Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Strozzi, Filippo

[N. Veneza, 1541 ? m. ao largo de Vila Franca, S. Miguel, 1582] Por ironia do destino, foi um nobre veneziano ao serviço de França quem abriu o caminho para a conquista castelhana dos Açores e para os cerca de sessenta anos do cativeiro espanhol de Portugal que se seguiram.

O apelido Strozzi já era conhecido em Portugal quando Filippo III Strozzi nasceu, em 1541, em Veneza, descendente de mãe ilustre, de oficiais marítimos e combatentes de renome europeu. A família Strozzi, poderosa em Florença, tinha também um ramo em Veneza, de onde Filippo foi levado pelo pai Piero, ainda criança, até França, onde foi logo pajem do dauphin, o futuro rei Francisco II. Piero Strozzi não se deve confundir com Pietro Strozzi, membro do ramo florentino da família que passou a residir em Lisboa desde 1509, que foi conquistador de Goa ao lado do colega toscano Giovanni da Empoli com a frota de Albuquerque, passando por Malaca e pelas Molucas e estabelecendo-se finalmente na Índia, onde acumulou uma considerável fortuna, sendo nomeado feitor do rei D. Manuel. Anos mais tarde Piero, pai de Filippo, foi o último, prestigioso representante da facção que tentou opor uma suprema resistência ao predomínio dos Medicis na Toscana e dos imperiais na Itália. A turbulência hereditária do jovem Strozzi não tardou a manifestar-se na França, pois com apenas dezasseis anos fugiu do conforto de sua casa e dos vícios da corte francesa para ir combater no Piemonte, onde foi destemido. Em 1563, com 22 anos, tornou-se coronel das guardas francesas e pouco mais tarde coronel geral; Filippo Strozzi era um grande perito em armas, tendo até inventado modificações no arcabuz, introduzindo as novas versões na infantaria e ensinando o seu uso às tropas. Depois de décadas de heróicas batalhas pela França e pelo Mediterrâneo e já Cavaleiro do Espírito Santo, em 1581 provou a desilusão da não atribuição do cargo de coronel geral da Infantaria, ao qual ambicionava e que foi oferecido ao duque de Epernon pelo rei D. Henrique III. Porém, a remodelação de pastas aos vértices do exército e o prémio de consolação para Filippo tinham sido pilotados por Catarina de Medicis com uma clara intenção, a de confiar a Strozzi a frota que, no Verão seguinte nos Açores, deveria impedir a capitulação do único pretendente nacional ao trono de Portugal, D. António Prior do Crato. Quem, melhor do que o valoroso herdeiro de Piero e do tio Leone Strozzi, de quem a rainha Catarina conhecia bem as proezas, poderia ter contrastado o formidável D. Álvaro de Bazán, velho rival do pai e do tio? Provavelmente um qualquer outro capitão, porque a rainha enganou-se redondamente ao distribuir favores, contrariando a vocação natural de Filippo para a Infantaria: conseguiu transformar um excelente cavaleiro num almirante inapto que deixou alastrar a confusão no seio da frota, demonstrando que clientelismo e remodelação de cargos, por vezes, não fazem ganhar batalhas. No cruento combate de 1582 ao largo da costa de S. Miguel e do porto de Vila Franca, o pobre Filippo teve que enfrentar o terrível Marquês de Santa Cruz que, nas palavras de F. R. Corte-Real, foi o melhor homem do mar que a Espanha alguma vez produziu em 7 séculos de experiência marítima. O almirante castelhano recorreu a uma hábil manobra táctica, sacrificando um dos seus veleiros, ao qual ordenou atrasar-se na retaguarda: os franceses concentraram-se então famélicos sobre o San Mateo, enquanto que Bazán efectuou uma repentina viragem e com o vento a favor, lançou-se com feroz determinação sobre o vulnerável ajuntamento de barcos. Ferido num joelho por uma bala de arcabuz, o almirante Strozzi tentou uma arriscada fuga com um barquinho, mas foi capturado e trazido à presença de D. Álvaro de Bazán. Entre a derisão geral, o Marquês despediu-o da vida à maneira da época: após ter permitido que fosse profundamente golpeado com a espada de um soldado, mandou-o lançar ao mar ainda vivo. Pierluigi Bragaglia

Bibl. Bragaglia, P. (1991), Os Italianos nos Açores e na Madeira, das origens da colonização a 1583 (conquista espanhola da Terceira). Lisboa/Bolonha, Instituto de Língua e Cultura Portuguesa ? ICALP / Instituto Luís de Camões, Universidade de Bolonha [tese de licenciatura em XX Capítulos] [Cap. XIX: A conquista espanhola dos Açores: Filippo Strozzi e outros italianos em ambas as armadas; Filippo III Strozzi e a sua ilustre e belicosa família ao serviço de França, na luta aos Medici e a Carlos V].