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Pedro IV (D.)

[N. Queluz, 12.10.1798 ? m. ibidem, 24.9.1834] É um dos reis de Portugal mais conhecidos, cujas vida e acção têm sido interpretadas das mais variadas maneiras e que despertou desde sempre as maiores paixões e os mais profundos ódios. Foi imperador do Brasil e rei de Portugal e abdicou de ambas as coroas nos filhos, passando simplesmente a intitular-se duque de Bragança e a governar Portugal como regente em nome da filha D. Maria da Glória, a rainha D. Maria II. A bibliografia acerca de D. Pedro é vastíssima e a sua biografia suficientemente conhecida e tem uma forte ligação aos Açores.

Com a morte de D. João VI, sucedeu ao pai (26 de Abril de 1826) no trono de Portugal quando já era imperador do Brasil. Outorgou então a Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa (29 de Abril de 1826) e de seguida, a 2 de Maio, abdicou da coroa portuguesa na filha primogénita, D. Maria. Numa primeira fase tentou um arranjo político com o irmão D. Miguel, que lhe disputava o trono, que consistia em este aceitar a legitimidade da sucessão de D. Pedro, jurar a Carta Constitucional, realizar núpcias com a sobrinha, então uma criança, e passar a governar Portugal. D. Miguel quebrou o juramento e consequentemente inviabilizou o acordo. Aceitou ser aclamado rei absoluto, acabou com as instituições liberais e iniciou assim uma guerra aberta entre os liberais ou pedristas e os absolutistas ou miguelistas.

Os apoiantes de D. Pedro dividiram-se então em dois grupos. Aqueles que aceitavam a sua intervenção directa e suspiravam por um novo acordo que garantisse a paz e aqueles outros que desconfiavam das propostas de D. Pedro em abdicar de facto da coroa portuguesa e o queriam afastado das soluções encontradas para repor no trono D. Maria II.

Em 1828 deu-se em Portugal uma revolta dos liberais para restaurar a Carta Constitucional a qual foi derrotada pelos miguelistas que obrigaram os revoltosos a emigrar para Inglaterra. Em Angra, na ilha Terceira, deu-se também um pronunciamento da restauração da Carta Constitucional a 22 de Junho de 1828 em que estavam envolvidos vários oficiais de Caçadores 5, que guarnecia a ilha e algumas personalidades locais. Sabendo da derrota dos liberais em Portugal planearam os chefes militares, principalmente o capitão Quintino *Dias, desistir da revolta e seguir o destino dos emigrados em Inglaterra. Conseguiram evitar isso os outros implicados, principalmente Teotónio de Ornelas *Bruges fazendo com o seu gesto que se estabelecesse na Terceira o único foco de resistência ao absolutismo miguelista.

D. Pedro entretanto parecia pouco interessado nos negócios políticos portugueses e pressentia que a causa de D. Miguel ganhava terreno junto das cortes europeias. Contudo, em Março de 1828 confirmou a abdicação da coroa portuguesa e a separação das coroas brasileiras e portuguesa ordenando que Portugal fosse governado em nome de D. Maria II por D. Miguel regente. Mas o golpe miguelista inviabilizara esta solução.

D. Maria II veio à Europa, foi recebida na corte inglesa com delicadeza, mas regressou ao Brasil por se entender que a viagem falhara nos seus propósitos políticos. Foi então nomeada a *regência do reino, chefiada por Palmela e mandada estabelecer na Terceira (1830). Era a primeira atitude de D. Pedro claramente de apoio à resistência liberal dos emigrados e o reconhecimento da Terceira como a única parte da monarquia libertada e com governo legítimo.

As relações da Regência com D. Pedro foram pouco pacíficas, principalmente pelas dificuldades financeiras que se agravavam e o imperador não parecia disposto a ultrapassar. Contudo, a derrota da esquadra miguelista na Praia, a 11 de Agosto de 1829, a mudança da política agora favorável aos liberais portugueses em Londres, a vitória liberal em França com a monarquia de Julho em 1830 e o agravamento das dissidências políticas no Brasil contra o imperador D. Pedro I alteraram profundamente as circunstâncias. A 7 de Abril de 1831 D. Pedro abdicou da coroa imperial no filho D. Pedro II e resolveu regressar à Europa na companhia da imperatriz (a segunda mulher D. Amélia) e da filha D. Maria II. A Regência enviou-lhe da Terceira uma delegação formada pelo coronel Manuel de Sousa *Raivoso e o morgado Teotónio de Ornelas *Bruges pedindo-lhe que viesse ele próprio para a Terceira tomar parte no governo do reino da sua filha (Setembro de 1831). Agora a Regência exercia já a autoridade em todo o arquipélago açoriano conquistado por sua ordem por António José de Sousa Manuel e Meneses Severim de *Noronha, conde de Vila Flor.

D. Pedro decidiu aceitar o encargo e iniciou uma nova fase na luta pelo restabelecimento de uma monarquia constitucional em Portugal.

Já na sua viagem do Brasil para a Europa passara nas águas açorianas e enviara ao Faial uma carta em que afirmava os seus propósitos de apoio à causa da rainha, agradecia o zelo dos açorianos no serviço de D. Maria II e se congratulava pela conquista das ilhas (30 de Maio de 1831) (Drumond, 1981, doc. 44) dando assim alento e esperança aos adeptos da causa liberal nos Açores.

No dia 12 de Fevereiro de 1832 D. Pedro parte de Belle Isle, na Bretanha, para as ilhas açorianas decidido a assumir a regência em nome de D. Maria II. Contratara um empréstimo que desbloqueava as mais urgentes necessidades financeiras. Dirigia-se a Angra, mas o tempo incerto do inverno açoriano obrigou-o a aportar primeiramente em Ponta Delgada onde desembarcou a 22 de Fevereiro de 1832. Passou uma semana em S. Miguel e tomou as primeiras providências para a futura expedição militar. Foi recebido com entusiasmo na cidade açoriana, o que era um bom augúrio. Embarcou finalmente para a Terceira a 2 de Março e no dia seguinte aportava a Angra. Ainda a bordo recebeu os membros da Regência, cujo presidente o marquês de Palmela lhe entregou o poder. Transformava-se formalmente D. Pedro no regente da monarquia portuguesa. Leu nessa ocasião uma importante e longa proclamação com as linhas de orientação política (Drumond, 1981, doc. II) e nomeou o ministério formado pelo marquês de Palmela, D. Pedro de Sousa *Holstein, com a pasta dos Negócios Estrangeiros e interino do reino; José Xavier Mouzinho da Silveira, para a Fazenda e a Justiça e Agostinho José *Freire para a Guerra e interino da Marinha. Desembarcou e foi recebido sem grandes demonstrações de entusiasmo, diz um cronista, pela desconfiança que continuava a causar entre muitos liberais as suas reais intenções em relação ao governo de Portugal e pouca fidelidade à Carta Constitucional que o acusavam de nunca invocar nos seus discursos e proclamações.

Nos primeiros dias que passou na velha capital insular recebeu as homenagens dos órgãos governativos e visitou o Castelo de S. João Baptista, acto de profundo significado. Declarou-se ele mesmo generalíssimo das forças de mar e terra e deu instruções administrativas para a publicidade legislativa e nomeou novas autoridades eclesiásticas, ajudantes-de-campo, ao conde de Vila Flor comandante chefe das tropas e ao vice-almirante Sartorius comandante das forças navais. Eram as primeiras medidas para a formação do *Exército Libertador que o regente pretendia que incluísse todos os soldados portugueses mesmo os prisioneiros e os desertores, agora amnistiados.

A 7 de Março no seu navio a vapor Superb zarpou de Angra para a ilha do Faial. Na Horta recebeu as homenagens das autoridades a bordo e da sociedade. Passou revista às tropas aí estacionadas, os voluntários da Rainha e o Caçadores 12, mas as suas preocupações iam especialmente para o *arsenal da marinha, peça fundamental para a preparação dos meios do projectado desembarque nas costas de Portugal. A 11 regressou a Angra e na passagem aproveitou para desembarcar na vila das Velas, em S. Jorge, onde praticou os costumados actos de soberano e tratou de se inteirar das circunstâncias em que viviam os oficiais do depósito militar daquela ilha, muitos deles saldanhistas pouco entusiasmados com o regente. Vieram a formar o célebre Batalhão Sagrado do *Exército Libertador. À noite estava de novo em Angra onde estabeleceu um simulacro de corte e onde se iam juntando os emigrados e com eles os ódios e as desinteligências que corroíam o próprio sistema.

A Regência de D. Pedro foi marcada por um verdadeiro frenesim legislativo e pela actividade espantosa do próprio regente que acudia em pessoa a tudo. Foi à Praia a 8 de Abril e a 23, como comandante em chefe, embarcou para S. Miguel voltando ainda em 24 de Maio à Terceira para apressar os embarques das tropas e materiais em atraso. Voltou ao Faial para inspeccionar o arsenal da marinha aí estabelecido e para mandar seguir os transportes marítimos para S. Miguel, ponto de reunião das tropas. A 29 de Maio reuniu finalmente as forças expedicionárias em S. Miguel e a 27 de Junho de 1832 embarcou o *Exército Libertador com destino à costa de Portugal tendo desembarcado a 8 de Julho no Mindelo. Tinham passado quatro anos desde que o Caçadores 5 levara a bom termo o pronunciamento em Angra para repor a Carta Constitucional.

É digno de referência especial a actividade legislativa da Regência de D. Pedro, principalmente a do ministro Mouzinho da Silveira que estava convencido que a justeza das leis valeria mais do que as armas. Ensaiou em cerca de 30 decretos publicados em Angra e em Ponta Delgada a estrutura do Portugal novo fruto dos ideais do Liberalismo, decretos esses de execução imediata nos Açores que se transformaram assim no campo de ensaio da nova administração constitucional. A extinção dos conventos, o fim das ordenanças e milícias, a nova tributação, a criação das prefeituras, a nova organização judicial e a nova organização eclesiástica tudo ia decidido nesses decretos e tudo se aplicou às ilhas antes da vitória liberal no continente.

Paralelamente à actividade militar e administrativa a estada de D. Pedro nos Açores foi acompanhada da vida social e mundana de uma corte, mesmo uma corte na aldeia e os dias passados em Angra, Horta e Ponta Delgada foram recheados de bailes, passeios, Te Deum, paradas militares e sucessivas intrigas típicas desses ajuntamentos de cortesãos. De tudo isso se comprazem em dar notícia pormenorizada as memórias de alguns dos emigrados, os cronistas da época ou os historiadores posteriores, mas por todos o melhor quadro foi escrito por Vitorino Nemésio na sua A Terceira durante a Regência.

D. Pedro já no Porto continuou a seguir com apreensão a situação vivida na retaguarda das ilhas açorianas e a atender às questões que poderiam fazer perigar o sucesso da expedição. Distribuiu mercês aos açorianos seus fiéis, legislou para atender às dissidências internas (dividiu o arquipélago em duas *províncias e elevou a Horta a cidade a 4 de Julho de 1833) tentando manter assim o equilíbrio instável que se vivia nas ilhas onde as guerrilhas miguelistas e a luta entre facções liberais criavam continuamente perigos. Pode-se afirmar que D. Pedro esteve muito ligado aos destinos açorianos, para o bem e para o mal, até ao fim da sua vida.

Os Açores por sua vez continuaram a venerar a memória do rei soldado e a preservá-la na retórica da sua história, na toponímia das suas cidades e no monumento em Angra, A Memória, que se tornou no ex-libris da cidade. J. G. Reis Leite

Fonte. Colecção de decretos e regulamentos publicados durante o governo da regência do reino estabelecida na Terceira. Anno de 1832 (1834). Lisboa, Imprensa Nacional.

 

Bibl. Avelar, J. C. S. (1902), Ilha de S. Jorge. Apontamentos para a sua história. Horta, Tip. Minerva: 406-407. D. Pedro d?Alcantara de Bragança 1798-1834 Imperador do Brasil Rei de Portugal, uma vida, dois mundos, uma história (1987). Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dabney, R. (2004-2006), Anais da Família Dabney no Faial. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, I: 264, 267, 270, 319-321. Drumond, F. F. (1981), Anais da ilha Terceira. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura, IV: 292-325. Lima, M. (1940), A loucura do ideal ? miguelistas e liberais na ilha do Faial. Famalicão, Minerva. Macedo, A. L. S. (1981), História das quatro ilhas que formam o distrito da Horta. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura, II: 111-138. Maia, F. A. M. F (1994), Novas páginas da história michaelense 1832-1895. 2.ª ed., Ponta Delgada, Jornal de Cultura: 11-175. Nemésio, V. (s.d.), A Terceira durante a Regência (1830-1832) [com várias publicações, a mais acessível in Exilados, Lisboa, Bertrand].