Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Ladeira da Velha, batalha

Mal passara um mês sobre o seu regresso a Angra após ter garantido militarmente a redução das «Ilhas de Baixo» à obediência a D. Maria II, o conde de Vila Flor, no comando de Divisão Expedicionária, embarcava, rumo à conquista da ilha de S. Miguel, último bastião de D. Miguel nos Açores. Compunham a força o corpo de Cadetes, o corpo de Voluntários Académicos, o Batalhão de Caçadores N.º 5, o corpo de Sapadores, um batalhão do Regimento de Infantaria N.º 18 e outro do Regimento Provisório de Infantaria, e ainda as guarnições para a artilharia de campanha fornecidas pelo Batalhão de Artilharia de Angra, efectivo que, conforme as fontes, comportaria entre 1.500 e 1.900 homens.

Para a vitória liberal concorreram diversos factores, dos quais ressaltam dois muito objectivos. Primeiro, a surpresa absoluta do local de desembarque. No dia 2 de Julho, uma pequena chalupa para o efeito fretada, ? Water Witche ? zarpou de Angra rumo a S. Miguel, levando a bordo o comandante Quintino de Avelar, acompanhado do engenheiro militar Pombo e de um pequeno destacamento, com o objectivo de convencer o general Sousa Prego a entregar a ilha sem necessidade de um confronto armado. A presença de um engenheiro militar a bordo tinha por objectivo o reconhecimento da costa, caso falhasse a via negocial e uma acção armada viesse a impor-se. Falhou, de facto, a tentativa de contactar o general Prego, já que a presença no porto de Ponta Delgada de navios miguelistas obrigou a força de reconhecimento a, prudentemente, afastar-se da cidade e regressar à Terceira, sem dar a conhecer a sua presença. Por altura dos Mosteiros, encontrou, porém, um barco de pesca, recolhendo dos pescadores informações sobre a situação da ilha, e convencendo um deles, Francisco de Andrade, natural de Rabo de Peixe, a ir à Terceira, para servir de prático no desembarque liberal nas costas micaelenses que se apresentava incontornável. A 27 do mesmo mês, uma vez mais Quintino de Avelar, agora acompanhado de Mousinho de Albuquerque, do major Pacheco e de Francisco de Andrade, rumaram para a costa norte de S. Miguel para escolherem, em definitivo, o local de desembarque. Regressada esta missão, em 30 zarpava do porto de Angra o comboio de transporte da Divisão Expedicionária. O remoto pesqueiro na foz da ribeira da Achadinha, local escolhido e onde se efectuou o desembarque, não oferecia condições adequadas para uma operação desta natureza. Tinha, porém, a vantagem de, por esta característica, não estar fortificado nem guardado, vantagem potenciada pela distância a qualquer concentração de forças militares absolutista. O desembarque fez-se, pois, com enorme dificuldade, apesar da escalada penosa da escarpa contrariada por alguns camponeses que do alto rolaram pedras, sem quaisquer baixas, foi possível formarem-se os batalhões por alturas da Ponta da Ajuda, prepararem-se os primeiros contactos com as forças defensoras e iniciar-se a marcha sem grande incómodo (se bem com falta do armamento de artilharia, só mais tarde desembarcado, em melhores condições, no Porto Formoso). A óbvia vantagem de quem estava em terra, ficou completamente anulada.

O segundo factor decisivo foi de natureza numérica. Se bem que os miguelistas dispusessem de substancial vantagem em recursos humanos e armamento, todos os confrontos se travaram estando as forças liberais em maior número. Na madrugada do dia 1 de Agosto, quando a visibilidade o permitiu, foram avistados frente à Ribeira Grande os primeiros navios do transporte das tropas constitucionais. Enviada imediatamente a informação ao capitão-general, a Ponta Delgada, pelo juiz de fora, na incerteza do local de desembarque se começaram a preparar as tropas estacionadas naquela vila ? o Regimento das Milícias e um destacamento de Caçadores. Pareceu, primeiramente, pela altura dos navios, que o desembarque se poderia efectuar no porto de Santa Iria, na Ribeirinha, e para lá se dirigiu uma parte do destacamento de Caçadores, enquanto a outra parte marchou em direcção ao Porto Formoso, um desembarcadouro também possível. Ora, quando os navios de transporte da Divisão Expedicionária foram avistados frente à Ribeira Grande, já rumavam eles em direcção à Achadinha, pois, por terem caído um pouco a sotavento da rota premeditada, encontraram-se alta noite em frente da ponta NO de S. Miguel. Foi, consequentemente, necessário bordejar toda a costa até o ponto alguns dias antes escolhido para o desembarque. Não são coincidentes as informações sobre a hora do início desembarque ? passaria das 6 horas da manhã ?, mas os últimos navios só dobraram a Ponta da Ajuda pelas 10. Esta movimentação do comboio das forças liberais ao longo da costa, se por um lado permitiu que a sua chegada mais rapidamente fosse do conhecimento dos comandos militares miguelistas, veio lançar a incerteza sobre o ponto desembarque, desviando forças que, para aí, deveriam oportunamente ter sido encaminhadas ? por exemplo, até às 9 horas se montou o dispositivo defensivo do porto de Santa Iria.

Pela uma hora da tarde, pouco mais ou menos ? ainda decorria o desembarque liberal que durou até às 3 ?, deu-se o primeiro contacto das tropas absolutistas que haviam saído da Ribeira Grande logo pela madrugada em direcção ao Porto Formoso, e que daqui continuaram para Leste no encalço do comboio liberal, com os invasores, quando estes já se encontravam perfeitamente organizados e à sua espera: o tiroteio foi vivo, porém a pequena força absolutista não tardou a bater em retirada, deixando alguns mortos no terreno, entre eles o Capitão Marcelino Coelho Bandeira, ajudante-de-ordens do capitão-general Sousa Prego, e em poder do inimigo uma peça de montanha, que foi surpreendida por alguns Caçadores do 5.º, que se achavam emboscados, quando ela ia principiar a fazer fogo. Peça esta que será utilizada pelas tropas liberais na Ladeira da Velha. Algum tempo depois, outra pequena coluna absolutista vinda das Furnas foi posta em debandada, morto o seu comandante, José Maria da Silva, logo aos primeiros tiros. E as tropas liberais avançaram sem outro obstáculo até à Maia, onde os soldados de Vila Flor acamparam junto à Ribeira dos Moinhos, para aí passarem a noite, enquanto as forças absolutistas mais próximas se posicionaram na Ladeira da Velha, no caminho de Porto Formoso para a Ribeira Grande. No campo absolutista, a estratégia concebida parece, de facto, ter assentado, fundamentalmente, no barramento da passagem aos liberais na Ladeira da Velha, acção relativamente fácil dada a configuração do terreno, enquanto um contingente de forças ido de Vila Franca ? Regimento de Milícias de Vila Franca, com 200 homens de Infantaria N.º 1 ? os atacaria pela retaguarda. A esta estratégia faltou, porém, a correspondente acção de comando táctico. As forças posicionadas na Ladeira da Velha, com cerca de 900 combatentes, eram, na sua maioria, compostas pelo Regimento de Milícias da Ribeira Grande, a cujo coronel ? se não aos próprios milicianos ? faltava a preparação militar que a situação exigia, a que se somavam algumas centenas de Caçadores e de soldados de Infantaria 20, comandados por um tenente-coronel que montou um dispositivo táctico de que até o coronel das milícias discordava, mas não ousou contrariar. O comando das tropas absolutistas em S. Miguel, o Coronel Silva Reis, esse instalou-se na retaguarda, na Ribeirinha, com as tropas de reserva. Posicionaram-se, assim, as tropas absolutistas em alas flanqueando a estrada ? tudo estava na maior confuzão, relata uma testemunha ?, sem constituírem uma frente consistente e, principalmente, sem prevenirem manobras de flanco e de envolvimento, muito difíceis de executar, mas previsíveis. Foi este, sumariamente, o dispositivo defensivo instalado quando, na manhã do dia dois, o contingente liberal retomou a marcha em direcção à Ribeira Grande e chegou ao Porto Formoso. Dispositivo que, para além da sua pobreza táctica, era alimentado maioritariamente por milicianos, que, tal como a tropa de linha, manifestavam um moral em acelerado estado de degradação: o comandante das tropas absolutistas, o Regimento de Milícias da Cidade, o Batalhão de Infantaria da Ilha, as forças de Infantaria 20 e de Caçadores estacionadas em Ponta Delgada haviam demorado todo o dia anterior para fazer o trajecto entre aquela cidade e a Ribeira Grande e, em amanhecendo, apenas um pequeno contingente avançou para a Ladeira da Velha; o próprio capitão-general Sousa Prego, tendo vindo à Ribeira Grande, aqui pouco se demorara, regressando apressadamente a Ponta Delgada, acertadamente inseguro da fidelidade da cidade. Aonde está o Comandante da força, e o resto da tropa? ? perguntavam entre si os defensores da Ladeira da Velha. (A dificuldade dos absolutista em fazer deslocar tropas foi, aliás, uma constante em toda a acção).

Cerca das 9 horas, um piquete absolutista avançado trava o avanço dos primeiros soldados liberais: uma breve troca de tiros, em que entra a peça de montanha que Caçadores 5 capturara na véspera, a que responde peça de igual natureza das forças absolutistas, e as armas calam-se. É então que Vila Flor ensaia um movimento de flanco pelos campos, mandando efectivos ocupar duas elevações dominantes à posição dos soldados absolutistas. Manobra difícil e demorada, obrigando à transposição de imensas grotas e à escalada de ravinas. A falta de comando entre os defensores, e os efectivos presentes, não permitem os movimentos tácticos nem o desenvolvimento adequado de efectivos: antes, é enviado um oficial à Ribeirinha a pedir não só o reforço de tropas, mas a presença do próprio comandante das forças, coronel Silva Reis, no campo de batalha.

Entretanto, enquanto o Regimento de Vila Franca, com gente de Infantaria N.º 1 (500 homens, segundo Vila Flor) ataca a retaguarda das forças liberais sem conseguir suster-lhes o avanço, estas ocupam posição dominante sobre o dispositivo montado na Ladeira da Velha, pondo em debandada as forças das milícias, e permitindo o avanço, pela estrada, da força principal. Quando, finalmente, o coronel Silva Reis se dirige para a frente de combate com reforços em homens e artilharia, a situação já está incontrolável: manda formar a tropa junto à Ribeira do Salto. Com tão pouca sorte que, nestes preparativos, uma bala de canhão cai próxima, pondo em debandada os milicianos que procuram desesperadamente fugir acobertados por entre os milhos, enquanto os soldados de linha partem ou inutilizam as suas armas, recusando-se a combater dizendo, que tãobem lhe tocava a sua vez de governar. Depois, é a fuga descontrolada das tropas miguelistas, sem hipótese de recomposição dos respectivos corpos, perseguidas de perto pelos soldados de Vila Flor.

No fim desse mesmo dia, a Divisão Expedicionária entrou, em triunfo, na Ribeira Grande; no dia seguinte, em Ponta Delgada, onde um bando de constitucionais, mesmo antes de conhecer o desfecho da batalha da Ladeira da Velha, já fizera hastear a bandeira azul e branca no forte de S. Brás.

Segundo fonte absolutista (Faria, 2005), entre todos os combatentes, terão morrido em combate 69 militares, número que aumentou com os feridos que vieram a falecer. Estimaram, os liberais, 350 baixas miguelistas, mortos e feridos; dos próprios, registaram 29 baixas de Caçadores 5. Entre os dois valores, estará a verdade. O mesmo meio-termo com que procurámos balancear a descrição da batalha da Ladeira da Velha, buscando na versão absolutista o equilíbrio, se não a coerência, para os relatos triunfalistas dos vencedores.

O capitão-general Sousa Prego, com o apoio do cônsul britânico, conseguiu fugir para Lisboa, num navio inglês, levando consigo os colaboradores mais próximos; os seus quadros militares foram aprisionados e enviados para Santa Maria. O Exército Libertador conquistou substancial reforço no moral das tropas, e em material e recursos humanos. Manuel Faria

Bibl. Collecção dos Documentos Officiais Relativos aos Últimos Acontecimentos das Ilha dos Açores (1831). Angra, Imprensa do Governo. Drumond, F. F. (1981), Anais da Ilha Terceira. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura, 4 [Fac-simil. da ed. de 1864]. Faria, M. A. (2005), Resumo dos Acontecimentos que Motivaram a Tomada da Ilha de S. Miguel pelo Exército Libertador ? Batalha da Ladeira da Velha, pelo Alferes do 3.º de Inf.ª de Lisboa, Ignacio João Cordeiro. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, 61. Maia, F. A. M. F. (1944), Capitães-Generais ? 1766-1831. Ponta Delgada, Gráfica Regional. Sampaio, A. S. (1904), Memória Sobre a Ilha Terceira. Angra do Heroísmo, Imprensa Municipal. «Officio ao Ministro da Guerra, sobre o desembarque da tropa em S. Miguel; 1 d?Agosto de 1831», «Relação das pessoas mortas, e feridas, pertencentes á Divizão fiel á Rainha, bem como da Tropa do Uzurpador», «Relação dos Officiaes, e alguns Officiaes Inferiores feitos prisioneiros nas Ilhas dos Açores», «Narração do desembarque das tropas constitucionaes em S. Miguel, batalha da Ladeira da Velha, e embarque para o Porto; por J. P. S. Luna» (1884), Archivo dos Açores. Ponta Delgada, Typ do Archivo dos Açores, 6: 98-103, 107, 110-112 e 120-127.