Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Botelho, José Pereira

 [N. Lagoa, ilha de S. Miguel, 2.10.1813 ? m. Ibid., 6.2.1896] Após a conclusão, em S. Miguel, dos estudos primários e secundários, seguiu para Paris, em 1834, a fim de frequentar o curso de Medicina. Concluído este, em 1840, com «de très bonnes notes» (Motta, 1954: 123), na Faculdade de Medicina de Paris, prestou provas, na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, exigidas para o exercício da Medicina em Portugal, tendo sido «aprovado plenamente» (Id., 1954: 124.). Os seis anos que permaneceu em Paris terão sido fundamentais quanto à sua formação ideológica.

Regressado a S. Miguel em 1840, iniciou o exercício da medicina, granjeando a confiança de uma numerosa clientela, o que lhe permitiu, juntamente com os rendimentos fundiários que herdou, uma «vida folgada» (Id., 1954: 125). No exercício do cargo de médico municipal teve papel importante no combate a epidemias, como as de 1858, 1860 e 1865.

Foi um dos primeiros sócios da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (1843), tendo ali proferido, no ano de 1850, conferências sobre Química Agrícola. Integrou a comissão encarregada, pela Junta Geral do distrito de Ponta Delgada, do estudo das moléstias das laranjeiras. Nas suas propriedades foi também dos primeiros micaelenses a substituir as velhas castas atacadas pela filoxera, pela vinha americana e dos pioneiros da produção de ananases em estufas.

Ao nível sociocultural, foi importante a sua acção como um dos primeiros sócios da Sociedade dos Amigos das Letras e Artes em S. Miguel, de que foi vice-presidente, assumindo a presidência após a retirada de Castilho para o Continente. Nesse âmbito foram-lhe atribuídas as Cantigas Populares para uso dos alunos que frequentavam as escolas mantidas por aquela Sociedade.

De convicções políticas setembristas, integrou a Junta Governativa de S. Miguel (25.10.1846 ? 24.7.1847) que se constituiu na sequência da Patuleia. Terá sido mesmo o redactor da ?Proclamação? que a Junta, aquando da sua extinção, dirigiu à população, em consequência da Convenção de Gramido (O Preto no Branco, 1896). Por essa altura, fundava, com José do Canto, Frederico Jácome Correia, André António Avelino e Silva Loureiro o jornal Correio Micaelense, de pendor setembrista. Os dissabores que sofreu pela sua intervenção na Junta Governativa levaram-no a retirar-se para Paris, onde se manteve alguns meses. Ali assistiu aos acontecimentos revolucionários de 1848 e terá mesmo prestado assistência, nas barricadas, a diversos feridos (Ibid.). Ainda que retirado da intervenção política activa, eleitores da Ribeira Grande apontaram o seu nome nas listas de candidatos a deputados nas eleições legislativas de 1881, pela oposição, em que obteve o 2º. lugar, com fraca votação. O jornal República Federal incluiu-o, nos resultados das candidaturas republicanas, quando faz o balanço às eleições (República Federal, 1881). Este seu afastamento da actividade política não impediu, contudo, a sua colaboração com as autoridades locais em busca de soluções para problemas sociais graves. Assim, integrou a Comissão Importadora de Cereais nomeada pelo Governo Civil, tendo em vista a resolução da crise frumentária dos anos 1876-1877 (Revista Micaelense, 1918), bem como a comissão nomeada por decreto de 10 de Junho de 1879 para estudar a crise económica e agrícola do distrito de Ponta Delgada (BPAPD/FGCPD).

O Dr. Botelho, como era geralmente conhecido, constituiu referência em que se reviam os micaelenses e mesmo os açorianos situados mais à esquerda do espectro político. Assim, O Preto no Branco, por ocasião da sua morte, refere-se à sua personalidade nos seguintes termos: «o seu espírito aquecido nos focos dos ideais de 48 queria mais do que uma transformação política; desejava que as instituições democráticas [...] atendessem à condição do proletariado»; ou «a República, para o Dr. Botelho, constituía um ideal absorvente» (O Preto no Branco, 13.2.1896). Pela mesma ocasião, o Diário dos Açores considerava-o «democrata convicto [...], mente aberta aos grandes ideais» (Diário dos Açores, 6.2.1896), «adepto da mais avançada escola política» (Ibid., 7.2.1896). Salientava-se, também, a coerência das suas acções com os ideais ?humanitários? que perseguia, exemplificando-se com a desamortização voluntária dos bens vinculados que herdou do pai, pois considerava o morgadio uma instituição caduca; o seu empenhamento na instrução das classes mais desfavorecidas, pela sua acção dirigente na Sociedade dos Amigos das Letras e Artes e por ter recusado a oferta de Margarida de Chaves que o queria contemplar, no seu testamento, com terrenos que confinavam com a sua habitação em Ponta Delgada, aconselhando-a a cedê-los à Câmara Municipal para aí construir o Albergue Nocturno. Carlos Cordeiro (2002)

Obra. (1854) Cantigas Populares offerecidas à Sociedade dos Amigos das Letras e Artes em S. Miguel. Publicadas pela mesma Sociedade para uso dos alumnos que frequentam as suas aulas. Ponta Delgada, Typ. do Correio Micaelense [anónimo].

 

Bibl. Motta, A. A. R., (1954), O Dr. Botelho e o seu Tempo. Sep. de Insulana, Ponta Delgada, X, 1º sem. A Persuasão (1896), Ponta Delgada, 12 de Fevereiro. O Preto no Branco (1896), Ponta Delgada, 13 e 20 de Fevereiro. Diário dos Açores (1881), Ponta Delgada, 2 de Outubro. Id. (1896), 6 e 7 de Fevereiro. República Federal (1881), Ponta Delgada, 15 de Março. Revista Micaelense (1918), Ponta Delgada, I, 1: 21. Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada/Fundo do Governo Civil de Ponta Delgada, Livro de Actas da Comissão Filial Nomeada por Decreto de 10 de Julho de 1879.