Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Sousa, Aires Pinto de

Assumiu, a partir de Setembro de 1810, o cargo de capitão-general dos Açores que assegurou até 1816. Não obstante o protagonismo do seu antecessor num dos períodos mais complexos da governação sob o regime instituído pelo Marquês de Pombal em 1766, caberá a Aires Pinto de Sousa a administração de uma conjuntura igualmente difícil e num período em que a instalação da corte no Brasil cria particulares responsabilidades do ponto de vista financeiro para cuja solução a Junta da Real Fazenda dos Açores será forçada a contribuir de forma expressiva. Está neste caso a satisfação da amortização do empréstimo de £ 600.000 contraído pela corte no Rio de Janeiro junto da praça de Londres, cujos encargos perduram para além do período de governo de Aires Pinto de Sousa, obrigando à transferência da totalidade das sobras das rendas reais geradas no arquipélago açoriano. Complementa esta operação de capitais transferidos para Londres, com recurso à transacção nos Açores das cambiais adquiridas junto de firmas mantendo negócios com praças estrangeiras, nomeadamente as que resultavam da exportação de vinho do Pico. Destacavam-se neste negócio as firmas *Scott Idle de Sobradello e John Bass *Dabney, ambas na Horta. Complementando estas rendas, o monopólio da urzela exportada para Londres, exigindo ao capitão-general aturado esforço para controlar o contrabando daquela tintureira, sobretudo nas ilhas Graciosa, Flores e Santa Maria, deixava igualmente apreciável rendimento que o enviado de Portugal em Londres se encarregava de fazer chegar aos cofres dos credores.

A par de uma atenção permanente do capitão-general para atender às solicitações frequentes da corte, que o governante procura por vezes iludir, a acção governativa de Aires Pinto de Sousa ficará assinalada também pela crise ocasionada pela inesperada chegada aos Açores dos chamados deportados da fragata *Amazonas. O capitão-general pretenderia mesmo que os governadores do Reino libertassem o arquipélago destes deportados que o acontecimento da «*Setembrizada» fez expulsar para os Açores sob a acusação de «jacobinos» e «pedreiros livres», que o governante considerava virem minar o sossego e a paz social reinante no arquipélago. O caso perturbaria as relações entre Aires Pinto de Sousa e os governadores em Lisboa, acabando mesmo por dar lugar a uma admoestação por parte da corte no Rio. Até 1815, altura em que o regente D. João amnistiou os deportados, a sua permanência em várias ilhas do arquipélago obrigaria Aires Pinto de Sousa a manter alguma vigilância e cautela perante a inevitável propaganda da ideia liberal que alguns dos deportados se esforçariam por propagar. Isto para além da contrariedade causada pela necessidade da Fazenda ter de prover a algum auxílio monetário para seu sustento enquanto permaneceram nas ilhas.

Também ressalta da acção deste governante a procura de soluções para reforçar a precária defesa dos Açores, tanto no que se refere aos corpos militares, como ao equipamento e às fortificações. O capitão-general tinha clara consciência da fragilidade da defesa das ilhas, em especial de S. Miguel, Terceira e Faial, o que o fez diligenciar junto da corte e junto do enviado de Portugal em Londres, no sentido de obter apoio e armamento. Este esforço, todavia, provará ser totalmente ineficaz. O facto não impedirá que se constate alguma iniciativa tímida por parte da corte, nomeadamente ao enviar o capitão-engenheiro Francisco Borges da Silva para a ilha de S. Miguel com a missão de reedificar as fortificações da ilha, mas da iniciativa, para além da reedificação do Forte de S. Braz, nada mais resultará em termos significativos. É no período do seu governo, no ano de 1810, que será instalada em Angra uma Academia Militar, embora a iniciativa caiba a decisão do governo da corte. Pode conjecturar-se que a decisão régia, conforme decreto de 26 Outubro de 1810, criando em Ponta Delgada um porto franco, poderá estar associada a estas iniciativas e também à nomeação de um novo governador militar para a ilha de S. Miguel.

As relações com os governadores militares das ilhas de S. Miguel e do Faial-Pico, marcarão capítulo particularmente desagradável no período em que Aires Pinto de Sousa exerceu o cargo de capitão-general dos Açores. Coincidindo com a vinda para S. Miguel do capitão-engenheiro Borges da Silva, a corte nomeou para o cargo de governador da ilha de S. Miguel, José Francisco de Paula Cavalcante e Albuquerque, verificando-se que ambos mantinham uma relação directa com a corte no Rio de Janeiro. Para o Faial a corte nomeia o capitão Elias José Ribeiro cuja frequente relação conflitual com o juiz de fora, Joaquim Gaspar de Almeida Cândido, obriga a frequentes intervenções do capitão-general, num crescendo que acabaria por determinar a expulsão deste para a corte no Rio, e levando também à partida definitiva do governador do Faial para o Brasil. Ainda neste período, Aires Pinto de Sousa tem de gerir a situação anormal que o arquipélago viverá em resultado da crise que persiste nas relações entre a Inglaterra e os Estados Unidos da América, que conduziu à guerra de 1812. Para além do conhecido episódio do combate naval ocorrido no porto da Horta, então neutral, entre o corsário americano General Armstrong e o esquadrão britânico sob o comando de Robert Lloyd, dando lugar a uma longa e complexa trama diplomática, Aires Pinto de Sousa tem ainda que intervir de forma a gerir as implicações decorrentes do protagonismo que o arquipélago assume durante os embargos decretados pelos Estados Unidos da América contra os interesses britânicos e que farão do porto da Horta verdadeiro entreposto para escala de centenas de navios de ambas as nações que naquela ampla baía baldearam mercadorias, contornando as disposições restritivas da inconsequente lei americana. Pode afirmar-se que a acção governativa de Aires Pinto de Sousa, afinal como a dos demais capitães-generais, não terá trazido ao arquipélago particulares benefícios; terá sido, contudo, uma das épocas mais exigentes e complexas pelo envolvimento numa conjuntura que, de forma simultânea, envolveu a intensificação da dependência portuguesa da Inglaterra com implicações nos Açores e o arrastamento das ilhas para a querela opondo a Grã-Bretanha aos Estados Unidos da América. É mesmo a sua intervenção nesta trama de contornos internacionais difusos no que tem a ver com os Açores, e o relacionamento difícil e conflitual com o vice-cônsul britânico em Angra, Diogo Alton, que acaba por suscitar uma situação de tipo conspirativo que, com a cumplicidade da corte no Rio, culminaria com o afastamento de Aires Pinto de Sousa do arquipélago. Ricardo Manuel Madruga da Costa

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