de baixo pera sima». A descrição indica enorme aceleração vertical, sugerindo mesmo acelerações próximas daquela gravidade. O autor da descrição refere 200 mortos na vila da Praia, mas uma anotação marginal altera esse número para 93. Drummond (1850) apenas encontrou o registo de 29 mortos no Livro de Óbitos da Igreja Matriz da Praia. O relato indica a ruína de 1611 casas habitadas na jurisdição da Praia. Pela descrição é evidente que a área mais intensamente afectada foi a região entre Agualva, Fontinhas, Lajes e Praia. A crise parece iniciar-se com um sismo pouco profundo na Falha das Fontinhas (causando destruição muito localizada) e culmina com rotura superficial na Falha das Lajes. O relato é claro quanto a esta ocorrência pois diz que «... No direito desta igreja (das Lajes) contra o mar está hua serra que se chama de Ioão de Teve (João de Teive, actualmente Serra de Santiago) que corre deste direito the a Villa da Praja, e será de comprido mais de meja legua em direito da igreja. Pello pee desta serra se abrio hua rotura na terra que fez grande espanto; esta dita rotura comessou desde hua ponta e foi correndo continuado como hum quarto de legua, e dahi atravessou ao mar e a parte da dita serra que fica à banda da terra dizem ficou mais baixa do que a do mar» (Maldonado, 1711).

Os dados disponíveis sugerem que se tratou de um sismo superficial, o que explica o decréscimo rápido das intensidades para sudoeste da Praia, que provocou rotura superficial de toda a extensão emersa da Falha das Lajes (8 km). Uma estimativa da magnitude do sismo principal, que foi sentido em todas as ilhas, aponta para um valor mínimo de Mw=6,3 (Madeira, 1998).

Em 1841 a região nordeste da Terceira foi atingida por outra crise sísmica que culminou, a 15 de Junho, com um terramoto de elevada intensidade. Aqueles eventos encontram-se documentados em Costa Júnior (1841), Monjardino (1844), Drummond (1846) e no jornal Angrense (in Costa Júnior, 1841). A crise iniciou-se às dez da manhã de 12 de Junho e a 14 havia algumas habitações destruídas na Praia o que levou as populações a abandonarem as suas casas e dormir ao relento. Os sismo principal ocorreu às 3 e meia da manhã do dia 15. O facto dos habitantes não se encontrarem a dormir em casa evitou uma catástrofe pois praticamente todas as construções ruíram. De Agualva a S. Sebastião, toda a região oriental da Terceira foi devastada, com ruína das habitações, edifícios públicos, igrejas, aquedutos e muros divisórios de propriedades.

A vila da Praia foi a mais atingida, pois todas as casas, «assim como todos os mais valentes edifícios» ficaram demolidos. Nas Fontinhas, 225 das 242 casas sofreram ruína total ou parcial e as fundações da igreja foram arrancadas do solo. Em todas as freguesias da região, S. Sebastião, Fonte do Bastardo, Cabo da Praia, Lages, Vila Nova e Agualva, os efeitos foram desastrosos. A partir dos documentos da reconstrução (Monjardino, 1844) é possível quantificar os estragos. De um total de 2.705 casas habitadas 2.061 (76%) tiveram que ser reconstruídas ou sofrer reparações significativas. As localidades onde a destruição foi mais intensa foram as Fontinhas, onde todo o parque habitacional teve de ser reconstruído, e a vila da Praia, onde a reconstrução incidiu sobre 94 % dos fogos. O número total de habitações reconstruídas ou que necessitaram de reparações importantes permite estimar um número de desalojados superior a 5.500 numa população de 12.230 pessoas. Se a população se encontrasse a dormir nas suas casas este sismo poderia ter causado uma catástrofe equivalente à do sismo de 1522 (soterramento de Vila Franca do Campo).

De entre as descrições da época realce-se a nota publicada no Angrense, onde se pode ler que «... Todo o observador que entrar na Villa pela estrada do Cabo da Praia verá que mui proximo ao Forte de S. João existe uma grande fenda que vem do mar cortando todo o areal, e estendendo-se até á Cruz do Marco, que não é menos de um quarto de legoa». Esta descrição mostra que ocorreu rotura superficial numa extensão ao longo de uma extensão superior a 1 km numa das falhas do Horst da Cruz do Marco.

O grau de destruição nas Fontinhas sugere que o sismo principal tenha ocorrido na Falha das Fontinhas, apesar de ter ocorrido rotura numa falha secundária. A semelhança em termos de área afectada, grau de destruição e a ocorrência de roturas superficiais sugerem que este terramoto e o de 1614 tenham tido magnitudes similares.

Em 1 de Janeiro de 1980, um sismo de elevada magnitude (M=7,2) com epicentro entre a Terceira, S. Jorge e Graciosa afectou aquelas três ilhas. Hirn et al. (1980), com base na distribuição das réplicas e na construção de um mecanismo focal compósito, estimaram rotura superficial submarina ao longo de 40 km, numa falha em desligamento esquerdo com direcção NNW-SSE. Aquela extensão de rotura pode estar subavaliada, não sendo improvável que se tenha atingido 70 km. O terramoto causou enorme destruição, sobretudo no concelho da Calheta em S. Jorge e em toda a costa sul e oeste da Terceira, provocando a morte a 54 pessoas nas duas ilhas. Em Angra do Heroísmo, os bairros históricos da cidade sofreram enorme destruição que obrigaram a longa e dispendiosa reconstrução.

Duas estruturas geológicas da ilha Terceira encontram-se classificadas como Monumento Natural, o Algar do Carvão e as Furnas do Enxofre. O cone vulcânico do Monte Brasil encontra-se também classificado como Paisagem Protegida. José Madeira

 

História Como das outras ilhas do grupo oriental e central não é possível individualizar uma data para o descobrimento da Terceira, sabendo-se unicamente que em 1427 teriam sido avistadas por Diogo de Silves. Em 1439 uma carta régia outorgava o povoamento das sete ilhas conhecidas, entre elas a Terceira, e nesse documento afirma-se que se havia mandado lançar gado. O povoamento efectivo da lha Terceira arrancou com dificuldades. A ilha era então conhecida por ilha de Jesus Cristo e vulgarmente por ilha Terceira, de certo por ser a terceira ilha a contar de Santa Maria, a mais próxima do reino e a terceira a ser povoada. Em 1450 o infante D, Henrique, donatário das ilhas dos Açores, estabeleceu um contrato com Jácome de *Bruges para o povoamento da ilha, mas a concretização desse contrato falhou e em 1460 a ilha está despovoada, segundo o testamento do próprio infante. Ainda em vida de D. Henrique a Terceira foi doada ao infante D. *Fernando que inicia o efectivo povoamento de uma maneira informal enviando capitães e dividindo a ilha em duas capitanias pelo menos, mas sem documento escrito. Chegou à ilha o antigo capitão Jácome de Bruges, agora com alçada em parte da ilha e Álvaro Martins Homem, fixando-se este na zona de Angra e o outro na zona da Praia. É um período de desconhecimento incerto por falta de documentação tendo havido possivelmente um outro capitão na zona das Quatro Ribeiras, Fernão Dulmo, que acabou por não permanecer na ilha, mas a deter privilégios pelos quais foi recompensado ao perde-los.

Com a morte de D. Fernando em 1470, que entretanto passou a donatário de todas as ilhas açorianas, a Terceira e as restantes ilhas são transmitidas sucessivamente aos filhos D. João e D. Diogo, duques menores tutelados pela mãe, a infanta D. Beatriz. É esta que em 1474, numa ampla reforma administrativa, institucionaliza por direito escrito a divisão da Terceira em duas capitanias com base na Praia e em Angra, respectivamente, entregando a da Praia a Álvaro Martins *Homem, por ela estar vaga pela morte de Jácome de Bruges e a de Angra a João Vaz *Corte Real.

O povoamento efectivo, que tinha sido débil nesse primeiro período e entre 1460 e 1474, acelerou e até aos finais do século XV (1495) sob o comando dos duques de Viseu-Beja, donatários, D. Diogo e D. Manuel incrementou-se de tal forma que existiam duas vilas, Angra e Praia, e uma ocupação efectiva das zonas vastas ao redor da ilha com uma organização paroquial, não sendo porém possível dizer-se ao certo que freguesias existiam . O que podemos afirmar é que neste período da donataria a Terceira cresceu em população, organizaram-se os municípios, o comércio floresceu principalmente à volta da exportação do trigo, as estruturas senhoriais, eclesiásticas e até régias tornaram-se mais complexas e Angra afirmou-se como o centro urbano por excelência. A ilha foi mesmo um pólo de dinamização do povoamento das ilhas circunvizinhas, a Graciosa, São Jorge e até o Pico.

Em 1495, o donatário D. Manuel, duque de Beja, ascendeu ao trono como rei D. Manuel I e as ilhas passaram a reguengas, na Terceira a capitania de Angra afirmou-se como centro principal com a criação do hospital (1492) e da Misericórdia (1498) e sobretudo com a transformação do seu porto no mais importante das ilhas. A passagem de Vasco da Gama em 1498, no regresso da Índia, tem a simbologia da transformação do porto de Angra em apoio decisivo como escala na viagem de regresso do Oriente, que marcou para o bem e para o mal a história da Terceira.

A ilha Terceira pela sua centralidade no arquipélago, pelo seu porto de Angra, considerado o melhor das ilhas, pela sua capacidade de produção de cereais e gado transformou-se no centro político administrativo do arquipélago dos Açores. É sobretudo no reinado de D. João III que esta política de concentrar na Terceira as estruturas de poder régio delegado se incrementa. Cerca de 1527 estabelece-se a Provedoria das Armadas, na pessoa de Pero Anes do Canto, anteriormente a alfândega, como foral do almoxarifado de 1499, se afirmava como a primeira, para em 1534 Angra ser elevada a cidade e nela se estabelecer a sede da diocese criada nessa data.

Em 1507, um novo município foi criado pelo rei D. Manuel, com cabeça na vila de São Sebastião, na costa sul da ilha. em 1568, como sabemos pela célebre carta das côngruas paroquiais, a ilha contava com dezassete paróquias, duas vilas, Praia e São Sebastião, e uma cidade Angra. A população estimava-se em 21.500 habitantes ao findar o século, sendo a ilha com mais elevada densidade e Angra era uma cidade significativa no panorama nacional. O comércio da ilha com o reino e com o estrangeiro, em trigo e pastel cresceu significativamente permitindo a afirmação de uma sociedade de terratenentes e de mercadores. Desde o início do século XVI que se vinham criando as elites dos detentores da terra e dos meios de produção, que dominaram as estruturas municipais, militares e do poder delegado por todo o antigo regime. A detenção da terra adquirida no início do povoamento por dadas e posteriormente por compra, permitiu a afirmação de uma elite que criou os mecanismos de perpetuação do poder, através da instituição de morgados (o primeiro conhecido é o das Câmaras, na Praia, em 1499) e subsequentemente das grandes casas senhoriais, numa primeira fase dispersas pela ilha e posteriormente concentradas na Praia e sobretudo em Angra e que formavam a nobreza confirmada pelos foros de fidalgos da casa real.

A crise dinástica provocada pela morte de D. Sebastião em Alcácer Quibir e em 1580 a morte de D. Henrique, cardeal rei, com a disputa da sucessão entre Filipe II de Espanha e D. António prior do Crato, estendeu-se aos Açores. O que estava em causa era o domínio das rotas ultramarinas em monopólio, e por isso mesmo os Açores e sobretudo a escala de Angra era imprescindível para garantir esse mesmo domínio. Das guerras entre ambas as facções, os filipistas e o antonistas, as cenas mais dramáticas e significativas desenvolveram-se na Terceira, onde os adeptos da realeza de D. António, chefiados por Ciprião de *Figueiredo, o corregedor, estabeleceu o seu quartel-general. A ilha resistiu com êxito ao ataque das forças espanholas, tendo o seu ponto alto na vitória da Salga (1581), conseguindo evitar o desembarque dos invasores e criando condições, para resistir até ao ano seguinte.

A ilha acabou conquistada em Julho de 1582, estabelecendo-se um governo militar, uma ocupação por tropas espanholas e um período negro para as populações obrigadas a pagar os gastos da ocupação militar, mas a importância do porto de Angra e a necessidade de manter a escala nas viagens ultramarinas, salvou a Terceira, que durante o domínio filipino prosperou e viu reforçado o seu papel na organização administrativa do arquipélago.

Angra desenvolveu-se, nasceram os mais significativos edifícios da cidade, o Colégio dos Jesuítas, o acabamento das obras de construção da * e a construção da *Fortaleza de São Filipe (hoje São João Baptista) e sobretudo viu reforçado o seu papel de residência dos delgados do poder real. O corregedor, o provedor da Fazenda, o governador do castelo, o Bispo. A cidade e a sua elite política e mercantil, renascida com base nos apoiantes de Filipe II, reforçou o seu poderio económico, militar e administrativo.

A Praia, destruída por um violento sismo em 1614, foi reconstruída e reconfirmou a sua importância estratégica e de centro político de uma vasta área, a mais produtiva da ilha.

No século XVII Angra principalmente, mas também a Praia eram importantes centros urbanos com três conventos de clarissas em Angra e dois na Praia, um convento franciscano em cada uma daqueles centros, e ainda um dos gracianos. O Colégio dos Jesuítas, o mais importante centro cultural e de ensino das ilhas, era uma quase universidade. Nesta época sem dúvida, a ilha tinha um comércio florescente.

Quando em 1640, novas condições políticas permitiram o fim da dualidade das coroas e uma conjura em Lisboa afastou a dinastia dos Aústrias e proclamou D. João, duque de Bragança, como rei, de novo a Terceira e o seu castelo principalmente, como ponto de apoio e acesso ao Brasil, tornaram-se locais estratégicos. A luta para expulsar a guarnição espanhola foi longa e difícil, tendo durado mais de um ano, mas teve por base praticamente a força das milícias açorianas e ficou gravada na memória colectiva como um período heróico e de grande afirmação patriótica dos terceirenses comparável ao da guerra de resistência a Filipe II.

A Terceira tornou-se no imaginário nacional na ilha do heroísmo por excelência e uma pedra basilar da pátria portuguesa. Contudo, a segunda metade do século XVII modificou o papel da Terceira como escala ultramarina, porque o império atlântico centrado no Brasil era diferente do império oriental e Angra bem mais dispensável. A economia da ilha fraquejou, como o fim do comércio do pastel, o incremento da economia micaelense e a valorização do porto faialense. A população no findar do século estagnara ou até diminuíra.

Apesar de tudo, quando em 1766 foi decidido transformar os Açores numa Capitania Geral, a Terceira, pela sua centralidade, tradição, política e talvez algum desconhecimento da real importância do seu porto e da sua economia em relação a São Miguel e até ao Faial, foi escolhida para sede da capitania e Angra transformada na capital do Açores como residência do capitão-general, uma espécie de vice-rei. A ilha passou a beneficiar da concentração nela da superestrutura do novo governo insular, do reforço da guarnição militar, dos tribunais superiores e toda a burocracia governamental. A ilha Terceira passou a ter um elevado estatuto social e um folgado nível de vida sem suporte económico efectivo, porque o seu comércio tradicional decresceu e sobretudo foi ultrapassado em valor quer pelo de São Miguel, o que acontecia muito, mas sobretudo pelo do vinho do Faial.

Nas outras ilhas, principalmente entre as elites micaeleneses, mas também entre os faialenses, a predominância política da Terceira e sobretudo a imagem de Angra como capital dos Açores e os gastos públicos a seu favor era muito mal vista. Tudo fizeram para acabar com essa situação e destruir a própria Capitania-Geral aproveitando os primeiros movimentos liberais. O vintismo trouxe a agitação às ilhas e a Terceira viria a ser atacada por todos. A Capitania-Geral foi extinta e pedido dos deputados de São Miguel e do Faial pelas Cortes de 1822, mas voltou a ser refundada em 1823, com o regresso do absolutismo real. A Terceira parecia sobreviver no seu papel preponderante na orgânica política insular.

Quando se deu o primeiro embate entre liberais e absolutistas depois da morte de D. João VI a Terceira tornou-se, ao sustentar a causa de D. Pedro IV contra D. Miguel, a partir de 1828, no baluarte do liberalismo em Portugal. Foi mais o esforço dos militares liberais aqui estacionados que verdadeiramente uma opção local, mas é justo realçar a participação de uns poucos terceirenses empenhados, com Teotónio de Ornelas Bruges como chefe.

Entre 1828 e 1832 a Terceira tornou-se na única esperança de uma vitória liberal e passou por um período negro de concentração do Exército Libertador em formação, com todas as dificuldades de sustentar esses milhares de imigrados. Com a vitória em 1834 passou a ser glorificada como a ilha que havia salvo a Pátria e a Liberdade, mas isso não evitou o fim do seu predomínio na orgânica do arquipélago que passou a ser dividido em três distritos depois de uma experiência falhada, em 1832, de criação de uma Província dos Açores, com a capital na Terceira, na cidade de Angra.

O século XIX foi um tempo difícil para a ilha Terceira que não conseguiu acompanhar os novos caminhos do progresso. Falta de investimento público e privado, uma emigração excessiva da sua população rural, principalmente para o Brasil, e um certo desânimo generalizado por se ver a ilha reduzida a um papel secundário nos novos Açores. A tendência foi de ruralização e predomínio de uma agricultura rotineira com dificuldades em encontrar produtos valorizados nos mercados externos, como o declínio do valor dos cereais que a ilha produzia em abundância. As tentativas de industrialização, sobretudo do álcool produzido com batata doce, não tiveram êxito assinalável e a agro-pecuária, com a indústria dos lacticínios, no início do século XX chegou a desenvolver-se vagarosamente.

Contudo, a Terceira era ainda e apesar de tudo, a ilha com mais êxito no grupo central do arquipélago e o seu porto, ainda que secundário e o único dos três distritos que não foi modernizado e nele construído uma doca, passou a ser o porto de cabotagem por excelência.

A Terceira e a cidade de Angra eram formalmente a capital do distrito central, formado por essa ilha e mais a Graciosa e São Jorge, mas continuou a ser um centro de atracção pelo seu liceu e sobretudo pelo Seminário Diocesano, único pólo de formação dos sacerdotes e também o único acesso ao ensino médio para a grande maioria dos açorianos. A ilha era também a cabeça da orgânica militar das ilhas.

O sentimento da decadência era em parte pelo menos mais psicológico do que real, se bem que a Terceira passasse a um centro secundário no arquipélago pelo crescimento sobretudo económico de São Miguel e também pela tendência de concentrar em Ponta delgada muitos serviços de âmbito geral.

O século XX, na sequência da II Guerra Mundial, trouxe à Terceira uma nova esperança e um novo alento, com as facilidades concedidas aos aliados, através da Grã-Bretanha e com o estabelecimento de uma base americana nas Lajes, criadora de emprego e foco de desenvolvimento económico. O final da década de quarenta e sobretudo a década de cinquenta do século XX foi um tempo de alguma prosperidade, se bem que a emigração, agora sobretudo para os Estados Unidos da América e Canadá, tenha continuado em números elevados.

Os lacticínios tornaram-se na única indústria realmente representativa e com êxito, porque as outras, as vindas do século XIX, como o tabaco e as tentativas de implementar a indústria de conservas de peixe, foram efémeras e de resultados pouco animadores.

A criação de infra-estruturas, através das obras públicas, como estradas, distribuição de água potável, e melhoramentos na rede de esgotos, além da distribuição de electricidade foi vagarosa e intermitente e o seu desenvolvimento muito penalizado pela grave crise económica portuguesa na sequência da guerra do Ultramar, no início dos anos sessenta.

O século XX foi sobretudo um século de bloqueios económicos e culturais que penalizou fortemente a sociedade terceirense. J. G. Reis Leite

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Não é fácil seleccionar uma bibliografia sobre a história da Terceira, mas será proveitoso consular as seguintes entradas desta Enciclopédia: Açores (História), Angra do Heroísmo, Praia da Vitória, Demografia, e as respectivas bibliografias fixadas. Além disso são imprescindíveis as seguintes obras clássicas: Drumond, F. F. (1981), Anais da Ilha Terceira. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura, 4 vols.. Maldonado, M. L. (1989, 1997), Fenix Angrence. Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 3 vols.. Sampaio, A. S. (1902), Memória sobre a ilha Terceira. Angra do Heroísmo, Imp. Municipal.