Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Carlos Enes

Dando seguimento ao trabalho de outros investigadores, Daguerre inventou um processo fundamental para a evolução da fotografia, em 1837, conhecido por daguerreotipia. Em Portugal, todo este processo foi acompanhado desde cedo, dado que a primeira referência à fotografia surgiu em 1839, na revista Panorama. Na década de 40, já existiam notícias sobre fotógrafos estrangeiros de passagem pelo país, acabando alguns por fixar residência. Mas foi só a partir das décadas de 70 e 80 que se registou a sua expansão, cabendo ao alemão Emílio Biel e a Carlos Relvas a responsabilidade por esse facto.

A história da fotografia em Portugal já foi objecto de vários trabalhos desenvolvidos, mas para os Açores não existia até ao momento qualquer estudo sobre o tema. A partir de uma busca pela imprensa e a consulta do Anuário Comercial foi possível ir montando as peças essenciais do puzlle. A análise da documentação recolhida, permite traçar as linhas principais da evolução da fotografia nos Açores. Em primeiro lugar, a influência dos estrangeiros na sua divulgação e na formação inicial, ainda na primeira metade do século XIX. Paralelamente, foram surgindo alguns curiosos e amadores, até ao aparecimento dos primeiros profissionais que se instalaram nas cidades do arquipélago, a partir da década de 60. Contudo, dada a pequena dimensão do mercado, a sua sobrevivência passava pelo exercício de outras actividades complementares.

Tendo em conta a implantação geográfica, podemos distinguir um primeiro período que se prolongou até à I Guerra Mundial, em que o percurso da fotografia era essencialmente citadino. Segue-se uma outra fase, situada entre as duas guerras mundiais, caracterizada pela penetração nas vilas, dado que o mercado das cidades estava saturado. O crescimento da população, depois dos anos 30, e a mudança de hábitos culturais e de consumo provocaram uma nova etapa de expansão, nas vilas e cidades, correspondendo ao período de democratização da fotografia. Após o “25 de Abril” de 1974, a difusão profissional é mais moderada, mas assiste-se à vulgarização da fotografia a cores e à introdução de novas tecnologias.

Para a compreensão de todo este processo de enraizamento da fotografia na região é necessário ter em conta a proximidade geográfica do continente americano que permitiu uma fácil deslocação dos praticantes para aperfeiçoarem os seus conhecimentos. A forte corrente emigratória incentivou, por um lado, a necessidade de tirar o retrato para o passaporte, mas também as ofertas aos familiares distantes, com a finalidade de matarem saudades ou de conhecerem os novos membros da família. A facilidade com que se partia e regressava até ao início da I Guerra Mundial permitiu a introdução de modernas máquinas e outros utensílios necessários ao ofício, mesmo nas ilhas mais pequenas. A presença de estrangeiros trabalhando nos cabos submarinos na Horta foi também decisiva para a popularização da fotografia no Faial. Em relação à base americana nas Lajes, na ilha Terceira, a possibilidade de aquisição de material a preços mais convidativos, facilitou também a vulgarização.

Feito este enquadramento, acompanhemos o registo, mesmo que incompleto, dos fotógrafos estrangeiros e nacionais que contribuíram para a história da fotografia nos Açores, nas suas mais variadas etapas.

A Presença de Fotógrafos Estrangeiros

Marcellin Turpin terá sido o primeiro daguerreotipista a desembarcar em Ponta Delgada, em 1845, anunciando a sua actividade na hospedaria de João António Rodrigues. Todos os dias, tirava fotografias das 10 às 3 horas da tarde, ao preço de 4$800 réis. Acabou por residir na ilha, vivendo do ensino da língua francesa. No ano seguinte, outro anúncio na imprensa referia que um artista vindo do Porto pretendia demorar-se em Ponta Delgada e que tirava retratos a 3 e 4 patacas, segundo o tamanho. Podia, também, ir a casa das pessoas interessadas e efectuava retratos de vistas panorâmicas. No mês seguinte já anunciava a sua partida, fazendo fotografias a preços mais módicos. Para o mesmo ano, um jornal de Angra do Heroísmo anunciava que se faziam retratos pelo processo de Daguerre, embora não seja indicado o nome do fotógrafo. Em 1857, Dubois apresentou-se na cidade de Ponta Delgada, como “acreditado artista e dentista, bem conhecido do povo lisbonense”. Fazia retratos a daguerreotipo - a fusco ou coloridos. Os retratos em lâmina custavam 1$440 réis e em papel 1$400. Encarregava-se também de ensinar a retratar. Ainda na década de 50, fixaram-se na mesma cidade dois outros fotógrafos de nome Miller e Nesbitt.

Para a década de 60, registam-se ainda a presença em São Miguel Jacques Wunderli, Eduardo Kauphl e Schenk. Por Angra do Heroísmo passaram Suliev, que fazia fotografia colorida e um outro que tirava retratos “d´ambrotypo” na hospedaria de Joven Nestor. No final da década, Carlos F. J. Reckell teve estabelecimento montado temporariamente nas três cidades do arquipélago, transmitiu os seus conhecimentos a vários aprendizes e terá dado um contributo fundamental para a introdução da fotografia na Horta.

A Expansão pelas Cidades até á I Guerra Mundial

Mas para além da presença de estrangeiros, encontrámos alguns açorianos interessados na fotografia. Numa breve síntese, procuraremos referenciar os principais fotógrafos por ilha.

Em São Miguel, um dos primeiros açorianos a envolver-se com a fotografia, como amador, terá sido o médico faialense, António Ferreira Borralho, que viveu naquela ilha, e ali faleceu, intoxicado com drogas utilizadas na revelação, em 1853. Manuel Inácio Rodrigues, proprietário do Hotel Central, terá aprendido com os estrangeiros que lá hospedaram temporariamente. Foi ele que, no início dos anos 60, tirou a fotografia que serviu de modelo para a pintura do pano do Teatro Micaelense, com uma vista desde o areal de São Francisco até à Ponta da Galera, bem como uma outra de Ponta Delgada que serviu de base a conhecidos artistas portugueses, como Nogueira da Silva e Alberto. Outro fotógrafo, Luís de Sousa Vasconcelos, especializou-se na preparação de nitrato de prata, cloreto de ouro, ácido pirográfico e papel albuminoso e salgado. José Maria Vasconcelos, evidenciou-se pelos trabalhos em vidro. Outros amadores a ela se dedicavam como passatempo: Ernesto do Canto, o morgado António Botelho, o padre José Maria Carvalho e José Maria Álvares Pereira, que aprendera nos Estados Unidos.

Na década de 60, começaram a surgir os primeiros profissionais, embora alguns deles exercessem outras actividades complementares.

Mariano José Machado, um jorgense radicado em Ponta Delgada, foi discípulo do referido Miller e em conjunto com Nesbitt abriu um estúdio. Em 1867, há notícia de ter realizado uma viagem à sua ilha natal, onde tirou muitas fotografias. Em 1868, havia adquirido a Manuel Inácio Rodrigues todos os preparos e sortimentos do seu estabelecimento, bem como os clichés, dos quais fazia reproduções. Por sua iniciativa foi publicado o Almanaque das Bellas Artes, em 1868, com um artigo sobre a fotografia. Este almanaque tem a particularidade de ter sido, provavelmente, a primeira publicação com fotografias coladas: uma vista panorâmica das Furnas e outra da doca de Ponta Delgada. Em 1870, publicou um pequeno livro, no qual descreve uma visita a Santa Maria. Passou quase três meses naquela ilha, tirando “239 retratos de fotografias e ambrotypo”, que lhe renderam 70$980 réis, além de outras gratuitas. Neste livro também colou dois retratos: um do próprio autor e uma vista de Vila do Porto. Teve atelier montado na rua do Garcia, durante vários anos.

José de Sousa Cabral, alfaiate, anunciava, em 1870, ter-se dedicado ao estudo da fotografia e que se achava habilitado para tirar retratos em grupo e vistas para álbum, podendo fazê-lo no jardim da Sociedade d´Agricultura ou no seu estabelecimento na rua de São Braz.

José Pacheco Toste, nascido em 1850, na Ribeirinha, ilha Terceira, residiu desde jovem em São Miguel. Aí aprendeu a arte com Mariano Machado, aperfeiçoou-se posteriormente no estrangeiro e fundou a Photographia Central (1875). Em 1900, realizou uma viagem aos Estados Unidos com a filha, Maria das Dores, com o objectivo de aperfeiçoar o método de trabalho.

Um dos mais conhecidos fotógrafos micaelenses era António José Raposo, que terá sido ensinado pelo fotógrafo Reckell. Em 1870, já estava estabelecido na rua da Esperança e anunciava que se comprometia a tirar retratos melhores que qualquer fotógrafo que tivesse passado pela cidade. Comunicava, ainda, que tinha em seu poder os clichés do seu antecessor na mesma casa, Reckell, pelos quais tirava reproduções. É muito provável que algumas fotos mais antigas atribuídas a António José Raposo sejam afinal reproduções do trabalho do seu mestre. António Raposo, proprietário da Photographia Artística, ensinava a arte a qualquer pessoa por 300$000 réis, e os seus métodos de trabalho aperfeiçoaram-se com um americano, de nome E. C. Cornell, que se instalou por algum tempo no seu atelier. Tanto Pacheco Toste como António Raposo fotografaram Antero de Quental, em 1887.

Nos finais do século XIX, já estava aberta ao público a Photographia Mendonça, no Largo da Matriz, propriedade de António Correia Mendonça. No início do século XX, surgiram mais dois fotógrafos: Jácome Pacheco Toste, com a Fotografia Artística, e Manuel Joaquim de Matos, com a High-life, que se manteve em funcionamento até finais dos anos 30.

Na ilha Terceira, um anúncio de 1861, referia a existência de um fotógrafo, instalado na rua de Santo Espírito, e posteriormente na rua do Galo (1864), em Angra do Heroísmo, tirando retratos de vários tamanhos, bilhetes de visita a 3$600 réis a dúzia. Será, provavelmente, Nestor Ferreira Borralho, o único fotógrafo existente na cidade em 1867, e que era filho do médico faialense já referido. Trabalhava a daguerreotipo, sem horário definido. Em 1868, Carlos Severino de Avelar residia em Angra do Heroísmo, dedicando-se ao ensino das línguas francesa e inglesa, abrindo também um estúdio com a designação de Galeria Photographica. Este fotógrafo, de famílias naturais da Horta, esteve no Brasil, em 1858, quando tinha 14 anos de idade, e em 1872 foi-lhe passado um passaporte para Madrid e Paris. Aí deve ter aprofundado os seus conhecimentos, acabando posteriormente por se fixar em Lisboa.

Em 1874, já se tiravam retratos na Photographia Terceirense, de Carlos Augusto Mendes Franco. Este fotógrafo foi premiado com a medalha de oiro na exposição realizada em São Miguel por ocasião da visita régia (1901) e entregou em mão própria a D. Carlos uma fotografia panorâmica da parte Sul da ilha Terceira, desde a ponta de São Mateus até à Salga. Empenhou-se na modernização do seu atelier adquirindo em 1904, uma objectiva de recente invenção, a “Planar de Leiss”, por 148$000 réis.

Um anúncio de 1876, referia a abertura da Photographia Avelar, pertencente a Severino João de Avelar. Acabado de chegar de Lisboa, prestava-se a todo o trabalho concernente à mesma arte, “em qualquer tamanho ou sistema, como Rembrandt e Woodbuy”. Em 1867, havia-lhe sido passado um passaporte para uma viagem a Londres, onde provavelmente obteve alguns conhecimentos.

Em 1877, o proprietário não identificado da Photographia Progresso, informava os clientes que nela se trabalhava pelos modernos processos Rembrandt e Monckoven, funcionando diariamente a qualquer hora.

A estes juntou-se, pouco depois, Manuel de Sá e Silva, natural do concelho da Feira, Aveiro. Fora residir para a Terceira, na qualidade de técnico de uma fábrica de papel e acabou por tomá-la de arrendamento, até à altura em que os donos lhe aumentaram a renda. Para ficar com uma recordação da mesma, solicitou a um fotógrafo o retrato do edifício. Ao reclamar perante o preço elevado (oitenta mil réis), o fotógrafo respondeu: “Fazer fotografia não é fazer papel”, ao que Sá e Silva ripostou: ”Hei-de fazer fotografia como faço papel”. E assim o fez, montando uma casa de relojoaria e de fotografia na rua da Sé, onde hoje se ergue o edifício da Confederação Operária Terceirense. Artista habilidoso, abriu a Photografia Popular que após a sua morte terá transitado para um familiar, João de Sá e Silva. Para além da fotografia, este último executava trabalhos de ourivesaria e relojoaria, em conjunto com a mulher, Maria Amélia. O estabelecimento esteve em funcionamento até finais dos anos 20.

Abraham Aboboht (1871-1959) também se dedicou à fotografia, mas era, essencialmente, um desenhador e pintor que executava retratos a crayon, desenhos de modelos para móveis para além de outros trabalhos existentes em Angra do Heroísmo, como por exemplo, o pano de boca do Teatro Angrense, os vitrais dos Paços do Concelho e retratos a óleo de várias personalidades. Começou por montar um atelier numa quinta, na Canada dos Folhadais, e dirigiu outro, a Galeria Photographica do Clube União Ginástica, na rua Duque de Palmela. Abriu posteriormente um estabelecimento, com a designação de Photographia Angrense Tornou-se conhecido por ter fotografado Gungunhana na sua chegada a Angra do Heroísmo, em 1896, mas acabou por se tornar funcionário público, a partir de 1919.

Ainda nos finais do século XIX, a Terceira esteve ligada a uma experiência realizada por José Júlio Rodrigues. Nos túneis de lava da ilha (Março de 1891) foram feitas as primeiras fotografias à luz de magnésio. Este professor da Escola Politécnica de Lisboa, lente de Química Mineral, deslocou-se à Terceira como inspector técnico das contribuições indirectas. Durante a sua estadia, realizou várias visitas de estudo, tirando fotografias nas furnas do enxofre.

António José Leite (1872-1943), revelou-se um dos melhores artistas do seu tempo. Nascido no Porto, deslocou-se ainda jovem para a Terceira como empregado de balcão de um comerciante também nortenho. Ali casou e se estabeleceu como comerciante de fazendas e ourivesaria. Fotógrafo amador, recorreu à objectiva nos tempos difíceis para compensar dificuldades financeiras. Em 1901, participou na exposição em Ponta Delgada com vários postais, os famosos postais da Loja do Buraco, nome do estabelecimento, que tiveram grande divulgação. Pela qualidade do seu trabalho, teve a mercê para usar o título de fotógrafo da Casa Real. Nos anos 20, trespassou a Loja do Buraco e montou a Foto-Bazar, na rua de São João, vendendo material fotográfico e fazendo acabamentos em trabalhos de amadores. Após a sua morte, o filho João Leite ainda a manteve em funcionamento até meados dos anos 50. Parte do seu espólio foi preservada, dando origem a um livro publicado por Francisco Ernesto de Oliveira Martins, evidenciando o olhar do fotógrafo nos mais variados acontecimentos da vida terceirense.

A montra da Loja do Buraco era um local de exposições frequentes de fotografias ou de pinturas de artistas locais. Quase todos os fotógrafos amadores, como Sebastião do Canto e Castro, Guilherme Enes, entre outros, ali exibiam os seus trabalhos. Uma das exposições mais apreciadas apresentava, em 1910, as primeiras experiências de fotografia a cores, feitas por Sebastião do Canto e Castro.

António Luiz Lourenço da Costa (1883-1939) foi um dos fotógrafos mais importantes nos primeiros anos do século. Nascido em Angra do Heroísmo, acabou por emigrar para o Brasil em busca de melhor sorte. No Rio de Janeiro, trabalhou no atelier de Elias da Silva que, conhecendo-lhe a aptidão, o mandou frequentar o curso de Belas Artes. Em 1904, já estava de volta a Angra do Heroísmo, onde abriu um estabelecimento, a Photographia Lourenço, na rua do Galo. Para além de ampliações, trabalhava com “antigos e modernos papéis, assim como clódio, sais de prata, ilfor-pop, Eastman e o verdadeiro platina Smoth”. Fez também uma viagem a Paris, onde aperfeiçoou os seus conhecimentos.

Em 1911, fundiu o seu estabelecimento com o de Jayme Franco, que havia aberto no início do século a Photographia Franco. Esta junção deu origem à Photographia Lourenço e Franco, onde realizavam fotografia a cores. A sociedade desfez-se pouco tempo depois, tendo constituído uma outra por quotas com Fernando Carvão, em 1925, com a designação de Fotografia Lourenço, Limitada. Pelas fotos conhecidas, o estabelecimento, com sala de toillette e escritório, estava profusamente decorado e mobilado. Ampliou fotografias de várias individualidades locais, que eram expostas nas suas montras.

Em 1934, circularam notícias de que o fotógrafo Lourenço havia sido premiado numa exposição internacional, em Paris. Contudo, soube-se de imediato que a notícia havia sido forjada pelo próprio. Uns anos depois, foi preso. Embora tivesse estado ligado à Esquerda Democrática e não fosse afecto ao regime de Salazar, o motivo da prisão relacionou-se com umas montagens fotográficas pouco convenientes. Acabou por morrer no chamado Depósito de Presos.

Na cidade da Horta, um dos estabelecimentos mais antigos terá sido a Photographia Avelar, que encerrou em 1874. A notícia não refere o nome do proprietário, mas o material terá sido adquirido por António d´Avelar Ribeiro, que se estabeleceu no ramo nesse mesmo ano. Uma notícia de 1903 refere que o estúdio continuava aberto, sendo dirigido por Luísa Avelar Ribeiro. Em 1875, um outro Avelar, Severino João d´Avelar, completava a “sua barraca fotográfica” e prontificava-se a tirar retratos com todo o esmero e perfeição, a preços mais baratos que qualquer outro. Este estabelecimento deve ter durado pouco tempo porque no ano seguinte, já estava residindo em Angra do Heroísmo, como referimos.

A presença da família Dabney ficou registada também pelo seu contributo para a introdução da fotografia no Faial. Fixados nos Açores no início do século XIX, o patriarca John Dabney foi o primeiro cônsul americano no arquipélago e homem de negócios em vários ramos. Os descendentes, gente culta e viajada, interessaram-se pela fotografia, registando aspectos da paisagem e dos costumes faialenses, mas também de outras ilhas (1800). Rose, Raoul, Roxana e Samuel Dabney conheciam os modernos processos da arte e o seu espólio, ainda preservado, constitui um precioso elemento de estudo sobre os Açores, até à data em que partiram da ilha, em 1892.

Domingos Mendes de Faria, um continental que fixara residência na Horta, em 1875, já dirigia nesse ano a Photographia Nacional, na Alameda da Glória, e ensinava a qualquer pessoa o “systema de chromo a côres”, por 24$000 réis.

Em 1876, João Augusto Laranjo já exercia actividade, produzindo retratos esmaltados ou sem esmalte, em lâmina de aço, bem como reproduções de grupo e paisagens. Dois anos depois, estava em funcionamento a Photographia Americana, de Laureano P. da Silva Correa.

Os irmãos Goulart tornaram-se duas figuras de referência na história da fotografia insular. Manuel Goulart (1866-1946), começou a tirar fotografias nos anos 80. Embarcou para a América em 1889, mas regressou aos Açores em 1895, trazendo consigo uma máquina. O irmão, José Goulart, residente na Horta, acompanhou-o numa digressão pelas ilhas tirando fotografias. Desta viagem resultou a edição de um catálogo de “Vistas e costumes dos Açores, Madeira e Portugal”, publicado em 1895. José Goulart, acompanhou-o até aos Estados Unidos, aperfeiçoou os seus conhecimentos, regressou ao Faial, em 1900, e fundou a Galeria Photographica, de sociedade com José Luís Lemos. Fazia retratos, imagens comerciais, industriais, paisagens e costumes. Foi um dos pioneiros da fotografia a cores em Portugal. Após a sua morte, a família continuou a actividade e preserva ainda o seu espólio.

Em 1908, surgiu outra casa fotográfica, a Foto Popular, de Tiago Romão de Sousa, que funcionou até aos anos 40. A continuidade do trabalho foi exercida pela afilhada, Elvira Romão de Sousa, até aos anos 60.

Como foi referido, no período em análise as casas de fotografia existiam essencialmente nas cidades, mas contou também com alguns amadores nas vilas, de algumas ilhas. Na maior parte dos casos, revelavam os seus trabalhos em pequenos quartos caseiros adaptados a “laboratórios” ou nos ateliers dos profissionais, como se deduz dos anúncios publicitários. Contudo, o seu trabalho veio dar cobertura a outros eventos que nem sempre atraíam a atenção dos profissionais

A referência mais antiga reporta-se a 1870, em que José Paim de Menezes tirava fotografias em vidro e papel na Praia da Vitória. Só depois surgiu João Ignácio Bettencourt, no início do século, e César de Matos Serpa (activo entre 1905-1940), exercendo paralelamente a profissão de relojoeiro. Para o Pico, encontrámos em São Roque, Francisco Xavier Bettencourt da Silveira (a.1905-25); na Madalena, Alfredo Lacerda Ribeiro (a. 1908) e António Lacerda (a. 1908). Com a designação de amadores Eugénia Sarmento (a. 1908) e Manuel Dias Lima (a. 1905-1921). António Terra da Silveira foi um dos mais conhecidos fotógrafos do Pico, mas vamos encontrá-lo temporariamente em Santa Cruz da Graciosa, em 1903, e posteriormente, a partir de 1917. Em Santa Cruz das Flores, Braz Teodoro da Costa (a.1905-1912), Filomena Adelina da Silva (a.1905-1953), João de Fraga Peixoto (a. 1908-1912) e Francisco da Silveira Bettencourt d´Avelar (a. 1902). Em Vila do Porto, Januário Soares de Figueiredo, que aprendera a arte em Boston, abriu um estabelecimento nos finais do século XIX, com actividade até finais dos anos 20.

Feito o registo dos principais fotógrafos para este período, vejamos alguns acontecimentos que contribuíram para a divulgação da fotografia. Merecem destaque as exposições agrícolas e industriais. Na da Horta, em 1878, foram expostas três fotografias de Samuel Dabney e outras de Domingos Mendes de Faria; na de Ponta Delgada, em 1882, por ocasião do centenário da morte do marquês de Pombal, apareceram apenas dois retratos fotográficos coloridos a óleo por A. M. Vasconcelos e uma fotografia da autoria de Luís de Sousa Vasconcelos. Mas na exposição de 1895, nesta mesma cidade, já estiveram expostas, numa secção própria, mais de três de dezenas de fotografias, da autoria de Mariano Gaspar Teixeira, António José Raposo, Maria Victoria Xavier Raposo, Ernesto Brown, José Pacheco Toste, Francisco Afonso Chaves e Duarte d´Andrade Albuquerque Bettencourt. Maior sucesso teve ainda uma outra exposição também em Ponta Delgada, por ocasião da visita de D. Carlos, em 1901, com a participação de fotógrafos de várias ilhas.

Nos finais do século XIX, a fotografia já era utilizada nos Açores como aplicação a estudos científicos. O biólogo Francisco de Arruda Furtado (1854-1887) terá sido o primeiro a aplicá-la num estudo antropológico a nível nacional (Materiais para o estudo antropológico dos povos açoreanos, 1884), reproduzindo numa página várias fotografias com tipos fisionómicos de camponeses micaelenses. O mesmo procedimento foi seguido por outro açoriano, embora residente em Lisboa. No final do século, o bacteriologista Anibal Bettencourt utilizava-as nos seus relatórios científicos.

Até à I Guerra Mundial, a fotografia só foi utilizada muito esporadicamente na imprensa. A fundação da Oficina Artes Gráficas, pelo marquês Jácome Correia, nos princípios do século XX, permitiu a utilização da fotogravura, mas os custos elevados para tiragens reduzidas não eram apelativos.

A nível de livros, a primeira experiência terá sido utilizada por Mariano José Machado, como referimos, a que se seguiu outra no livro de poemas Phantasia, de Maria Belmira de Andrade, publicado em 1875. Para além do grupo de cientistas em torno de Carlos Machado, como Arruda Furtado e Afonso Chaves que a utilizavam, serviu de ilustração a um trabalho de Osório Goulart sobre a visita régia ao Faial, em 1901.

Com a fundação da Sociedade Propagadora de Notícias Micaelenses, em 1898, foram editados postais de António Raposo, como meio de propaganda turística, bem como outros da autoria de José Leite e de José Goulart. Em Angra do Heroísmo, foi inaugurada uma Galeria de retratos com 33 personalidades açorianas, em 1907, o que vem evidenciar a importância dada à fotografia.

O Crescimento Moderado Entre as duas Guerras Mundiais

O período compreendido entre as duas guerras mundiais caracterizou-se por uma certa estabilização nos espaços citadinos e uma maior expansão para as vilas das ilhas mais pequenas.

Em Ponta Delgada, Jacinto Óscar Dias Rego e a mulher Maria das Dores assumiram a direcção, nos anos 20, da Photographia Central que pertencia ao sogro José Pacheco Toste, e o estabelecimento passou a ser conhecido por Foto Toste. José de Melo Vasconcelos Araújo, fundou a Foto Rápida e exerceu a actividade até ao final dos anos 50. Nas vilas, registe-se a actividade, na Povoação, de António Ferreira Pacheco (a. 1925-1928) e, em Vila Franca do Campo, de Jácome Pacheco Toste (a. 1919-1953), que antes trabalhara em Ponta Delgada.

Como fotógrafo artístico e amador, destacou-se Caetano José Velho de Mello Cabral (1900-1970), que assinava as fotos como Ellmo Bracla. Participou em várias exposições organizadas pelo Grémio Português de Fotografia, em Lisboa, quer de âmbito nacional (1932,1934 e 1935), quer de âmbito internacional (1937).

Em Angra do Heroísmo o mais importante estabelecimento deste período pertenceu a Raul Alves da Cruz. Nascido em 1895, em Paços de Brandão, distrito de Aveiro, residiu em Angra do Heroísmo, pelo menos desde 1920, com profissão de fotógrafo. Neste ano requereu um passaporte para se deslocar aos Estados Unidos. Regressado em 1925, apresentou-se ao público com as credenciais de fotógrafo formado pelo International Studio of Chicago, abrindo o seu atelier, que permaneceu em actividade até aos anos 70. Na Praia da Vitória começou a trabalhar o mais conhecido fotógrafo da vila da primeira metade do século, António Borges de Quadros (1906-1961). Juntamente com outros afazeres, dedicou-se à fotografia, entre os anos 20 e 40. O trabalho de revelação era feito pela mulher, Maria Graciomilde (1905-1984), num pequeno quarto preparado para o efeito.

Na Horta, há apenas a registar a actividade de Alexandre Rebelo, nos anos 30 e 40, e uma Foto Hortense, na Ladeira da Conceição, de acordo com um carimbo numa foto.

Para as ilhas mais pequenas, a proliferação de estabelecimentos e o aparecimento de novos fotógrafos foi mais evidente. Para as Lajes do Pico, temos João Soares de Lacerda (a. 1917-1925); São Roque, Adolfo Vieira da Costa (a. 1928-1948); Manuel Cristiano de Sousa e Simas (a. 1925-1928), Manuel de Sousa Lemos Jr (a. 1933), Estefânia da Silveira (a. 1938) e Manuel P. da Silva (a. 1940). Em Santa Maria, Carlos Ância Travassos e José Ângelo Ferreira estiveram activos entre 1933 e 1948. Em S. Jorge, nas Velas, encontrámos Pedro Nolasco Gambão (a. 1917-1925), Francisco Giraldes Xavier (a. 1921-1953) e os amadores Agostinho Coelho Botelho, António da Silva Petiz , José Eremitério da Silveira e Manuel Bettencourt da Silveira, todos com actividade registada em 1928. Em Santa Cruz da Graciosa, Aníbal César Bettencourt (a. 1917-1938), António Terra (a. 1917-1928) e Nicolau Terra (a. 1938-1953). Para Santa Cruz das Flores, Henrique Costa (a. 1928-1970) e Francisco Pacheco Custódio, que se fixou em Ponta Ruiva, em 1927.

A actividade de maior relevo de alguns fotógrafos neste período foi a sua ligação ao cinema. Em Angra do Heroísmo, o fotógrafo Lourenço realizou em 1927, o primeiro filme açoriano, denominado Documentário Terceirense, a que se seguiram outras experiências por José Leite e Raul Cruz. Em Ponta Delgada, Jacinto Óscar Dias Rego apresentou também ao público, em 1930, o primeiro filme micaelense, a que se seguiram outros documentários.

Como fotógrafo artístico e amador, destacou-se Caetano José Velho de Mello Cabral (1900-1970), que assinava as fotos como Ellmo Bracla. Participou em várias exposições organizadas pelo Grémio Português de Fotografia, em Lisboa, quer de âmbito nacional (1932,1934 e 1935), quer de âmbito internacional (1937).

Uma Nova Explosão a partir dos Anos 40

A partir dos anos 40, registou-se uma grande expansão da fotografia nos Açores, com a abertura de numerosos estabelecimentos. Para Ponta Delgada, registe-se o aparecimento da Arte Gráfica, de José Barbosa, inaugurada em 1947; Foto Estrela, de Raul Eiró (1943), Foto Tinoco (1946), Foto Garcia (a. 1958-1995), Foto Londres (a. 1958-1965), Foto Arte (a. 1965), Foto Bela (a. 1961-1974) e a Foto Nóbrega, a mais importante de todas elas.

Gilberto Nóbrega (1919-2003), natural do Funchal, acabou por se fixar em Ponta Delgada, em 1942, dedicando-se de alma e coração à fotografia. Como refere António Valdemar, Nóbrega é um naturalista, do ponto de vista estético e conceptual, um clássico entre os modernos e um moderno entre os clássicos. Pela sua objectiva passaram os momentos mais significativos da vida micaelense da última metade do século XX. Pelo seu atelier passaram vários aprendizes que depois abriram estabelecimentos por conta própria. Gilberto Nóbrega fez viagens à Alemanha, Paris e Londres para aperfeiçoamento. Foi o primeiro em São Miguel a montar estúdio para fotografia a cores. Nos anos 50 adquiriu a Foto Toste. O trabalho prossegue, sob a direcção da filha, Ana Nóbrega, e do neto Luís Nóbrega Medeiros.

A cidade de Angra do Heroísmo ficou também marcada por um crescimento de estabelecimentos: Foto Lilaz, de Arnaldo Bettencourt, Foto Bazar, Foto Perlino, de A. Lino, que trespassou para Arnaldo Tristão Aguiar, dando origem à Foto Madeira; Foto Brum, de Rodolfo Ferreira Brum, e a Mini-Foto, de Manuel Bettencourt. O mesmo fenómeno se registou na Horta: Foto Jovial, de Júlio Vitorino da Silveira, Foto Azul e outra de João Baptista Dutra e Herdeiros.

Os espaços urbanos de menor dimensão continuaram a assistir à proliferação de fotógrafos e respectivos estabelecimentos: na Povoação, Foto Arte (a.1965), Foto Sousa (a. 1954-1965) e a Foto Santos & Teixeira, L.da (a. 1970-1974); em Vila Franca do Campo, Manuel Carreiro dos Santos Lima (a. 1943-1960), José Fernandes Coelho (a. 1960-1974), Virgílio Santos Mendonça (1965) e Silvino Pacheco (a. 1970-1995); em Vila do Porto, José Elizabeth, da Foto Pepe; na Praia da Vitória, Foto Pereira, de Luís Pereira, a Casa Bispo, de José Silvério Bispo, e a Foto Iris, de Costa e Costa L.da; em São Roque, António Dias de Melo; nas Lajes do Pico, Camilo Costa e João Baptista Alves Soares; em Santa Cruz da Graciosa, João da Silva e Reginaldo Correia de Melo; nas Velas, Fotografia Godinho e Fotografia Guial; na Calheta, Virgínia Soares da Silveira, Ernesto Jacinto da Silveira e Flamínio da Silva Azevedo; em Santa Cruz das Flores, Humberto Augusto Lopes; nas Lajes das Flores, Adão Pinheiro da Silva.

Esta fase corresponde ao período de democratização da fotografia, tendo em conta não só o número de particulares possuidores de máquinas, mas também uma maior facilidade de deslocação dos profissionais para os meios rurais, fazendo a cobertura dos mais variados eventos.

A Implantação de Novas Tecnologias

Com a queda do regime ditatorial em 25 de Abril de 1974, alteraram-se gradualmente os hábitos de consumo da sociedade portuguesa e melhoraram as condições de vida de vastos sectores da população. Deste modo, continuaram a surgir outros fotógrafos, com as respectivas casas comerciais, fazendo a cobertura dos eventos mais significativos, mas o método de trabalho alterou-se. Na maior parte dos casos, os estabelecimentos vivem da revelação de trabalhos do público amador em máquinas industriais, da digitalização de fotografias mas também das tradicionais reportagens das mais variadas festas. Como estabelecimentos mais importantes registe-se o Laboratório Açor Color, Atelier Belarte e Mega 4, todos em Ponta Delgada, fundados na década de 90. Foi também na mesma década que abriram em Angra do Heroísmo a Iris Color, a Foto Madeira (2ª), Lilaz (2ª), Corvelo e O Fotógrafo. Para a Horta saliente-se a Foto Silva, Iris e Hortalab. O trabalho na área da fotografia industrial e publicitária foi implementado pela Zoom1.1, de Martinho Grilo Coelho, em Ponta Delgada. Nas vilas as alterações foram pouco significativas: na Povoação, Estúdios Oliveira, L.da e Foto Flash, ambos em 1995; na Lagoa, a Foto Madrid (1991); na Ribeira Grande, Fotolinda (1995); em Vila do Porto, a Foto Nova; em Santa Cruz da Graciosa, a Foto Iris; nas Velas, a Foto Mesquita e a Foto Azevedo, e em Santa Cruz das Flores, a Foto Alves.

Registe-se, ainda, o trabalho de uma nova geração de amadores que através de exposições ou da publicação de livros têm contribuído para a divulgação da fotografia na região.

Bibliografia

Para além da imprensa açoriana e da consulta do Anuário Comercial, foram consultados os seguintes trabalhos:
Almanaque Açores (1955), “Manuel de Sá e Silva”, Livraria Editora Andrade, Angra do Heroísmo, pp. 57-62.
COSTA, Félix, José da (1867), Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Açores, Tip. do Governo Civil, Angra do Heroísmo.
MACHADO, Mariano José (1870), Uma viagem à ilha de Santa Maria, São Miguel, Tip. M. A. Tavares Resende.
SENA, António (1998), História da imagem em Portugal – 1839-1997, Porto, Porto Editora.
SUPICO, Francisco M. (1995), Escavações, vol. I, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, pp. 122-23.
VALDEMAR, António (entrevista), Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 18 de Abril de 1992.