Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Pico do Celeiro (batalha do)

Como ficou conhecido, na retórica liberal posterior, o recontro entre as milícias e outros soldados desertores e o destacamento de Caçadores 5 no Pico Velho e Pico do Celeiro à entrada da Praia, em Outubro de 1829 e de que resultou uma vitória para os liberais.

A maioria dos terceirenses olhava com grande desconfiança e temor as tropas liberais, mas levou tempo a reagir à revolta de 22 de Junho de 1828 que repôs a Carta Constitucional em Angra e demitiu as autoridades miguelistas. Só em Outubro, quando os liberais tinham já consolidado posições e recebido reforços, os chefes absolutistas que haviam ficado na ilha, o capitão João Moniz *Corte Real e o morgado Joaquim de Almeida Tavares do Canto consideraram, apesar do desaire que haviam sofrido por não receberem os auxílios que julgavam possíveis e pedidas às outras ilhas, principalmente à do Faial, ter chegado o momento para aproveitar a mobilização das milícias para com elas e os soldados desertores de Caçadores 5, enfrentarem as tropas liberais. Era voz corrente que os miguelistas recebiam auxílios vindos do campo liberal, inclusive pólvora saída do castelo de Angra.

Os miguelistas, com grande exaltação, começaram a reunir nos Biscoitos, atingindo cerca de 1500 homens, armados de espingardas, espadas, chuças e foices, isto é mal municiados e com excesso de confiança segundo a informação de Drumond. O plano estabelecido foi então o de assaltar e desarmar os destacamentos liberais que haviam sido espalhados por vários pontos da ilha e depois concentrarem as forças na vila da Praia e aí restabelecer o governo de D. Miguel. Esta primeira parte do plano correu bem, e conseguiram os revoltosos desarmar vários destacamentos de soldados de Caçadores 5, derrotando até outros que contra eles foram enviados. Acima de tudo conseguiram quebrar a moral dos liberais.

Dirigiram-se para a Praia, capitaneados pelo capitão Corte-Real e sabendo que a vila havia sido evacuada pelos liberais, seguiram pelas freguesias a partir dos Biscoitos onde engrossaram a sua coluna com mais povo armado. Cometeram alguns excessos e fizeram prisões entre aqueles que suspeitavam de adesão à causa liberal. No dia 2 de Outubro entraram em triunfo na Praia e cumpriram a segunda parte do seu plano, restabelecendo um *governo interino em nome de D. Miguel. Enviaram mesmo um emissário ao general Dioclesiano *Cabreira, presidente do governo liberal intimando-o à rendição, mas o emissário foi desarmado e preso, com o desprezo com que a tropa olhava quem considerava um bando de paisanos armados.

Na Praia, no dia 3, preparava-se a resistência e distribuíam-se as melhores armas, cerca de 200 espingardas, aos soldados mais capazes de um «exército» que contaria com pelo menos 3.000 homens.

No dia 4 de Outubro os liberais puseram-se em marcha saindo do Castelo e mandaram a fragata brasileira pelo mar para os auxiliar na baía da Praia. A coluna liberal era formada por meia brigada de artilharia e 150 praças de Caçadores 5. Comandava-a o próprio general Cabreira, com o coronel José António de Silva Torres. O capitão José Maria Taborda comandava a Infantaria e o capitão Luiz Manuel Morais do *Rego a Artilharia. A meio caminho foi decidido que o general voltaria para Angra e comandaria a coluna o coronel Silva Torres (o futuro barão do *Pico do Celeiro), que chegou ao Pico Velho, situado ao lado esquerdo da ladeira do Pico do Celeiro, cerca das 5 horas da tarde. A fragata entrara por sua vez na baía da vila ameaçando os revoltosos, onde faltava aliás disciplina.

As milíciasmiguelistas estavam emboscadas nessa zona do Pico do Celeiro, teoricamente com vantagem, comandados pelos mais destacados oficiais de milícias, Eustáquio Francisco de Andrade, Mateus Pamplona, Joaquim de Almeida, Joaquim Coelho da Rocha e José Borges Scotto. Não tinha pedido acompanhá-los João Moniz *Corte Real, o único capitão de linha e chefe máximo, por ter deslocado uma perna numa queda de cavalo. Era uma grave falta.

O recontro começou por descargas de fuzilaria da parte das milícias e de tiros de uma peça de campanha, da parte dos liberais, que durou hora e meia sem vantagem de nenhuma das partes. Contudo, a tropa de Caçadores 5, melhor armada e sobretudo disciplinada acabou por flanquear os miguelistas que em breve se puseram em debandada, sendo alguns deles mortos. Daqui por diante perderam os comandantes a mão nas suas tropas e os liberais e a perseguição transformou-se em pilhagens, em roubos e mortes gratuitas de civis desarmados, entre eles o padre da ermida de S. João da Casa da Ribeira. Nestes desatinos os soldados liberais foram auxiliados por certos oficiais desembarcados da fragata e até de Caçadores 5. Nunca se chegou a saber quantas mortes se deram entre os derrotados e da própria coluna vitoriosa também se guardou segredo daqueles que ficaram mortos e feridos. Foi difícil fazer parar o saque, como conta Drumond em confissão insuspeita.

Dos chefes milicianos e do capitão Moniz nada mais se soub,e por terem fugido todos a esconder-se nos montes ou a refugiarem-se em casa de parentes e amigos, para reorganizar as guerrilhas. Silva Torres mandou notícia da vitória ao general Cabreira, já noite. Só no dia seguinte entraram na Praia, onde fizeram alguns desacatos e rasgaram do livro da Câmara o auto de aclamação de D. Miguel.

Drumond resume, e bem, que «deste combate assegurou-se aos liberais a posse da ilha Terceira, ainda que no interior d?ella se retiraram muitos comprometidos e que um grande número se armaram de guerrilhas, assim naturaes como desertores dos dous batalhões». J. G. Reis Leite

Bibl. Drumond, F. F. (1981), Anais da Ilha Terceira. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura, IV: 154-174.