Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

capitães-do-donatário

Eram membros da pequena nobreza do reino, que chegaram ao arquipélago com seus parentes e dependentes com a função de dirigir in loco o povoamento; distribuir terras em regime de sesmaria, no que eram coadjuvados pelos almoxarifes; e representar a vontade do senhor: «meu cavaleiro e capitão, por mim, em minhas ilhas de Santa Maria e de Sam Miguel», assim é designado Frei Gonçalo Velho em documento registado por Frutuoso (1983: 114). Até 1497, por doação régia, os arquipélagos da Madeira e dos Açores, excepção feita às ilhas de Flores e Corvo, fizeram parte de um senhorio particular, o da casa de Viseu-Beja. Com a subida do duque D. Manuel ao trono, em 1495, e a posterior extinção das donatarias insulares e sua integração nos bens da coroa, dois anos depois, desapareceu o nível hierárquico dos donatários. Isto significou, em termos do regime das *capitanias, uma alteração. Por uma sub-doação ou sub-enfeudação, os duques nomeavam para os representar localmente homens da sua casa e da sua confiança, designando-os como capitães. Com o fim das donatarias, os capitães passaram a ter acima de si somente o rei, o que equivale a dizer que o seu estatuto foi, desde então, semelhante ao dos senhores (donatários) continentais. A documentação coeva registou, aliás, essa mudança: os capitães passaram a ser designados como capitães-donatários ou somente como donatários (Cordeiro, 1981). Apesar desta alteração na arquitectura institucional das ilhas, a jurisdição dos capitães não sofreu qualquer diminuição. Definidos nas cartas de doação originais, os respectivos poderes e direitos mantiveram-se inalteráveis até às reformas pombalinas, apesar de, na prática, o absentismo de alguns capitães ter contribuído para um progressivo esvaziamento do conteúdo político das suas prerrogativas, situação que, diga-se, não se verificou em S. Miguel e em Santa Maria de forma tão pronunciada, devido à presença frequente ou continuada dos capitães nessas mesmas ilhas até finais do século XVII. Em Santa Maria, os Soares de Sousa parecem ter residido na ilha com alguma regularidade até à extinção da linhagem, com Brás Soares de Sousa, em 1664, e até esta data, o seu poder e prestígio não sofreu qualquer desgaste (Rodrigues, 1995: 39); já em S. Miguel, desde os tempos do primeiro Câmara, Rui Gonçalves, os capitães alternaram temporadas na corte e campanhas militares no Norte de África com estadas mais ou menos longas na ilha. Do ponto de vista da ligação entre os capitães-donatários de S. Miguel e a sua capitania, o aspecto que nos parece mais significativo é o facto de até finais de Seiscentos aqueles terem escolhido a cidade de Ponta Delgada como local preferencial para o nascimento dos seus filhos.

No que respeita ao regime sucessório das capitanias, os direitos e rendimentos inerentes à posse de cada capitania eram transmitidos hereditariamente, por linha masculina. O regime de transmissão dos direitos senhoriais era definido, no essencial, pela Lei Mental. Desta forma, tornava-se necessário ao herdeiro pedir ao monarca a confirmação das doações (confirmação por sucessão), procedimento que se verificava já no século XV. Tratava-se de afirmar, por parte do rei, que a doação de bens da coroa não significava que estes perdessem a sua natureza e ainda que essa doação não se revestia de um cunho feudal. Todavia, a coroa podia abrir excepções, por via do privilégio. Assim, no século XVI, o capitão de S. Miguel Manuel da *Câmara recebeu pelos seus serviços a mercê, entre outras, de ter «o morgado desta Capitania fora da lei mental, que é das grandes e particulares mercês que os Reis fazem a seus vassalos.» (Frutuoso, 1981, II: 357). A jurisdição inicialmente concedida aos capitães-dos-donatários estava definida nas cartas de doação dos duques: jurisdição cível e crime, exceptuando penas de morte e talhamento de membros. Estes poderes, semelhantes aos dos capitães da Madeira, foram confirmados, em 1520, por D. Manuel, que fixou os seus limites: jurisdição em feitos cíveis até 15.000 réis, sem apelação nem agravo e, nos feitos crimes, a possibilidade de condenarem ao degredo pessoas de qualquer condição social até dez anos, igualmente sem apelação nem agravo; em caso de degredo para as ilhas de S. Tomé, Príncipe ou Santa Helena e em caso de penas de morte natural ou talhamento de membros, dariam apelação para a instância superior; e poder para darem cartas de seguro em crimes de qualquer qualidade (Arquivo dos Açores, 1981, III: 209-210). Os capitães açorianos podiam igualmente nomear um ouvidor particular. Constituíam os ouvidores, enquanto oficiais senhoriais, um nível de justiça intermédio ? a jurisdição senhorial era de segunda instância ?, para ele se apelando das decisões de primeira instância e não devendo as justiças locais intrometer-se no exercício do seu cargo. As prerrogativas dos ouvidores a este nível ficavam teoricamente suspensas quando o corregedor das ilhas as visitava em correição. Em S. Miguel, por alvará de 12 de Dezembro de 1637, o rei concedeu que os ouvidores letrados do conde-donatário, sendo aprovados para o serviço régio e servindo bem o dito cargo, fossem melhorados nele. Acrescentemos ainda que, no plano jurisdicional, as prerrogativas dos capitães podiam ser aumentadas, por doação dos duques ou dos monarcas. Foi assim que João Vaz Corte Real, capitão das capitanias de Angra, na ilha Terceira, e de S. Jorge recebeu a alcaidaria-mor do castelo de Angra e a da ilha de S. Jorge, com os respectivos direitos, por carta do duque D. Manuel, de 19 de Maio de 1495 (Arquivo dos Açores, 1981, IV: 163-164), recebendo seu neto, Manuel Corte Real, a alcaidaria-mor do castelo de S. Sebastião, em Angra, por carta de 25 de Outubro de 1576 (Arquivo dos Açores, 1981, IV: 164-165). De igual modo, também o capitão de S. Miguel, Manuel da *Câmara, pelo seu desempenho em Santa Cruz do Cabo de Gué, recebeu, por alvará de 18 de Dezembro de 1547, entre outras mercês, a dada dos ofícios de tabeliães do público e judicial, escrivães dos orfãos, da câmara e da almotaçaria e contadores, inquiridores e distribuidores da cidade de Ponta Delgada e seu termo e, por alvará de 15 de Outubro de 1552, a alcaidaria-mor do castelo de S. Brás, com um soldo de 50.000 réis. Este benefício significava, em termos jurisdicionais, que a nomeação dos alcaides pequenos e dos carcereiros da cadeia da cidade passava agora a ser da responsabilidade do capitão, do mesmo modo que todas as obras a serem efectuadas no edifício da cadeia. A jurisdição dos capitães de S. Miguel seria novamente alargada quando Rui Gonçalves da *Câmara, em 1576, recebeu a mercê do provimento dos ofícios das vilas e lugares da ilha de S. Miguel, podendo fazer as eleições das câmaras, mercê que foi confirmada ao conde D. Rodrigo da *Câmara, em 1628, por três vidas (Rodrigues, 1994: 280-281). Por fim, refiramos que os capitães podiam presidir às eleições trienais para os ofícios concelhios e à abertura anual dos pelouros. Presidir não significava fazer as eleições e dar juramento aos oficiais, sendo as Ordenações muito claras neste aspecto: a dada das justiças das terras não pertencia ao senhor, pelo que as eleições municipais obedeciam ao sistema descrito nas Ordenações. No entanto, as eleições dos oficiais camarários constituíram sempre uma das mais disputadas questões ao longo dos séculos XVI e XVII, sobretudo nas décadas iniciais do povoamento das ilhas açorianas. O caso paradigmático a este respeito terá sido fornecido pelo Pico, em episódio relatado por Fr. Diogo das Chagas. No início do século XVI, na vila das Lajes, as eleições eram feitas «por ordem do Capitão» e, em 1506, aberto o pelouro, apenas continha o nome de três oficiais. Face aos protestos do procurador do concelho e de vários homens-bons, foi-lhes dito que «o Senhor Capitão fazia hum só Juiz, e hum só Vreador», concluindo o cronista: «Bem se ué daqui, que era isto principio de pouoação pois não auia mais Justiça que a que o Capitão ponha (sic).» (Chagas, 1989: 521-522) Ao nível das rendas dos capitães, estas provinham do monopólio dos meios de produção fixos (moinhos, fornos, atafonas, serras hidráulicas) e da comercialização do sal, da redízima e dos rendimentos das suas próprias terras, compradas a particulares ou, sobretudo, para si reservadas aquando da dada de terras em regime de sesmaria, após a chegada às ilhas. Tal como em relação à jurisdição, as rendas dos capitães podiam ser beneficiadas. Deste modo, o alvará de mercê a Manuel da *Câmara de 18 de Dezembro de 1547 doou a este capitão e seus sucessores o dízimo do pescado de toda a ilha de S. Miguel e sessenta moios de renda, das terras dos próprios do rei; por seu lado, em 1573, D. Francisco Mascarenhas, capitão do Faial e do Pico recebeu o exclusivo do abate de madeira no seu senhorio (Rodrigues, 1994: 283-284; Saldanha, 1991: 237). A merecer também referência está a concessão, a alguns capitães das ilhas açorianas, do exclusivo das saboarias, importante fonte de receitas proveniente do fabrico e venda de sabões pretos e brancos. Entre aqueles que receberam estas rendas, contou-se o capitão de Angra e de S. Jorge, Manuel Corte Real (Arquivo dos Açores, 1981, IV: 165). Em 1766, no contexto das reformas de Pombal, as últimas capitanias açorianas foram extintas e incorporadas nos bens da coroa: a de Santa Maria, então integrada na casa de Castelo Melhor; a de S. Miguel, sempre na posse dos Câmaras; e a da Praia, que, por decreto de 21 de Março de 1765, fora doada vitaliciamente ao conde da Lousã. Em troca, os respectivos capitães puderam conservar certas rendas e direitos (p. ex., as alcaidarias-mores, as redízimas) ou receberam mesmo outros senhorios, como forma de compensar a perda das suas prerrogativas (Meneses, 1993: 69-74; Saldanha, 1991: 288-291). José Damião Rodrigues (Fev.2001)

 

Bibl. Arquivo dos Açores (1981). Ed. fac-similada da ed. original, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, III e IV. Chagas, D. (1989), Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores. Angra do Heroísmo/ Ponta Delgada, Secretaria Regional da Educação e Cultura/ Universidade dos Açores/Centro de Estudos Doutor Gaspar Frutuoso. Cordeiro, A. (1981), Historia Insulana das Ilhas a Portugal Sugeytas no Oceano Occidental. Ed. fac-similada da ed. de 1717, Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura. Frutuoso, G. (1983), Livro Terceiro das Saudades da Terra. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Meneses, A. F. (1993), Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos (1740-1770). Ponta Delgada, Universidade dos Açores, I. Rodrigues, J. D. (1994), Poder Municipal e Oligarquias Urbanas: Ponta Delgada no Século XVII, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada. Rodrigues, J. D. (1995), Sociedade e Administração nos Açores (Séculos XV-XVIII): O caso de Santa Maria In Arquipélago-História, (2), I, In Memoriam Maria Olímpia da Rocha Gil, 2: 33-63. Saldanha, A. V. (1991), As Capitanias ? O Regime Senhorial na Expansão Ultramarina Portuguesa. Funchal, Centro de Estudos de História do Atlântico.