Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

forte de Santa Cruz

O forte de Santa Cruz da cidade da Horta ? na literatura histórica denominado, geralmente, por «castelo» ? é a sua principal *fortificação. Está situado aproximadamente a dois terços do desenvolvimento da baía partindo do norte, e quase ao centro da cidade, junto ao antigo cais de desembarque.

Desenvolvendo-se sobre uma área com 36 ares e 50 centiares, a sua frente para o lado de terra é abaluartada, e para o do mar foi aproveitada a restinga firme que lhe serviu de base para edificação, apresentando a forma de um redente flanqueado. A frente ao lado de terra foi construída com boas cantarias, bem como as muralhas de norte e sul; porém, a que olha ao mar é de alvenarias grossas meio facetadas, frequentemente atacadas pelas ondas quando por elas era batida.

Montava vinte e uma bocas de fogo na bateria baixa ou rasante, sendo as muralhas guarnecidas de banquetas para fuzilaria. Cruzava fogos com o forte do Bom Jesus que lhe ficava à esquerda, sobre a praia, próximo da ribeira da Conceição, e com o da Guia (vulgo Greta) situado na encosta do monte de Nossa Senhora da Guia, hoje em ruínas, que defendia a entrada da baía pelo lado sul. Tinha, no plano baixo e no corpo abaluartado virado a terra, alojamento para o comando, caserna, paiol, arrecadações, calabouço e cozinha. Ainda conserva a ermida de invocação de Santo António; santo este que também dá nome ao forte em alguns documentos antigos.

A história da construção do forte da Santa Cruz remonta às providências tomadas durante a regência do Cardeal D. Henrique para a defesa do Arquipélago. Assim, em 1567, Tommaso *Benedetto terá estado na Horta para delinear o seu plano defensivo, daí partindo simultaneamente o projecto da construção do forte, logicamente segundo traço do próprio Tommaso Benedetto, e a criação de uma esquadra de artilheiros para o guarnecer. De imediato devem ter começado os trabalhos, pois que uma provisão real de 1572 mandava ao director das obras públicas, Luís Gonçalves, visitar as ilhas do Faial e de São Jorge para tomar as diligências necessárias à continuação das obras de fortificação destas ilhas, que se encontravam interrompidas. E logo foi organizado o corpo de ordenanças (cf. *exército) e activado o trabalho de fortificação.

Tal como na Terceira, a crer na informação de António Macedo (1981), a previsão de um ataque das forças de Filipe I de Portugal, II de Espanha, contra a Terceira e ilhas a ela sujeitas após a batalha da Salga, levou ao reforço do treino militar e da fortificação da costa do Faial, reparando as fortalezas que já existiam e construindo outras de novo. Donde parece resultar não só que o forte de Santa Cruz se encontrava construído, mas, eventualmente, já a necessitar de obras de manutenção.

Em 1583, rendida a Terceira à obediência a Filipe I, o forte de Santa Cruz recusou o desembarque na Horta, da pequena armada comandada por D. Pedro de Toledo, enviada ao Faial para dominar a última parcela de Portugal a sustentar, com armas, a causa nacionalista de D. António, Prior do Crato, que teve que efectuar o desembarque no sitio do Pasteleiro. Em 1589, a guarnição espanhola aí deixada após a conquista recolhera à Terceira, a pedido dos habitantes da Horta que se queixavam de que a não podiam sustentar nem alojar, e que se haviam oferecido para proteger a ilha. Esta situação, acrescida de desacordos entre os principais da terra, permitiu o desembarque na Horta, com fraca resistência, de corsários ingleses sob o comando do conde de *Cumberland que mandou arrasar o forte e afundar no mar todo a sua artilharia. Reconstuído, por impreparação e falta de armamento e munições das ordenanças entretanto reorganizadas, mas também e fundamentalmente porque, estando vocacionado para operar em sistema de defesa em linha batendo ao mar, sistema este ainda inexistente ou incompleto ? os seus baluartes virados a terra, eventualmente ainda em obras e insuficientemente artilhados, não lhe permitiam aturada resistência ?, em 1597, embora afastando o desembarque para fora do seu alcance, facilmente foi escalado e tomado, uma vez mais, por corsários ingleses, agora comandados pelo conde de *Essex.

A partir de 1650 e até finais da segunda década do século XX, foi quartel da tropa de linha da guarnição da Horta. Da sua manutenção, nem sempre atempada, no decorrer dos séculos, encontra-se um testemunho em lápide colocada à entrada que diz:

 

Este corpo de guarda e mais obra se fês em 9bro de 1709 ? á ordem de Ant.o do Couto Castel-B.co ? Cavall.o prof.o na ordem de XP.to ? e Com.dor do Secho amarélo ? Na ordem de S. Bento de Avis ? Alcade mór de S. Tiago de Casem. ? Na ordem de S. Iago da Espada. ? S.or de 4 morgados, sendo um o de seu apelido de que é Xéfe ? M.tre de campo que foi d'infant.ia ? e Gov.or das cidades de Placencia & Salamanca em Castella a velha ? & Campilho d?Altigoi da Mancha em Castella a nova. ? A Praça de Bocayrente em o Reyno de Valença, - Brigadier nos exercitos de Portugal, a cujo cargo esta a inspectaçam d'estas ilhas dos Assores por Sua Magestade que Ds. G.de.

 

Em nome do progresso, o forte de Santa Cruz foi cedido à Câmara Municipal da Horta, em 1927, para ser demolido, permitindo a continuação duma avenida marginal que se projectava para a frente da cidade. Salvou-o, por algumas décadas, a falta de dinheiro que inviabilizou o projecto camarário. Classificado monumento nacional por Decreto N.º 36.383, de 28 de Junho de 1947, é pela mão do próprio Estado que se opera a sua descaracterização: com projecto arquitectónico dos Monumentos Nacionais, o edifício construído no seu interior para estalagem, por falta de espaço e para permitir desfrutar a paisagem sobre o canal e a ilha do Pico fronteira, cresceu, necessária e desmesuradamente, em altura, e ocupou quase todo o terrapleno. Do sistema defensivo, praticamente só resta a «couraça exterior», motivo de valorização para o estabelecimento hoteleiro... No dizer de um ilustre clérigo faialense, meteu-se uma igreja dentro de uma ermida! Manuel Faria

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