“Coimbra 7 de Janeiro de 1868
Ai que saudades me apertam, diz um velho romance popular; ai que desas[s]ocego este meu, depois que deixei de ver gente e de sentir barulho à roda de mim. Assim que cheguei a casa, a mudez e solidão fizeram avultar mais o que mal me tocava. (…) Escrevo agora á minha mulher para ter occasião de sahir, indo até ao Correio, e tomar um pouco de ar. Estes solavancos vão-me pondo não sei como. É com a minha mulher que espero fazer uma liga contra tudo. Vou adquirindo tactica de general com esta vida travagliata. A minha mulher já sabe talvez, que depois // de me despedir ainda tornei atraz a buscar o livro que me ía esquecendo. A minha mulher já não estava ali; fiquei ainda mais desolado; lembrou-me o que lhe disse um dia á noite a respeito da ultima esperança. Em fim estou com pressa de ir para o ar livre. Adeos querida.”[1]
A propósito da comemoração, atualmente tão em voga, do Dia dos namorados, foi selecionada para documento deste mês uma das numerosas cartas que Teófilo Braga (1843-1924) enviou a Maria do Carmo Xavier de Oliveira Barros Leite (1841-1911), com quem viria a casar em abril de 1868[2]. Paralelamente, a rubrica associa-se ao facto de agora se ter assinalado, a 28 de janeiro, o centenário da morte do professor, investigador e ensaísta micaelense que foi presidente do governo provisório republicano de 1910 e 2.º presidente da República, em 1915.
Estudante em Coimbra, Teófilo Braga frequentou a casa dos seus condiscípulos e amigos, Eduardo e António Pedro Xavier de Oliveira Barros Leite, no Porto, tendo-se apaixonado pela irmã destes, Maria do Carmo, iniciando-se um relacionamento de namoro que viria a culminar, como dito, em casamento.
Começam no final de 1865 as cartas que se conservam no Arquivo Teófilo Braga, pertencente ao acervo do Arquivo Regional de Ponta Delgada, sendo a última de agosto de 1909. Foram transcritas e publicadas em 1994, ainda no âmbito das comemorações do 150.º aniversário do nascimento de Teófilo Braga[3]. Note-se que, pelo menos em outubro de 1867, Teófilo já se dirige a Maria do Carmo como “minha mulher”, o que traduz, certamente, um grau de intimidade e compromisso, vários meses antes do casamento.
Infelizmente, não foram conservadas as cartas que Maria do Carmo Xavier de Oliveira Barros Leite dirigiu a Teófilo Braga, embora o acervo documental deste também inclua correspondência a ela endereçada por outras pessoas.
[1] - Braga, Teófilo – Cartas a Maria do Carmo Barros Leite (1864-1909). Ponta Delgada: Biblioteca Pública e Arquivo, 1994. P. 147.